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IPI importação: novas perspectivas

Durante muitos anos, prevaleceu a tese no sentido de que a incidência do IPI na importação de bens para uso próprio violaria o princípio da não-cumulatividade, motivo pelo qual restaria afastada a tributação na modalidade.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Atualizado em 11 de abril de 2017 09:09

O IPI na modalidade importação vem sendo objeto de intensos debates entre contribuintes e fisco nos últimos tempos. Um dos mais interessantes tem por objeto a incidência de IPI importação sobre bens importados para uso próprio que, diante da recente alteração de entendimento1 do STF, merece ser objeto de reflexão, principalmente no que se refere ao alcance daquele precedente.

No julgamento do RE 723.651/PR, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo tribunal, restou definida a incidência do IPI na importação de veículos automotores por pessoas físicas, posição que se contrapõe ao longo período de decisões proferidas de forma favorável aos contribuintes.

Durante muitos anos, prevaleceu a tese no sentido de que a incidência do IPI na importação de bens para uso próprio violaria o princípio da não-cumulatividade, motivo pelo qual restaria afastada a tributação na modalidade. Ante o julgamento do precedente em comento, o entendimento do STF foi diametralmente alterado, passando a acolher a tese sustentada pelo fisco, sob o fundamento de que a não tributação das operações desta natureza colocaria o produto estrangeiro em situação de vantagem em comparação ao produto nacional.

Nesse sentido, este trabalho busca trazer algumas reflexões, de forma breve e concisa, acerca do alcance do entendimento firmado naquela corte, especialmente sob o fundamento de que a tese de repercussão geral firmada naquela oportunidade está limitada às operações de importação de veículos automotores por pessoas físicas, não se estendendo aos outros bens importados por não contribuintes, especialmente quando o bem importado não encontra similar produzido dentro do território nacional.

O IPI é tributo de competência da União Federal previsto no art. 153, IV da CRFB/88, cujos critérios especiais estão estabelecidos no §3º do mesmo dispositivo. O Código Tributário Nacional, por seu turno, foi o diploma eleito para regulamentar os aspectos gerais relacionados ao tributo, através dos artigos 46 e seguintes.

O imposto em questão tem por base econômica as operações com produtos industrializados, especificamente sobre o resultado do processo produtivo, ou seja, a operação jurídica que envolve "a prática de um ato negocial do qual resulte a circulação econômica do produto industrializado2". O próprio legislador constituinte determinou, ao elencar no §3º do art. 153 os critérios constitucionais3 para a instituição do IPI, características essenciais como a não cumulatividade, seletividade e extrafiscalidade.

Dentre as características apresentadas, nos dedicaremos à primeira, na medida em que foi o fundamento sob o qual o entendimento dos tribunais superiores se manteve, por muitos anos, favorável aos contribuintes4.

Conforme mencionado, a não cumulatividade constitui técnica de tributação que tem por objetivo impedir a oneração tributária excessiva sobre operações que, por sua essência, ocorrem em cadeia. Assim, sendo o tributo não cumulativo, o constituinte autorizou a dedução dos valores devidos nas fases posteriores da cadeia com os valores suportados nas operações anteriores5.

O próprio texto constitucional dispõe nesse sentido, ao asseverar que o tributo se torna não cumulativo "compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores" (art. 153 §3º, II, da CRFB/88). A incidência do IPI sobre a importação, por seu turno, está prevista no artigo 51, I do CTN6 e no decreto 7.212/10 - RIPI. A não cumulatividade deve ser igualmente observada nas operações de importação, na medida em que tais operações constituem modalidade de incidência do referido tributo, atraindo a aplicação de todos os aspectos básicos desenhados na Carta Magna de 1988."7

A aplicação da não cumulatividade, especificamente na modalidade importação, autoriza que o importador acrescente ao preço do produto vendido para o próximo elo da cadeia o valor recolhido a título de tributo no desembaraço aduaneiro, através do fenômeno jurídico-tributário conhecido como repercussão tributária.

O tema passou a ser objeto de discussão na doutrina e da jurisprudência nas operações realizadas por pessoas físicas ou jurídicas que importam para uso próprio, ou seja, sem repasse do ônus fiscal para os elos seguintes da cadeia produtiva, hipótese que, segundo os contribuintes, violaria a não cumulatividade.

Nesse aspecto, a jurisprudência enfrentou tema semelhante quando analisou a incidência do ICMS sobre a importação, imposto também submetido a não cumulatividade. Naquela oportunidade, restou consignado que a cobrança apenas seria possível se a Carta Magna fosse modificada através de emenda, passando a prever exceção à regra da não cumulatividade. Tal hipótese se consolidou com a publicação da EC 33/01, que assegurou a incidência do ICMS na importação - ainda que o importador fosse pessoa física ou não contribuinte do ICMS - através da autorização expressa da incidência cumulativa em tal operação8.

Repita-se, o mesmo entendimento foi, até o julgamento do RE 723.651/PR, aplicável aos julgamentos sobre o tema pelos tribunais brasileiros, não somente no caso de importação de veículo por pessoas físicas, mas também na importação de outros bens, inclusive por pessoas jurídicas.

Nesse sentido o precedente abaixo:

"A hipótese dos autos cuida da incidência do IPI nos casos de importação de equipamentos médicos por pessoa jurídica prestadora de serviço, para uso próprio(...) 3. Não há previsão constitucional expressa que ampare a incidência do IPI na importação, diferentemente do que ocorre com o ICMS, a que se refere o art. 155, § 2º, inciso IX, alínea a, da Constituição Federal, com a redação da EC 33/01. 4. Agravo regimental não provido."9

Ante as questões preliminares, cumpre analisar o julgamento do RE 723.651/PR, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF, especialmente para sustentar a aplicação restritiva do entendimento firmado àquelas operações realizadas por pessoas físicas nas importações de veículos, diante da tese minimalista ali sustentada, levando a crer que a tese não se aplicaria, portanto, às demais operações de importação realizadas por não contribuintes.

Naquela oportunidade, os ministros decidiram que os importadores de veículos pessoa física, ainda que não realizassem operação comercial posterior, deveriam recolher o IPI, sob o argumento de que a não incidência ofenderia a isonomia e a extrafiscalidade.

A afronta, segundo os julgadores, se daria pela incidência do IPI sobre os bens produzidos dentro do território nacional, não podendo deixar de incidir nas operações realizadas sobre produtos estrangeiros, sob pena de homenagear o produto estrangeiro em detrimento daquele produzido em território nacional.

Ademais, suscitaram os integrantes do pretório que o valor despendido com o produto importado surge como próprio à tributação, sem distinção dos elementos que, porventura, o tenham norteado. Sustentaram, por fim, que a não-cumulatividade não estaria ofendida nos casos onde há tão somente um elo na cadeia produtiva (incidência isolada), na medida em que tal princípio não visa combater a incidência do tributo propriamente dita, mas tão somente sua cobrança em cascata, inexistente em operações onde há incidência única.

Note-se, contudo, que a tese firmada naquela oportunidade pode ser questionada em relação às demais operações realizadas por não contribuintes, na medida em que se aplicam exclusivamente às importações de veículos automotores por pessoas físicas.

Isso porque durante o julgamento do acórdão paradigma, os ministros se manifestaram pela limitação do conteúdo a casos idênticos àqueles analisados no julgamento, adotando tese minimalista, receosos dos efeitos decorrentes da aplicação ampla da nova tese a todas as operações de importação.

Importa trazer à baila, para melhor compreensão do tema, alguns fragmentos do diálogo entre os julgadores, especificamente no que se refere à limitação do alcance dos efeitos da tese em julgamento, especialmente no que toca ao desenvolvimento do atendimento médico no país.

"O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E aí, ministro Marco Aurélio, quando o ministro Fux estava se pronunciando, eu me lembrei - e também estou extremamente preocupado - da questão dos equipamentos médicos. Mas, na área acadêmica também, há equipamentos importantíssimos para laboratórios físicos, químicos, para equipamentos de astronomia, etc. Realmente, se nós generalizarmos a tese, nós podemos prejudicar setores de ponta que dependem de equipamentos não fabricados no Brasil e que podem inviabilizar, inclusive, a pesquisa científica, ou dificultar sobremaneira.
(...)
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - por isso, eu quase fiz a exceção para os equipamentos médicos, mas achei que era um avanço de sinal pelo Judiciário, porque, na verdade, nós estamos estabelecendo uma tese. Qual é a tese? Paga-se IPI na importação por não contribuinte, essa é a nossa tese.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Não, não, quanto a veículo.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É, quanto a veículo.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Quanto a veículos.
(...)
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Eu não proponho a adição, eu proponho uma postura afirmativa: Incide IPI na importação de veículo automotor por não contribuinte, por pessoa física. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E minimalista.
(...)
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - O Rio de Janeiro, agora, importou um equipamento de tomografia cerebral, inaugurou um hospital, digamos assim, singular em termos de América Latina, que é capitaneado pelo professor Paulo Niemeyer Filho; esse equipamento foi uma fábula em milhões de dólares.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - É, se for do SUS, tem um tratamento diferenciado. O problema dos equipamentos médicos é para as clínicas privadas; os hospitais universitários e as entidades filantrópicas em geral, portanto, quem trabalha para o SUS, não enfrenta esse problema. Eu também me interessei por isso. Mas, olha, embora eu ache que a tese jurídica seja correta e valha para todas as hipóteses, eu me sensibilizo com uma tese mais restrita, se esse for o entendimento. Eu acho difícil de sustentá-lo dogmaticamente, mas acho moralmente defensável. Então, está bem!
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, dou provimento no sentido de que há incidência de IPI na importação de veículo automotor.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Neste sentido. Mas adstringindo a essa tese.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Mas fica com a tese minimalista, que nós só estamos examinando o caso de importação de veículos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - É a tese do Relator."

Seguindo esta orientação, o tribunal delimitou o alcance da decisão e publicou a tese nos seguintes termos:

"Decisão (...)o Tribunal fixou a seguinte tese: 'Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio'"

Mais forte se torna a tese em questão nos casos em que o bem importado não encontre similar fabricado dentro do território nacional, hipótese em que se afasta o argumento acolhido pela maioria dos ministros no julgamento do em análise, no sentido de que a não incidência afronta o princípio da livre concorrência e à isonomia.

Ainda que não se pretenda encerrar os debates acerca da matéria, faz-se o convite à reflexão, em atenção ao cuidado do plenário em delimitar a tese de repercussão geral, que enseja, através do questionamento judicial, a possibilidade de ver reconhecida a não incidência do IPI na importação de bens por não contribuintes, ressalvada a operação realizada para importação de veículos para uso próprio, expressamente consignada naquela oportunidade.

A janela de discussão que se abre deve ser observada pelo contribuinte, que tem presenciado um cenário em que a União Federal compensa a má gestão, a corrupção, e a interpretação equivocada da legislação - esta última reconhecida no recente julgamento que definiu o afastamento do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins10 - em aumento de carga tributária suportada pelo cidadão que tenta, bravamente, sobreviver ao verdadeiro caos tributário vivido em nosso país.

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1 STF. RE 723.651/PR. Rep. Geral Rec. Rel. Min. Marco Aurélio. Pub. 05.08.2016

2 TRF 4. 1ª Seção, EINF 5002923-29.2010.404.7205. Rel. Vânia Hack de Almeida. Pub. Fev/2013

3 Constituição Federal de 1988. Art. 153 § 3º O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.

4 Nesse sentido, são diversos os precedentes das cortes superiores. Destacamos: RE 550170 AgR, RE 550170 AgR, RE 255090 AgR, RE 501773 AgR, RE 615.595, RE 627.844 e RE 643.525 e, inclusive, um julgamento do STJ sob rito dos recursos repetitivos (REsp 1396488/SC)

5 CTN: "Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes"

6 CTN. "Art. 51 Contribuinte do imposto é: I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;

7 PAULSEN. Leandro. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 9ª Ed. rev e atual. Editora dos Advogados. Porto Alegre: 2015. p.119: "O critério da não cumulatividade é de aplicação obrigatória, inclusive na importação. Desse modo, o importador que paga IPI sobre a entrada de produto industrializado, quando sujeito ao pagamento do IPI em futuras operações internas por ser industrial, equiparado ou comerciante de produtos sujeitos ao imposto que os forneça a industrial ou equiparado (art. 51, II e III do CTN) pode creditar-se do respectivo valor para desconto posterior quando do pagamento de IPI na saída de seus produtos no mercado interno

8 STF. RE 255.682/RSAgR, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.02.06. "Para viabilizar a cobrança do ICMS, em caso tal, foi promulgada a EC 33, de 12.12.2001, que alterou a redação da alínea 'a' do inciso IX, do art. 155 da CF. Com relação ao IPI, entretanto, não há disposição igual. O que há, simplesmente, é o dispositivo constitucional que estabelece o princípio da não cumulatividade, de obediência obrigatória, evidentemente, pelo legislador ordinário (CF ., art. 153, IV, §3º, II)"

9 STF. AG. REsp 643.525. 1ª turma. Rel. Min Dias Toffoli. Pub. 26.02.2013

10 STF. RE 574.706. Rel. Min Carmen Lucia. Pub.20.03.2017

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*Tadeu Puretz é advogado do escritório Salusse Marangoni Advogados.

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