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Uma breve análise sobre a estabilização de tutela

A estabilização da tutela trata-se de um instituto ainda bastante novo no direito processual pátrio, com diversas questões ainda inexploradas, demandando dos operadores do direito imensa atenção quando da sua utilização.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Atualizado às 07:36

Atendendo às expectativas, o legislador pátrio - ao elaborar o novel Código de Processo Civil - trouxe diversas novidades em seu texto que dividiram opiniões dos juristas. Alguns criticam, apontando diversas falhas e atecnias que de fato existem, outros defendem ferozmente, não economizando nos elogios. O fato é que dentre as muitas novidades apresentadas, destaca-se a sistemática das tutelas de urgência antecipada requerida de forma antecedente prevista no Capítulo II do segundo título do Livro das Tutelas Provisórias da nova lei.

De acordo com o novo Códex de Ritos, as tutelas de urgência podem ser requeridas de maneira antecedente em casos que se tenha a necessidade de um pronunciamento jurisdicional especialmente célere. Para que seja possível se valer da nova dinâmica é indispensável a existência de uma urgência - caracterizada pela probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo - contemporânea à época da propositura da ação, conforme dicção do caput do artigo 303 do CPC vigente.

Segundo a nova sistemática, o Demandante tem a possibilidade de buscar - antes mesmo da propositura da ação - uma providência jurisdicional de urgência por meio de uma petição simplificada, na qual apresente primordialmente a razão do requerimento antecipado, ou seja, que se formule o "requerimento da tutela antecipada e a indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo" (caput do artigo 303 do CPC).

Em momento posterior, nos termos do inciso I do §1º do artigo 303 do NCPC, o Demandante será intimado para que em 15 dias (ou em prazo maior a ser fixado pelo juiz) emende a inicial, ocasião em que deverá completar a tese de defesa, apontando de uma forma mais plena e aprofundada a fundamentação jurídica aplicável ao caso sub judice, proceda com a juntada de novos documentos e a formule a confirmação do pedido de tutela final.

A criação desse novo rito, que permite a busca pela providência que solucione uma situação de urgência, homenageia a celeridade no pronunciamento judicial e inaugura no processo civil brasileiro a técnica da monitorização1, que consiste na obtenção de resultados práticos em razão da inércia da parte Demandada.

Levando-se em conta que se trata de uma tutela de urgência, a concessão do pedido formulado de forma antecipada é feita por meio de decisão interlocutória, impugnável por intermédio da interposição de agravo de instrumento, previsto no inciso I do artigo 1.015 do NCPC.

Entretanto, existe a possibilidade do Demandado decidir por não oferecer resistência ao decisum, cumprindo integralmente o determinado pelo juízo processante, satisfazendo assim a necessidade do Demandante. Paralelamente, alcançada a tutela pretendida, o Demandante poderá optar por não emendar a inicial, momento em que, com a combinação das duas condutas abstensivas, o processo será extinto sem resolução de mérito e a tutela se tornará estável.

Frise-se que a decisão interlocutória concessiva continuará a produzir seus devidos efeitos até que, eventualmente, seja proposta ação autônoma - com o escopo de revisar, reformar ou invalidar o referido decisum - e seja alcançado o provimento.

Imperioso se faz destacar também que, nos termos do Enunciado 28 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM, "admitido o recurso interposto na forma do art. 304 do CPC/2015, converte-se o rito antecedente em principal para apreciação definitiva do mérito da causa, independentemente do provimento ou não do referido recurso". Em outras palavras, se for interposto recurso em face da decisão concessiva, o processo não será extinto por não se satisfazer a parte Demandada apenas com a estabilização da tutela, pretendendo um pronunciamento de mérito2.

Dessa forma, conclui-se que a ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA apresenta dois objetivos primordiais, quais sejam: i) solucionar uma questão urgente de forma célere, conforme é exigido pela própria natureza do caso sub judice; e ii) produzir resultados em face à inércia proposital do Demandado.

Contudo, apesar de aparentemente serem parecidas, a estabilização da tutela não se confunde com coisa julgada material. Os dois institutos, inclusive, são excludentes entre si, nunca podendo ocorrer os dois no mesmo processo.

A coisa julgada material é formada pelo transito em julgado de uma decisão final de mérito, enquanto a estabilização da tutela poderá ocorrer a partir da extinção de um processo sem que seja decidido o mérito.

A tutela estabilizada pode ser revista, conforme falado anteriormente, a partir da propositura de uma ação autônoma a ser distribuída por dependência no mesmo juízo processante, em um prazo de 2 (dois) anos, sem necessidade de qualquer depósito prévio e sem restrição quanto às hipóteses de cabimento. Nota-se, portanto, que a estabilização da tutela oferece muito menos segurança que a coisa julgada, que por sua vez somente poderá ser revisitada a partir da propositura da ação rescisória, se preenchidos todos os requisitos a ela inerentes.

Perceba que o transcurso dos 2 anos para a revisitação da decisão concessiva da tutela estabilizada NÃO acarreta a produção da coisa julgada material, apenas acontecendo o fenômeno chamado de "Estabilização da Tutela Plena", visto que não poderá mais ser modificada.

Diante dessa insegurança inerente à estabilização da tutela, invariavelmente se indaga quanto às vantagens que as partes têm em se valer dessa sistemática.

Numa primeira análise, sobressai o fator da celeridade na obtenção do pronunciamento, vantagem esta que se estende aos dois polos do processo bem como ao próprio poder judiciário, visto que a parte Demandante satisfará seus anseios urgentes, enquanto o Demandado se verá livre de mais um demanda judicial, o que inevitavelmente colaborará para o desafogamento do sistema.

O segundo e terceiro aspectos revelam-se vantajosos para o Demandado, senão vejamos. Por se tratar de uma sistemática em que se aplica analogamente as normas da ação monitória não resistida, os honorários devidos são reduzidos à 5% e estaria, o Demandado, isento das custas processuais. Nesse sentido se pronunciou o ENFAM em seu enunciado 18 que diz que "na estabilização da tutela antecipada, o réu ficará isento do pagamento das custas e os honorários deverão ser fixados no percentual de 5% sobre o valor da causa (art. 304, caput, c/c o art. 701, caput, do CPC/2015)".

Por fim, a última vantagem, e talvez a que seja mais relevante para o Demandado, é a não formação da coisa julgada material em razão da extinção do processo sem resolução do mérito, o que implica na consequente ausência de constituição de precedente, influenciando assim na nova dinâmica do microssistema de precedentes vinculantes presentes no novo Códex de Ritos.

Assim, conforme se verifica a partir dessa breve explanação, que muito longe passou de exaurir o tema, a estabilização da tutela trata-se de um instituto ainda bastante novo no direito processual pátrio, com diversas questões ainda inexploradas, demandando dos operadores do direito imensa atenção quando da sua utilização. Ainda há muito o que se descobrir e aperfeiçoar nessa nova dinâmica, não sendo ainda possível formar um juízo de valor quanto a sua aplicabilidade, vantagens e desvantagens, visto que pouco se sabe em razão da escassa utilização do instituto. Contudo, por ser uma inovação, precisa ser encarada com otimismo e como mais ferramenta disponível na tentativa de melhorar o sistema processual brasileiro.

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1. DIDIER, Fredie Jr., Curso de direito processual civil, 10ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. Vol.02

2. BORBA, Mozart, Diálogos sobre o novo CPC, 3ª ed. Recife: Ed. Armador, 2016.

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*Eduardo R. Vasconcelos de Moraes é advogado Imobiliário e Cível.


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