Departamento de Registro Empresarial e Integração muda entendimento sobre a constituição de Eireli por pessoa jurídica
A tendência com a nova alteração é a diminuição da burocracia e dos custos de transação para a constituição de Eirelis, bem como para a manutenção da empresa.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Atualizado em 25 de abril de 2017 09:48
Em 11 de julho de 2011 foi publicada a lei 12.441, que alterou o Código Civil brasileiro para que este passasse a prever a constituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli). A Eireli é uma representação jurídica em que figura como constituinte apenas uma pessoa1, titular da integralidade do capital social da empresa, e que tem como finalidade imediata a preservação do patrimônio pessoal do constituinte e como finalidade mediata o fim do "sócio fictício", que integrava o quadro societário de outros modelos sociais apenas para que se conseguisse, por meio dessa medida, a referida preservação.
A constituição da Eireli, guardadas as devidas peculiaridades previstas pela mencionada lei 12.441/11 - tais como a necessidade de integralização de, pelo menos, valor igual a cem vezes o salário mínimo vigente - passa administrativamente pelas mesmas burocracias das demais sociedades constituídas na Junta Comercial local, tais como a necessidade de elaboração de DBE (Documento Básico de Entrada) e posterior documento de constituição a serem submetidos às autoridades administrativas. E, nessa fase, ocorria uma enorme divergência entre as possibilidades previstas na leitura seca da lei 12.441/11 e o entendimento das Juntas Comerciais.
De um lado, o artigo 980-A do Código Civil passou a prever que a Eireli seria constituída "por uma única pessoa", o que, a priori, englobaria também as pessoas jurídicas, visto que doutrinariamente o termo abstrato não faz distinção2. Tal interpretação seca vinha acompanhada, ainda, de diversos outros argumentos de doutrinadores que defendiam a possibilidade de constituição de Eireli por pessoa jurídica, tais como a necessidade de se aproximar o instituto da realidade fático-econômica brasileira3 e a devida isonomia entre as pessoas físico e jurídicas, que deveria ser observada4.
De outro, a Instrução Normativa 117 do DNRC (Departamento Nacional do Registro do Comércio) de 22 de novembro de 2011, ao publicar o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - Eireli, fez constar, em seu item "1.2.11", a impossibilidade de pessoa jurídica ser titular da Eireli, bem como o fez a Instrução Normativa 10 de 5 de dezembro de 2013, publicada pelo DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração), sucessor do DNRC. Tal imposição dos referidos departamentos não apenas obrigou as Juntas Comerciais a negarem o pedido de constituição de Eirelis por pessoas jurídicas, como também deu causa à edição do Enunciado 468 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual "A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural".
Ocorre que o DREI, por meio da Instrução Normativa 38/17, acabou por alterar seu entendimento sobre a questão. O item 1.2.5 do anexo V da referida norma apresenta, inclusive, como especialidade para a titularidade a pessoa jurídica ou estrangeira. Segundo o diretor do DREI, Conrado Fernandes, em entrevista para a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, "a revisão das Instruções Normativas do DREI, sobretudo, dos Manuais de Registro de Empresas é muito relevante para sociedade brasileira, primordialmente, para promover agilidade, simplicidade e segurança jurídica aos procedimentos dos órgãos de registro".
Dessa forma, a tendência com a nova alteração é a diminuição da burocracia e dos custos de transação para a constituição de Eirelis, bem como para a manutenção da empresa, visto que o novo entendimento possibilita a transformação de outros tipos societários e estabelecimento de novas empresas na modalidade de titularidade individual.
O Código Civil inclusive possibilita, pelo menos à primeira vista, que uma pessoa jurídica seja titular de mais de uma Eireli, diferentemente do que é permitido à pessoa física, haja vista que, conforme mencionado, o art. 980-A não faz a distinção entre os tipos pessoais, mas o parágrafo segundo do mesmo artigo é expresso ao afirmar que apenas a pessoa natural é vedada de figurar em mais de uma empresa da modalidade citada.
Sobressaem-se como maiores beneficiadas as sociedades estrangeiras, que não mais necessitam encontrar parceiro comercial figurativo para constituição do quadro social da empresa, e as pessoas jurídicas que anteriormente figuravam como sócias majoritárias em determinados modelos societários ou que pretendiam constituir nova empresa, e que agora adquiriram maior segurança jurídica na possibilidade de ingressarem também sem o elemento do sócio figurativo em novos empreendimentos.
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1 Nos termos do art. 980-A do Código Civil, "Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País".
2 Nesse sentido, NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. EIRELI - A Tutela do Patrimônio de Afetação. São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 89/90.
3 NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. Obra citada, p.90.
4 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, v. 915/2012, p. 153-180, jan/2012. P. 161.
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*Helder Felipe Fonseca Damasceno é advogado do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados com atuação nas áreas de Direito Corporativo, Societário e M&A.
*João Sad é colaborador no escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados.