Limites da confidencialidade na audiência de mediação e litigância de má-fé
Com efeito, o sigilo e a confidencialidade são cânones fundamentais e compõem a medula do procedimento.
sexta-feira, 31 de março de 2017
Atualizado em 30 de março de 2017 08:00
Na tentativa de racionalizar a entrega da prestação jurisdicional, o CPC/15 estimula os meios autocompositivos de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação (art. 3º, §§ 2º e 3º), valorizando a autonomia da vontade e o maior "empoderamento"1 das partes.
Dentro da sistemática delineada pelo legislador, preenchidos os requisitos do art. 334, caput, do CPC/15 c/c art. 27 da lei de mediação, a designação da audiência de mediação/conciliação será a regra, observadas apenas as exceções previstas na Lei de Ritos (art. 334, § 4º, I e II)2, que devem ser interpretadas em harmonia com o art. 3º da lei especial.
Caso seja designada a audiência de conciliação/mediação, o prazo da contestação só começará a fluir a partir do dia seguinte da última audiência frustrada (art. 335, I, CPC/15). Lamentavelmente, tal previsão normativa - interessante para evitar atos processuais desnecessários - vem sendo utilizada como subterfúgio para abusos e deslealdades processuais.
Explica-se: como a audiência de mediação só não será realizada se ambas as partes manifestarem desinteresse, alguns réus vêm adotando a prática de informar, por petição, o interesse no ato processual, ou simplesmente se omitir, mesmo já sabendo de antemão que não têm qualquer interesse na composição consensual. Fazem isso, de forma velada, para postergar o início do prazo da contestação.
Não raro, notamos, nas audiências de mediação, que a parte ré comparece e permanece calada, não demonstrando o menor interesse em cooperar e evoluir na busca da construção do consenso. Certa feita, o advogado de um dos réus disse que estava ali somente para "ouvir" a parte autora, que, pasmem, já havia declinado expressamente nos autos seu desinteresse pela audiência de mediação, em razão das tentativas extrajudiciais frustradas.
Surgem então as seguintes indagações: nessas hipóteses de total leniência do réu e de falta de compromisso com a prestação jurisdicional, é possível a sua condenação por litigância de má-fé? Quais são os limites da confidencialidade da mediação? Como comprovar, perante o juiz, a postura desidiosa e anticooperativa do demandado?
Pois bem, como se sabe, o microssistema3 da mediação é formado por inúmeros princípios.4 Um dos mais importantes é o da confidencialidade. Com efeito, o sigilo e a confidencialidade são cânones fundamentais e compõem a medula do procedimento.
Isso porque, sem a confidencialidade, a mediação provavelmente não alcançaria todo o seu potencial e impediria a maximização dos resultados. De fato, os mediandos não se sentiriam tão à vontade para um diálogo aberto5 e para revelarem preocupações, incertezas, desconfortos e, principalmente, seus interesses. A confidencialidade é uma espécie de antídoto contra o medo - justificável - de que algo revelado na mediação possa ser usado desfavoravelmente em eventual ação judicial.
Não é à toa que a Resolução 125/10 do CNJ (art. 1º), o CPC/15 (art. 166) e a lei de mediação (arts. 2º, VII, 14 e 30), além de outros importantes diplomas internacionais6, consagram a importância da confidencialidade. Justamente em razão do dever de confidencialidade, o mediador não poderá depor como testemunha em processos judiciais envolvendo o conflito em que tenha atuado (art. 7º da lei 13.140/15 c/c 448, II, do CPC/15).
Vale lembrar também que todos aqueles que participam da mediação - membros da equipe do mediador, partes, prepostos, advogados (arts. 166, § 2º do CPC/15 c/c 30, § 1º, da lei de mediação) - devem observar o dever de confidencialidade.
Quanto ao conteúdo protegido pela confidencialidade, estão abrangidas as declarações, opiniões, promessas, manifestações sobre as propostas de acordo, bem como os documentos preparados unicamente para o procedimento em questão e os fatos reconhecidos por uma ou ambas as partes (art. 30, § 1º, I a IV, da lei de mediação), além de todas as informações apresentadas no curso da mediação (art. 166, § 1º, do CPC/15).
Porém, a confidencialidade na mediação não é absoluta. As informações ali veiculadas podem ser utilizadas a) com expressa autorização dos mediandos, não podendo o respectivo teor "ser utilizado para fim diverso daquele previsto" (art. 166, § 1º, do CPC/15); b) nos casos em que a lei exija a sua divulgação ou seja necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação (art. 30, caput, da lei 13.140/15); e c) quando estiverem relacionadas com a ocorrência de crime de ação pública (art. 30, §3º, da lei de mediação).
Cumpre observar, ainda, que a regra de confidencialidade não afasta o dever dos envolvidos de prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos servidores públicos a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas, nos termos do art. 198 do Código Tributário Nacional.
Importante destacar que, além de não ser absoluta, a noção de confidencialidade deve ser interpretada à luz de uma lógica sistêmica. O dever de sigilo não pode, em hipótese alguma, servir de escudo para comportamentos abusivos e protelatórios, em flagrante violação aos princípios da boa-fé e da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC/15), desestimulando e infantilizando a mediação, sobretudo nesse momento de sedimentação do CPC/15.
Nesse compasso, entendemos que o réu que sinaliza seu interesse na audiência de mediação, ou mesmo se mantém inerte diante da designação do ato - quando o autor já manifestou desinteresse7 -, mas, na audiência, não apresenta qualquer proposta de acordo ou, ao menos, um direcionamento possível para a construção do consenso, litiga de má-fé e deve ser condenado às penalidades legais (art. 81 do CPC/15).8
Pelo menos duas condutas previstas na Lei de Ritos podem ser invocadas: oferecimento de resistência injustificada ao andamento do processo e atuação temerária em qualquer incidente ou ato do processo (art. 80, IV e V). Sim, porque, nessas hipóteses, a realização da audiência de mediação terá, na prática, alongado desnecessariamente o processamento do feito9, violando a duração razoável do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 4º, 6º e 139, II, do CPC/15).
Mas, como comprovar essa postura do réu? A questão não é simples, reconhecemos, mas alguns mecanismos podem ajudar. De plano, é importante que o mediador, no início da primeira sessão (art. 14, § 1º, da lei 13.140/15), alerte as partes sobre as regras de confidencialidade e os limites do sigilo, deixando claro que, na condição de auxiliar da Justiça, pode ser instado pelo juiz a reportar eventual conduta protelatória e comportamento descompromissado com o espírito da mediação.
É óbvio que a ausência de composição amigável, por si só, não tem o condão de materializar um ato procrastinatório e tampouco significa que uma das partes não tenha colaborado. Na verdade, o que se repudia é aquela completa inação do réu, que revela uma conduta premeditada e maliciosa, com a finalidade de ganhar mais tempo para preparar a sua defesa.
Nessa hipótese, a parte contrária pode (e deve) relatar os fatos ao juiz, requerendo a condenação do "pseudomediando" por litigância de má-fé. Com base no contraditório participativo (arts. 9º e 10 do CPC/15) e à luz de seu dever de cooperação (art. 6º), o magistrado deve intimar o réu para se manifestar a respeito, podendo, inclusive, oficiar o mediador que atuou na audiência frustrada para atestar, única e exclusivamente, a leniência e a total falta de colaboração do demandado, respeitando, no mais, os limites do sigilo e da confidencialidade.
Em resumo, dentro da perspectiva de uma "jurisdição multifacetada"10, em que a mediação tem status de equivalente jurisdicional, não se pode permitir que a audiência de mediação se transforme em "mecanismo de procrastinação"11 e odioso álibi para comportamentos desleais, ímprobos e anticooperativos, sob pena de ferir a lógica do sistema e a própria mens legis do CPC/15.
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1 Termo utilizado na Resolução nº 125/10 do Conselho Nacional de Justiça.
2 Nas ações de família (art. 695) e nos litígios coletivos de posse velha de imóvel (art. 565), a designação da audiência de mediação é obrigatória.
3 Resolução nº 125/10 do CNJ, CPC/15 e Lei nº 13.140/15.
4 Imparcialidade, autonomia da vontade, independência, imparcialidade, oralidade, informalidade, decisão informada, busca do consenso, isonomia entre as partes, boa-fé, competência, além do respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. Além dos referidos princípios, poderíamos citar muitos outros, "como os princípios da igualdade (tratamento simétrico dos mediandos); da diligência (cuidado e prudência para garantir a qualidade e credibilidade da atividade); da transparência (agir de modo claro e idôneo); do respeito (agir com sensibilidade, cooperação, acolhimento, bom senso, respeitando o protagonismo dos mediandos)". MAZZOLA, Marcelo. Mediação e Direito Intertemporal: duas leis em vacância e um convite à compatibilização. Revista de Arbitragem e Mediação - Rarb. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 46, jul./set. 2015, p. 219.
5 PEIXOTO, Ravi. Sobre o princípio da confidencialidade na mediação e na conciliação. Acesso em 10.03.2017.
6 Por exemplo, a Diretiva nº 2008/52/CE do Parlamento Europeu. Vide especificamente "considerandos" 16, 23 e art. 7º. Acesso em 11. 03.2017.
7 Ao invés de apresentar petição também informando seu desinteresse até 10 (dez) dias antes da audiência, conforme art. 334, § 5º, do CPC/15. Reconhecemos, contudo, que a conduta omissiva não é tão acintosa quanto à comissiva, mas, sem dúvida, flerta com a litigância de má-fé.
8 Situação diferente é a do réu que foi "obrigado" a comparecer à audiência de mediação em razão do interesse do autor.
9 Sobre o tema, vale conferir RODRIGUES, Daniel Conalgo. "Sobre a audiência de mediação ou conciliação no novo CPC: questões ainda não resolvidas". Acesso em 14. 03.2017.
10 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Expressão utilizada nas aulas de Mestrado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
11 MELLO PORTO, José Roberto Sotero. "Mediação prevista pelo novo CPC não pode se tornar mecanismo de procrastinação" . Acesso em 13.03.2017. No mesmo sentido, Aluisio Mendes e Guilherme Hartmann quando falam em "escudo defensivo procrastionatório". MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; HARTMANN, Guilherme Kronemberg. A audiência de conciliação ou de mediação no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo: Revista dos Tribunais, nº 253, mar./2016, p. 177
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*Marcelo Mazzola é advogado e sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados. Vice-Presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), coordenador da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ e do setor de propriedade intelectual do MEDIARE.