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Notas fiscais inidôneas e o adquirente de boa-fé: as autuações fiscais do Estado de São Paulo e a posição do seu Tribunal de impostos e taxas

A despeito do entendimento do STJ, o Estado de São Paulo continua lavrando autos de infração para exigir ICMS do adquirente da mercadoria no contexto em que o fornecedor é declarado inidôneo. Verificamos que diversas dessas autuações são mantidas pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo ("TIT/SP") com base em 2 (dois) aspectos que passamos a discorrer a seguir.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Atualizado às 08:23

A discussão acerca do direito de o Fisco Estadual glosar créditos do Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços ("ICMS") de comerciantes que adquirem mercadorias cuja nota fiscal foi emitida por empresa fornecedora posteriormente declarada inidônea já foi analisada e definitivamente decidida pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ") que, em 2010, em sede de recurso repetitivo, reconheceu a legitimidade do crédito aproveitado pelo adquirente da mercadoria, desde que comprovada sua boa-fé (Recurso Especial 1.148.444/MG).

Naquela ocasião, o STJ concluiu que a boa-fé do adquirente da mercadoria poderia ser identificada quando: (i) houvesse comprovação de veracidade das operações (e.g. mediante apresentação de cópias do livro de registro de entradas e comprovantes dos pagamentos efetuados à empresa declarada inidônea, principalmente); (ii) a declaração de inidoneidade, que só produz efeitos a partir de sua publicação, fosse posterior às operações questionadas; e (iii) houvesse comprovação de que o contribuinte exigiu, no momento da celebração do negócio jurídico, a documentação pertinente à assunção da regularidade da empresa vendedora. Ou seja, preenchidos estes requisitos, seria identificada a boa-fé do adquirente das mercadorias, que não poderia ter seus créditos de ICMS glosados1.

A despeito do entendimento do STJ, o Estado de São Paulo continua lavrando autos de infração para exigir ICMS do adquirente da mercadoria no contexto em que o fornecedor é declarado inidôneo. Verificamos que diversas dessas autuações são mantidas pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo ("TIT/SP") com base em 2 (dois) aspectos que passamos a discorrer a seguir.

A primeira questão que nos chama atenção refere-se à constatação de que as autuações são mantidas pelo TIT/SP com base na presunção de que teria ocorrido conluio entre fornecedor inidôneo e comerciante adquirente (apesar dessa situação não ser, em regra, comprovada na autuação).

Essa presunção faz com que vários julgadores não considerem suficientes, para fins de demonstração de boa-fé, os documentos apresentados pelo adquirente das mercadorias nos limites definidos pelo STJ. Como exemplo: há acórdãos do TIT que não reconheceram a irretroatividade da declaração de inidoneidade, outros desconsideram notas fiscais pelo simples fato de não constar número de telefone do fornecedor e alguns, ainda, defenderam que a apresentação de provas de pagamento, por exemplo, não seria suficiente para superar a presunção favorável ao Fisco, gerada pela documentação que apurou a inidoneidade da emitente das notas fiscais declaradas inidôneas. Essas decisões não foram reformadas, por impossibilidade de reexame de provas, em instância superior.

Note-se que, em sessão monotemática realizada pela Câmara Superior do TIT/SP em maio de 2012, foi reconhecida a aplicabilidade do entendimento do STJ no âmbito dos processos administrativos tributários estaduais. Naquela ocasião, foram julgados 9 casos análogos e, em 7, reconheceu-se a necessidade de anulação dos acórdãos proferidos pelas Câmaras Julgadoras e de retorno do processo à segunda instância administrativa para que a documentação fosse analisada à luz da jurisprudência do STJ (registrada na súmula 509). Mesmo após orientação por parte da Câmara Superior, ainda assim são proferidos acórdãos pelo TIT/SP que, em relação aos documentos que comprovam a boa-fé do adquirente das mercadorias, não adotam as diretrizes estabelecidas pelo STJ.

Ou seja, se, por um lado, os acórdãos não afirmam textualmente que há conluio entre as partes, por outro lado consideram insuficientes os elementos definidos pelo STJ como meios de comprovação da boa-fé do adquirente. Ao revés, entendem que o adquirente das mercadorias deveria comprovar minuciosamente a movimentação comercial, movimentação financeira e o transporte utilizado no fornecimento das mercadorias, com identificação precisa dos responsáveis pelo pedido de mercadorias e pelo transporte que deu suporte à operação. Confira-se trecho de acórdão neste sentido:

"(...) deve o contribuinte colacionar documentos que demonstrem não só a movimentação financeira decorrente das operações, como também outros elementos, como o transporte das mercadorias adquiridas e a identificação do representante responsável pela realização da comercialização, afastando-se, desta maneira, qualquer sombra de dúvidas acerca da efetividade da operação mercantil.

(...) 1º elemento: "movimentação comercial": momento em que se aferem dados relacionados ao vínculo mercantil que pretensamente se estabeleceu, com a identificação dos responsáveis pela transação mercantil.

(...) 3º elemento: "transporte utilizado no fornecimento das mercadorias": momento em que se apontam dados suficientes para a identificação precisa dos responsáveis pelo transporte que deu suporte ao pretenso fornecimento de mercadorias (...)."

(TIT/SP, Auto de Infração 4.073.640-4, 11ª Câmara Julgadora, Relator Ricardo Adati, decisão proferida em dezembro/2016)

Contudo, a presunção de conluio torna imprestável qualquer tentativa, por parte do contribuinte, de comprovar sua boa-fé, o que não passou despercebido em um dos acórdãos proferidos na sessão monotemática, que reconheceu que a existência de conluio/simulação não pode ser tratada como regra. Confira-se:

"Ademais, discordo do d. relator no ponto em que este cita, como motivo enfraquecedor das razões da autuada, caso em que restou comprovado o conluio entre a empresa fornecedora das mercadorias e a empresa adquirente. Para o d. julgador, apenas a possibilidade de haver tal conluio/simulação tornaria inócua qualquer tentativa de comprovação da efetividade das operações, por meio da comprovação, por exemplo, do efetivo pagamento das mercadorias.

Ora, a possível existência de conluio/simulação constitui hipótese excepcional, que não pode ser tratada, assim, como regra. Além disso, possível conluio entre as partes envolvidas deve ser cabalmente comprovado pelo Fisco, já que não cabe ao contribuinte produzir prova negativa."

(TIT/SP, Auto de Infração 3.130.581-7, Câmara Superior, Relator Gianpaulo Camilo Dringoli, decisão proferida maio/2012. O trecho transcrito foi extraído do voto-vista de Vanessa Pereira Rodrigues Domene)

Portanto, o que se verifica é que, se não comprovado nos autos, o conluio/simulação entre o fornecedor inidôneo e o adquirente das mercadorias não deve ser presumido, sendo suficiente para comprovação da boa-fé do adquirente das mercadorias a prova produzida nos moldes do que definiu o STJ.

Além disso, outro ponto que vem sendo discutido no TIT/SP está relacionado às autuações fiscais lavradas no cenário em que o comerciante de boa-fé adquiriu mercadorias sujeitas ao ICMS na modalidade de substituição tributária ("ICMS-ST"). Como não há crédito a ser glosado nessas situações, o Fisco Estadual Paulista exige do comerciante de boa-fé: (i) na condição de responsável solidário, o ICMS devido pelo fornecedor referente à sua operação própria, ao argumento de que a solidariedade seria cabível pois o adquirente das mercadorias teria as recebido desacompanhadas de nota fiscal, nos termos do artigo 11, incisos XI, XII e §1º, do decreto Estadual 45.590/00 (Regulamento do ICMS/SP)2 ; e (ii) na condição de substituído tributário, o ICMS-ST que deveria ter sido retido pelo fornecedor inidôneo antecipadamente (responsabilidade tributária).

Essas autuações consideram que as mercadorias não estariam acompanhadas de documentação fiscal e, além disso, que o adquirente de boa-fé teria concorrido para a sonegação do imposto, sem que isso tenha sido comprovado, em regra.

A respeito, defendemos que o ICMS-ST apenas pode ser cobrado do substituído tributário se lhe for concedida prévia oportunidade (mediante notificação) para o recolhimento do imposto não pago pelo substituto, nos termos do artigo 267 do RICMS/SP3. Trata-se de entendimento que vem sendo acolhido por várias Câmaras Julgadoras do TIT/SP4.

Contudo, mesmo que o artigo 267 do RICMS/SP seja observado, no que se refere ao ICMS referente à operação própria do fornecedor declarado inidôneo, entendemos que, de acordo com os artigos 121 e 124 do Código Tributário Nacional ("CTN"), o adquirente das mercadorias apenas poderia ser responsabilizado pelo imposto devido pela empresa declarada inidônea se tivesse interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal. O interesse comum, por sua vez, somente pode ser presumido no caso de operação realizada sem documentação fiscal. A situação em que o adquirente de boa-fé recebe as mercadorias acompanhadas de notas fiscais que, contudo, foram posteriormente declaradas inidôneas, não é a hipótese legal prevista pelo artigo 124 do CTN e pelo artigo 11, XI, c/c §1º, do RICMS/SP e, portanto, não há fundamento legal que justifique a solidariedade pretendida pelo Fisco Estadual.

Sobre o tema, há acórdãos do TIT/SP em diferentes sentidos. Em alguns casos, o TIT/SP ratifica a responsabilidade solidária atribuída ao adquirente das mercadorias, ao argumento de que a operação com nota fiscal declarada inidônea produz os mesmos efeitos que a operação desacompanhada de documentação fiscal5. Por outro lado, há acórdãos do TIT/SP - com os quais concordamos - reconhecendo a inexistência de identidade entre a situação em que a mercadoria estava acompanhada de nota fiscal posteriormente declarada inidônea e a hipótese em que a mercadoria estava desacompanhada de documento fiscal. Vale transcrever o trecho a seguir:

"(...) Desse modo, ao adquirente das mercadorias somente poderia ser imputado o dever de pagamento do ICMS caso efetivamente, ou seja, comprovadamente, tenha concorrido para a "sonegação" do imposto, o que não ocorre nos autos. No entanto, no caso dos autos não há prova a justificar o deslocamento da responsabilidade à Recorrente, pois a declaração de nulidade da inscrição estadual do remetente, por si só, não tem o condão de transferir a responsabilidade tributária, pois não há que se falar em conduta praticada diretamente pela Recorrente com o objetivo de obter vantagem econômica. Concluo não ser possível aplicar a regra de solidariedade para o caso em análise, tendo em vista a ausência de provas da participação da Recorrente na intenção de sonegar o imposto. (...)
No mais, embora não tenha sido levantado na acusação fiscal, não identifico nos autos a caracterização e "interesse comum", pelas razões aduzidas acima. Sequer o fato de receber notas fiscais consideradas inidôneas pode ser caracterizado como "interesse comum", pois as regras do art. 9º, inciso XI e parágrafo único, da Lei 6.374/89, apenas são aplicáveis às situações em que as operações não são amparadas em qualquer documento fiscal (aquisição sem notas), o que não é o caso. Desse modo, indevida a cobrança do ICMS, por solidariedade, da Recorrente."

(TIT/SP, 2ª Câmara Julgadora, Auto de Infração 4.049.951-0, decisão proferida em maio/2016)

Pelo exposto, verifica-se que o Fisco Estadual continua autuando os adquirentes de mercadorias cujo fornecedor foi declarado inidôneo, e o TIT/SP, em diversas ocasiões, mantém as autuações, mesmo quando cumpridos os requisitos exigidos pelo STJ para comprovação da boa-fé do adquirente das mercadorias. Parece-nos que a manutenção das autuações, em regra, é pautada pela presunção de que houve conluio entre o fornecedor inidôneo e o adquirente das mercadorias, o que supostamente justificaria também a atribuição de responsabilidade solidária ao adquirente. De qualquer forma, somos firmes no entendimento de que o cumprimento dos requisitos exigidos pelo STJ em recurso repetitivo (RESP 1.148.444/MG) para demonstração da boa-fé do adquirente deve ser suficiente para o cancelamento das autuações fiscais.

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1 Nesse cenário, foi editada a Súmula 509: "É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda".

2 "Artigo 11 - São responsáveis pelo pagamento do imposto devido:
(...)
XI - solidariamente, as pessoas que tiverem interesse comum na situação que tiver dado origem à obrigação principal;
XII - solidariamente, todo aquele que efetivamente concorrer para a sonegação do imposto;
(...)
§ 1º - Presume-se ter interesse comum, para efeito do disposto no inciso Xi, o adquirente da mercadoria ou o tomador do serviço, em operação ou prestação realizadas sem documentação fiscal."
3 "Artigo 267 - Não recolhido o imposto pelo sujeito passivo por substituição:
I - em decorrência de decisão judicial, enquanto não retomada a substituição tributária, deverão os contribuintes substituídos cumprir todas as obrigações tributárias, principal e acessórias, pelo sistema de débito e crédito, observadas as normas comuns previstas na legislação;
II - nos demais casos, tratando-se de débito não declarado em guia de informação, o débito fiscal será exigido do contribuinte substituído, mediante notificação, cujo não-atendimento acarretará lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa - AIIM."
4 Entendimento acolhido pela 8ª Câmara Julgadora do TIT/SP em decisão proferida em janeiro/2014 nos autos do processo administrativo decorrente do Auto de Infração 4.004.734-9. A 10ª Câmara Julgadora também proferiu decisão nesse sentido ao julgar, em junho/2014, o Auto de Infração 4.004.733-7.

5 Para exemplificar: "(...) Por outra parte, por força do artigo 184, I, do RICMS/00, entende-se por operação ou prestação desacompanhada de documentação fiscal, conforme apresentado em fundamentação no tópico 4.1 deste, que se retorna, como aquela não acobertada por documento fiscal hábil, sendo este concebido como aquele que for emitido por contribuinte que esteja em situação regular perante o fisco." (TIT/SP, 11ª Câmara Julgadora, Auto de Infração 4.073.640-4, decisão proferida em 2.2.2016).

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*Fernanda Ramos Pazello é advogada em São Paulo no escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Fernanda Santos Moura é advogada em São Paulo no escritório Pinheiro Neto Advogados.









* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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