O sistema do Facebook para barrar "vingança pornô" e o Marco Civil da Internet
Para manterem um ambiente profícuo aos seus usuários, de acordo com as suas especificidades e o seu porte, os provedores de aplicação devem adotar uma postura de soluções de conflitos.
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Atualizado em 12 de abril de 2017 12:02
O Facebook acaba de anunciar uma nova ferramenta que visa impedir, automaticamente, o compartilhamento de imagens contendo pornografia não autorizada, a denominada, reprovável e ilícita conduta de "vingança pornô", mediante software de análise de imagens dentro da sua rede social, nas fotos do Instagram e no serviço de mensagens instantâneas do Messenger.
Além da remoção das imagens em questão, os usuários que praticarem referida conduta, poderão sofrer sanções administrativas por violação dos termos de uso das aplicações, incluindo a possibilidade de suspensão da conta.
É com bons olhos que se enxerga, finalmente, plataformas digitais atuarem diligentemente para a manutenção de um ambiente saudável, excluindo conteúdo ilícito e sancionando seus usuários por violação das suas próprias regras de uso.
Se por um lado a internet foi originada e desenvolvida com base no princípio end-to-end, se limitando a transmitir dados dos seus respectivos usuários, de forma livre e neutra, sem qualquer interferência, bem como possibilitando a entrada de novas aplicações, que apenas precisam ser conectadas para funcionar, permitindo a inovação contínua e permanente em seu ambiente generativo, de forma única e universal, por outro, contidos na grande rede mundial de computadores, estão os provedores de aplicações de Internet, como o Facebook, o Instagram e o Messenger, verdadeiros territórios digitais, povoados por seus usuários.
Referidos usuários aceitam as regras, expressas ou tácitas, formais ou informais, para utilização das respectivas funcionalidades prestadas, e necessitam conviver dentro dos ditames legais, tanto das respectivas plataformas utilizadas, como do ordenamento jurídico pertinente, tendo como fronteiras os sistemas pelos quais estão conectados e autenticados.
O Marco Civil da Internet (MCI) prevê, em seu art. 19, caput, que, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet, somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Porém, uma das exceções, é justamente para casos de violação da intimidade não autorizada de materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado (art. 21, caput, do MCI), bastando uma notificação extrajudicial ao provedor, que, se não remover o conteúdo, poderá ser responsabilizado civilmente.
Independentemente da discussão sobre a técnica jurídica do referido e controverso artigo de lei, ao prever a responsabilidade civil pelo descumprimento de ordem judicial, alterando gravemente a jurisprudência pacífica do STJ (REsp. 1.338.214/MT), bem como acerca da sua própria constitucionalidade, fato é que, para conteúdo genérico judicialmente considerado ilícito, o provedor de aplicação será responsabilizado civilmente se descumprir ordem judicial de indisponibilidade, bem como, para conteúdo específico envolvendo nudez e pornografia não autorizada, caso não atenda a solicitação extrajudicial.
A ordem judicial de indisponibilização, conforme §1º, do art. 19, deverá conter, sob pena de nulidade, a identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material, bem como, para pedidos extrajudiciais de nudez não autorizada, conforme parágrafo único do art. 21, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
O conteúdo digital de uma foto e vídeo pode ser identificado inequivocamente com a indicação da Uniform Resource Locator (URL). Porém, possivelmente a identificação mais precisa esteja atrelada ao seu hash, algoritmo matemático unidirecional que pode ser gerado para qualquer conteúdo, extraindo uma espécie de DNA do documento digital.
Ainda, mesmo que o arquivo seja levemente alterado e consequentemente não seja mais possível identificá-lo por hash, atualmente os algoritmos de leitura de conteúdos digitais são tão poderosos que conseguem facilmente traçar conteúdos semelhantes (como o "Content ID", do YouTube), seja no caso da biometria do rosto em uma foto, da pornografia infantil em um vídeo ou da violação de direitos autorais em parte de uma música.
Portanto, com a implementação da referida ferramenta, o Facebook passa a mitigar o risco de ser responsabilizado civilmente por conteúdo gerado por terceiros, pois estará agindo diligentemente na exclusão de conteúdo de "vingança pornô" apontado como ilícito.
Se as sociedades contemporâneas demonstram atravessar uma crise com seus conceitos de forma, segurança, violência e justiça, é possível tutelar, de forma eficiente, os direitos dos usuários dentro dos provedores de aplicações de Internet, por meio da utilização de mecanismos extrajudiciais eficazes para resolução de controvérsias, com medidas de natureza técnica, econômica e sociais de apoio, sempre seguindo o ordenamento jurídico, evitando ao máximo, assim, a judicialização de conflitos da era digital.
Precisamos, cada vez mais, de concisão, do desenvolvimento e criação de canais mais adequados para a prevenção e composição de conflitos.
Para manterem um ambiente profícuo aos seus usuários, de acordo com as suas especificidades e o seu porte, os provedores de aplicação devem adotar uma postura de soluções de conflitos, como no caso de "vingança pornô" entre seus usuários, by design, pelo qual o método indisponibilização de conteúdo e sanção dos usuários devem estar incorporados à arquitetura de seus sistemas e modelos de negócio.
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*Rony Vainzof é sócio do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.