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Venda de terras a estrangeiros: vendendo a soberania brasileira

O território é a base física da soberania do Estado e a entrega de partes do território brasileiro a estrangeiros, sob a forma de venda ou qualquer outra, significa a entrega de parte da soberania brasileira.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Atualizado em 8 de maio de 2017 11:33

O território é elemento essencial do Estado, aí estando incluída a totalidade das terras existentes dentro dos limites territoriais de um Estado. Esse é o ensinamento praticamente unânime dos Teóricos do Estado. Entre este se inclui o eminente teórico brasileiro, Professor Paulo Bonavides, que numa síntese muito feliz, faz uma clara e objetiva afirmação, que, pela autoridade de seu autor, pela oportunidade e pela objetividade reproduzi em meu livro "Elementos de Teoria Geral do Estado": "Não existe Estado sem território. No momento mesmo de sua constituição o Estado integra num conjunto indissociável, entre outros elementos, um território, de que não pode ser privado sob pena de não ser mais Estado" (ob.cit., 33.ed., pág.94).

O território é a base física da soberania do Estado e a entrega de partes do território brasileiro a estrangeiros, sob a forma de venda ou qualquer outra, significa a entrega de parte da soberania brasileira. E precisamente por isso, por esse efeito extremamente grave em prejuízo de todo o povo brasileiro, a venda de qualquer porção de terras brasileira a estrangeiro é, além de eticamente condenável por acarretar prejuízo a todo o povo, claramente inconstitucional. Entretanto, a pressão dos grandes proprietários e investidores dos setores do agronegócio e agropecuária fez com que se abrissem algumas possibilidades para a aquisição de terras agrícolas por estrangeiros. Isso foi feito por meio de lei, mas estabelecendo regras estritas a respeito das condições em que um estrangeiro pode adquirir terras agrícolas no Brasil, individualmente ou, disfarçadamente, por meio de empresas das quais o investidor tenha o controle. Essas restrições estão expressas na Lei Federal 5.709 de 1971, cujo artigo 1º dispõe que "o estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta lei". E mais adiante a lei estabelece os limites máximos das terras que podem ser adquiridas por estrangeiros que enquadrem nas hipóteses do artigo 1º.

A constitucionalidade dessa lei é questionável, pois ainda que se trate de venda de pequena porção do território brasileiro não deixa de ser a entrega de parte do território a um estrangeiro, o que significa a entrega de parte da soberania brasileira. Isso, entretanto, ainda não foi levado aos tribunais. Ao contrário disso, inconformados com essas limitações, grandes investidores da área econômica aí referidas, os quais, como tem sido amplamente comprovado e agora se confirma, não têm o mínimo respeito pela soberania brasileira e pelos direitos fundamentais dos brasileiros consagrados na Constituição, esses adoradores do dinheiro pretendem que se declare inconstitucional qualquer dispositivo legal que estabeleça restrições à venda de terras para estrangeiros. O que lhes interessa, acima de tudo, é que fique plenamente aberta a possibilidade de fazer negócios com parcelas do território brasileiro, que para eles não tem outro significado a não ser o de bens econômicos que podem proporcionar rendas financeiras.

Paralelamente a denúncias dessas investidas e para que seja estabelecida uma forte resistência a elas, é também oportuno chamar a atenção para artifícios que vêm sendo utilizados numa tentativa de burlar as limitações legais. Uma tentativa que já ocorreu na França e lá foi denunciada e obstada, é a simulação de criação de uma sociedade de proprietários de terras, para dar uma aparência de legalidade a uma venda de terras a estrangeiros. O que se fez na França, e foi denunciado e finalmente obstado, foi justamente a criação formal de uma sociedade de proprietários de terras, todos interessados na venda para estrangeiros. Para ocultar a realidade, os proprietários entram para a sociedade entregando suas terras como pagamento da quantia corresponde à sua quota para ingresso na sociedade. E o comprador estrangeiro entra para a sociedade como se fosse apenas mais um sócio, mas entra como sócio majoritário e assim tem o comando da sociedade.

Quanto aos aspectos jurídicos, é importante e também oportuno lembrar que em setembro de 2012, num julgamento de Mandado de Segurança, o órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo havia concluído que a legislação restringindo a venda de terras a estrangeiras não teria mais aplicação por não ter sido acolhida pela Constituição de 1988. Tomando por base esse argumento, o Corregedor Geral da Justiça editou parecer recomendando que os Tabeliães e oficiais de registro ignorassem as restrições da Lei Federal 5709, de 1971. Em ação proposta contra esse edital pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA o ministro Marco Aurélio, do STF, firmou conclusão no sentido de que a referida lei está em pleno vigor, pois foi regularmente aprovada e sancionada e nem sequer foi proposta ação pedindo a declaração de sua inconstitucionalidade. E concluiu o preclaro Ministro que a referida lei está em pleno vigor e sua desobediência põe em risco a soberania nacional, conclusão que foi acolhida pelo egrégio STF. Assim, pois, estão com plena vigência todas as disposições legais impondo restrições à venda de terras brasileiras, ou seja, porções do território brasileiro, a estrangeiros, o que, além de proteger interesses sociais relevantes, pois os compradores, cujo único interesse é a obtenção de ganho econômico, evidentemente não respeitariam as normas relativas à proteção das matas e do meio ambiente, é uma exigência do respeito à soberania do Estado brasileiro.
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*Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da USP.

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