Há vínculo trabalhista entre os motoristas e o aplicativo Uber?
O que realmente impera é um subjetivismo exacerbado, pois duas situações idênticas foram sentenciadas de forma diametralmente opostas.
quinta-feira, 4 de maio de 2017
Atualizado em 3 de maio de 2017 09:17
As recentes decisões envolvendo a plataforma digital Uber novamente revelam a necessidade de alteração na legislação trabalhista brasileira para, assim, conferir aos contratantes maior segurança, independente do vínculo jurídico contratado, seja de prestação de serviços ou um contrato típico de trabalho.
O ditado "cada cabeça uma sentença" cabe perfeitamente para ilustrar o fato da Justiça do Trabalho de Minas Gerais ter dado tratamento diametralmente oposto ao julgamento de duas reclamações trabalhistas postulando vínculo de emprego entre o condutor do veículo e o aplicativo Uber. Pergunta-se: há vínculo trabalhista entre os motoristas e o aplicativo?
O Juízo da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte concluiu que não, pois não se vislumbrou, para a caracterização da relação de emprego, os pressupostos presentes nos artigos 2º e 3º da CLT. Em suma, entendeu que a Uber do Brasil fornece serviços de tecnologia e não de transporte. Ainda, argumentou que não há ordens ou determinações aos motoristas e sim recomendações e incentivos a serem seguidos, como adequar-se à seleção de carros, exigências de exames no Detran e ao seguro passageiro, o que desnatura a relação de emprego.
Já o Juízo da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em situação semelhante fundamentou sua decisão no sentido de que todos os critérios que estabelecem vínculo de emprego estão presentes no caso, como a prestação de serviço através de uma pessoa física e a subordinação, uma vez que o motorista estava submisso a ordens da empresa.
No último dia 11, foi a vez da Justiça do Trabalho de São Paulo enfrentar o tema. O Juízo da 13ª Vara do Trabalho também reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo de transportes Uber. De acordo com a sentença, o reclamante deverá receber direitos trabalhistas, como FGTS, 13º salário e férias remuneradas, além de compensações por danos morais causados durante os meses que prestou serviços. Ao todo, a Justiça determinou que a empresa deverá pagar R$ 80 mil ao motorista.
Comparando-se as decisões temos que o que realmente impera é um subjetivismo exacerbado, pois duas situações idênticas foram sentenciadas de forma diametralmente opostas. Igual subjetivismo encontra-se estampado em processos em que se apreciam, por exemplo, pedidos indenizatórios, mais notadamente nas questões que envolvem fixação do dano.
Fato é, a CLT, promulgada em 1943, não acompanha, já há um bom tempo, a evolução do convívio em sociedade, as diversas formas de relação jurídica de prestação de serviços, a própria vontade dos contratantes, em muitos casos, de regerem o vínculo que os une de uma forma em que não se reconheça a relação de emprego protegida pela CLT.
Também não se pode deixar de reconhecer que o acesso à informação, entre outros fatores, nos faz acreditar que houve uma sensível diminuição no número de trabalhadores hipossuficientes tutelados pela própria Consolidação das Leis do Trabalho. Não se defende aqui desprezar importantíssimas conquistas de longos anos, mas apenas um olhar mais atento para o mercado de trabalho atual e suas mais variadas formas de relação entre as partes para atribuir maior segurança jurídica aos contratantes.
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*Marília Meorim Ferreira De Lucca e Castro é advogada e sócia do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.