Armas psicológicas ameaçam a Justiça do Trabalho
A grande questão é saber como a Justiça do Trabalho vai participar da construção do seu próprio futuro.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Atualizado às 07:46
Visualizando apenas a história mais recente, a Justiça do Trabalho, desde o final de 2015, quando sofreu um brutal corte orçamentário, tem sido alvo de vários ataques.
Esses ataques culminaram com as falas do presidente da Câmara dos Deputados, de que a Justiça do Trabalho "não deveria nem existir"1, e de um ministro do STF, acusando o TST de ser um laboratório do PT2, reiterando a investida que já havia feito em 20163.
Essas últimas falas geraram muita indignação e reações, que foram expressas por meio de notas de associações e entidades representativas de juízes, advogados e procuradores do trabalho4.
Mas é preciso tentar compreender o objetivo concreto desses ataques, que, vale perceber, rapidamente ganham enorme repercussão na grande mídia.
Antes, cumpre deixar claro que não adiro às iniciativas que tentam, institucionalmente, impedir qualquer pessoa de manifestar as suas opiniões e muito menos considero pertinente invocar a lei Orgânica da Magistratura, editada durante a ditadura civil-empresarial-militar (1964-1985) e com propósitos bem específicos de amordaçar a magistratura nacional, para negar aos membros do Judiciário o direito de exporem publicamente suas posições sobre temas de relevância para o país.
Essa ressalva não tem o efeito de negar a pertinência e o acerto das manifestações de solidariedade aos ministros do TST, ou mesmo a oportunidade das reações de crítica e de repúdio aos conteúdos das falas acima mencionadas, eis que transbordaram do campo do direito de expressão para a esfera das acusações levianas, isto é, imputações sem qualquer base fática, tendo sido, igualmente, agressivas inversões da realidade.
Com efeito, de forma generalizada e irresponsável, os juízes do trabalho foram acusados de culpados pela existência de 13 milhões de desempregados, quando, de fato, o que fazem, em decisões sempre fundamentadas - concordem ou não com seus fundamentos - é aplicar o Direito do Trabalho a partir dos postulados básicos fixados na CF, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; da prevalência dos Direitos Humanos; dos direitos trabalhistas como direitos fundamentais, voltados à melhoria da condição social dos trabalhadores e do desenvolvimento da economia a partir do parâmetro da busca da justiça social.
Necessário perceber, portanto, que os ataques feitos à Justiça do Trabalho estão ligados a um objetivo de fundo que é o de impedir a efetivação dos preceitos constitucionais ligados ao projeto de Estado Social Democrático, que sequer chegamos a experimentar, concretamente.
Verifique-se, a propósito, a publicação, em 30/03/17, pelo jornal O Estado de S. Paulo, de um encarte especial no qual se preconiza, abertamente, uma "rediscussão" da Constituição de 1988, que é apontada como velha, vez que promulgada há quase 30 anos, e cujas normas, em "excesso de regulamentação", baseadas em "demagogia", teriam trazido como único resultado a "judicialização" dos conflitos.
O encarte dá visibilidade, inclusive, à ideia de que o preceito de "cláusulas pétreas" não passa de um "fetiche", afirmando-se que quem de fato e de direito deve dar a palavra final sobre quais são os valores que regem a sociedade é o STF, órgão que poderia, assim, alterar a Constituição como os seus Ministros bem entendessem, afastando a soberania popular.
O encarte inaugura o estágio do golpe escancarado!5
O que está havendo, portanto, é o ponto de chegada de um processo histórico de sucessivas tentativas, vindas de determinados segmentos político-empresariais brasileiros, de apagar os direitos trabalhistas da Constituição, o que se tornou incontornável e incontrolável de abril de 2016 em diante.
No presente momento se assumiu abertamente a necessidade de destruir a Justiça do Trabalho, de forma direta, ou seja, com exclusão formal da sua existência - o que não é uma tarefa nada fácil, a não ser que o golpe atinja o estágio do autoritarismo pleno - ou, ao menos, por intermédio da promoção de uma espécie de desconstrução pública da instituição, isto porque a Justiça do Trabalho, desde 20026, tem causado o enorme incômodo de tentar fazer valer, de forma concreta, os preceitos constitucionais trabalhistas.
Na linha da segunda opção, uma das estratégias desenvolvidas é a da utilização de armamento pesado de caráter psicológico, para tentar criar a ideia básica de que o empresariado brasileiro, notadamente o pequeno e médio empresário, é vítima de uma atuação exagerada (e até desonesta) de advogados, procuradores e juízes do trabalho, acusando-se estes últimos de não serem "imparciais"; de tratarem os trabalhadores como "coitados"; de serem "paternalistas"; de fixarem condenações impeditivas da competitividade das empresas e "aniquiladoras de empregos", seguindo uma "inspiração comunista" ou meramente "petista" (seja lá o que isso for) etc, esquecendo-se, propositalmente, de que a real história do Direito do Trabalho no Brasil é marcada pelo reiterado descumprimento das leis, pela adoção de diversas práticas de fraudes trabalhistas7 e pelo acatamento, de 1964 em diante, de inúmeras normas de "flexibilização", sem qualquer efeito benéfico à economia do país e ao aumento da dita "empregabilidade"8.
Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
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1 Justiça do Trabalho não deveria nem existir, diz deputado Rodrigo Maia.
2 Gilmar Mendes chama Tribunal Superior do Trabalho de 'laboratório do PT'.
3 Na ocasião o ministro, na decisão proferida, em 14 de outubro, na Medida Cautelar para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 323, acusou as decisões do TST que garantiram a ultratividade de serem casuísticas e de aparentemente favorecerem apenas a um lado da relação trabalhista. Disse que o TST, na Súmula 277, proferiu uma "jurisprudência sentimental", em um "ativismo um tanto quanto naif", ou seja, "ingênuo" ou "popularesco", e que, no dia 21 de outubro de 2016, em palestra realizada no evento promovido pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abidib) e pela Câmara Americana Comércio (Amcham), referiu-se ao TST, em tom de deboche, dizendo: "Esse tribunal é formado por pessoas que poderiam integrar até um tribunal da antiga União Soviética. Salvo que lá não tinha tribunal". - Gilmar Mendes: TST intervém exageradamente em relações trabalhistas.
4 TST agradece moções de solidariedade em relação a ataques sofridos.
5 Que se expressou de forma ainda mais clara em Editorial publicado no dia seguinte (31/03/17): "O desafio de uma Constituição". Acesso em 13/04/17.
6 "As inovações legislativas no direito do trabalho, que se avolumavam a cada ano, todas atendendo aos reclamos da teoria da flexibilização, simplesmente, em 2002, cessam por completo. Nenhuma lei é editada neste sentido e as iniciativas reformadoras do direito do trabalho tomam outro rumo. A lei voltada ao direito material do trabalho, editada em 2002, digna de destaque, é a de 10.421, de 15 de abril, pela qual se estendeu à mãe adotiva os direitos à licença-maternidade (art. 392-A, da CLT) e ao salário-maternidade (art. 71-A, da lei 8.213/91). Aliás, esta alteração do paradigma do direito do trabalho começa a se concretizar, efetivamente, quando em abril de 2002, tomam posse os novos dirigentes do TST: Ministros Francisco Fausto (Presidente), Vantuil Abdala (Vice-Presidente) e Ronaldo Lopes Leal (Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho). Já em seu discurso de posse, em 10 de abril/02, o Presidente Ministro Fausto, defendeu a idéia de que "A legislação trabalhista não pode ser objeto de mudanças fundadas em interesses momentâneos, circunstanciais. O Direito do Trabalho corresponde a um sistema e a uma conquista não só do Brasil, mas de todo o mundo. Qualquer mudança não pode ser objeto de mera portaria ou resolução, tem de ser precedida de um profundo debate técnico". E destacou: "Esse posicionamento nada tem de paternalista. Trata-se de uma visão tutelar do tema, ou seja, a importância de salvaguardar os direitos trabalhistas, que não foram criados pelo Judiciário, mas pela legislação que consagrou uma conquista universal. Direitos como o repouso semanal remunerado, licença para tratamento de saúde, dentre inúmeros outros, são comuns à humanidade como um todo". (SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. História do Direito do Trabalho no Brasil - Curso de Direito do Trabalho, Vol. I - Parte II. São Paulo: LTr, 2017, p. 405 - reprodução de artigo publicado em dezembro de 2002).
7 Os efeitos das reformas trabalhistas propostas.
8 "A legislação trabalhista é rígida e não está adaptada aos novos tempos".
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*Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.