Ressocialização das detentas brasileiras ante a ineficácia da prisão
As condições degradantes nas alas, tanto masculina quanto feminina, não favorecem a ressocialização e podem causar males maiores para a sociedade. Uma sociedade que, historicamente, não oferece oportunidades para pessoas encarceradas se inserirem no mercado de trabalho.
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Atualizado às 07:35
O Dia Internacional da Mulher é uma grande oportunidade de se discutir os caminhos para assegurar que todas as brasileiras tenham seus direitos fundamentais e humanos assegurados de forma plena. Mas uma reflexão que me parece necessária volta-se para as mulheres encarceradas, os motivos que as levam para a criminalidade e como recuperá-las para uma vida cidadã. Isto principalmente em tempos em que a crise do sistema prisional brasileiro fica tão evidente por frequentes rebeliões e dezenas de mortos. E precisa-se dizer que há uma ineficácia da função social da pena de prisão. A certeza é de que o estado segrega uma pessoa apenas para devolvê-la posteriormente à sociedade, mas falha no processo de ressocialização das pessoas encarceradas que permanecem em condições sub-humanas.
A prisão em si deveria ser medida reservada para casos em que seja extremamente necessária, permitindo ao estado ter um sistema prisional mais enxuto e eficiente. Mas, não é isto que ocorre na prática. O Censo Penitenciário divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça demonstra que 33% da população penitenciária do Brasil é composta por presos provisórios - 221 mil dos 654 mil detentos. Somente este dado já é um indicativo das razões da superlotação do sistema carcerário e da crise que a sociedade acompanha pelos veículos de comunicação. Porém, ao olhar a questão prisional feminina nos deparamos com seu o crescimento astronômico de 500% nos últimos 15 anos. O encarceramento feminino ocorre, quase na sua totalidade, por conta do envolvimento das mulheres no tráfico de drogas.
São os variados fatores sociais que levam a mulher a atuar no tráfico de drogas. O primeiro aspecto, e talvez o principal, é a influência do companheiro, namorado ou marido, que facilita a participação feminina para circulação da droga e manutenção desta atividade ilícita. Portanto, a questão afetiva com o traficante somada à própria inserção da mulher no mercado de "trabalho", seja forma ou informal, são condições que a seduzem para a criminalidade. As mulheres são usadas como transportadora das drogas porque, historicamente, são menos vulneráveis nas abordagens realizadas pela atividade policial. Muito embora o tráfico seja considerado pela legislação brasileira um crime hediondo, a praxe das mulheres traficantes não se relaciona com condutas mais graves -pelo menos esta é a tendência até o momento. Os crimes mais hediondos envolvem a chefia do tráfico e das organizações criminosas, lideradas por homens.
A criminalidade feminina pode ser vista como atividade de "terceiro escalão". A mulher não é vista como perigosa porque não é responsável por assassinatos e outros crimes periféricos ao tráfico, mas acaba cumprindo boa parte da vida na prisão por conta do tráfico. Obviamente, se nada for feito quanto políticas públicas voltadas para a mulher e ao sistema prisional, a sociedade irá testemunhar a maior penetração das organizações criminosas nos presídios femininos. Isso significa que enquanto o estado encarcera, a organização criminosa se infiltra nas falhas do sistema público, concedendo benefícios e regalias para homens e mulheres. E se hoje não há grandes rebeliões nos presídios femininos é justamente pela ausência de comando feminino nas facções. A verdade incontestável é que o crime tem fácil penetração onde o estado se ausenta, principalmente onde as condições humanas são degradantes e violações de direitos fundamentais ocorrem.
Outro ponto é a necessidade de uma reanálise de quais consequências a pena de prisão irá acarretar para a sociedade. As condições degradantes nas alas, tanto masculina quanto feminina, não favorecem a ressocialização e podem causar males maiores para a sociedade. Uma sociedade que, historicamente, não oferece oportunidades para pessoas encarceradas se inserirem no mercado de trabalho. O preso fica com aquela marca na ficha. Ora, a sociedade precisa pensar, refletir e cobrar as autoridades públicas por um sistema carcerário cujas políticas, de fato, ressocializem os detentos. Enquanto não o fizer, todo o país continuará a assistir, e a compactuar, a uma postura rígida de punição. Somente a prisão não contribuirá para a diminuição dos índices de criminalidade no Brasil. Pelo contrário, poderá ainda mais aumentá-los.
A prisão deveria existir para punir como forma de segregar uma pessoa da sociedade e, posteriormente, devolvê-la ressocializada. No caso específico do encarceramento feminino, entende-se que a prisão de uma mulher encarcera toda uma família. Se ela tiver filhos, as crianças irão para abrigos ou ficam com parentes em situações que, muitas vezes, poderão ser maltratadas. Se a mulher estiver grávida, o bebê nascerá num ambiente degradante sem base social e familiar, obviamente não será surpresa se este cenário se tornar um círculo vicioso para estas pessoas. Obviamente que a mulher traficante não deve ser anistiada ou perdoada, mas é preciso oferecer os caminhos para que ela não seja seduzida pelo mundo crime. Medidas que passam pela efetividade de políticas públicas para a mulher e também por atividades comunitárias.
Não há receita para solucionar o problema da questão carcerária feminina, mas não é por isso que a sociedade e os órgãos de justiça devem ficar parados. Ao Ministério Público cabe exigir que o estado cumpra seu papel, mesmo esbarrando na "escassez" de recursos. Não adianta destinar verba para construção de novos presídios e alas quando a execução penal é deficiente e não há oferta de emprego para os detentos. A sociedade também não pode virar as costas para a questão prisional porque aquele preso ou presa é parte integrante da mesma sociedade. Qualquer um que cometer qualquer tipo de crime poderá ser preso e muitos daqueles que defendem o "bandido bom é bandido morto" mudam de posição quando a realidade prisional bate à sua porta.
Se não há condições adequadas para ressocialização nos presídios masculinos, no cárcere feminino há menos ainda. Temos duas certezas sobre a pena privativa de liberdade no Brasil - ou a pessoa irá morrer ali dentro ou sairá "pior" do que entrou. Portanto, não se pode jogar o problema para debaixo do tapete porque chegará uma hora, ou talvez já tenha chego, em que não será possível andar sobre o tapete. O país não pode enfrentar a situação carcerária de maneira irresponsável e necessita de uma maturidade com ampla e coerente discussão. E cabe ao poder público investir em segurança pública de modo que os recursos empregados sejam efetivos. Ao Ministério Público, deve cumprir o trabalho judicial que lhe é incumbido. Mas, promotores de justiça da Vara de Execução Penal devem extrapolar a atividade tradicional e ir para a comunidade, oferecendo subsídios e agindo como instrumento de conscientização para que tenha uma mudança de postura social e política na questão. Penso que esse é um conjunto de ações articuladas que poderá indicar novos caminhos para a situação carcerária brasileira, em especial das mulheres, a fim de que se cumpra o objetivo de ressocialização.
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*Andrea Simone Frias é promotora de Justiça do MP-PR e coordenadora do Núcleo Região Sul do MPD - Movimento do Ministério Público Democrático.