Sérgio Moro e o renascimento da Justiça Colonial
Desde que a operação começou, o próprio Sérgio Moro permite a seleção e vazamento de informações a empresas de comunicação previamente escolhidas.
quarta-feira, 29 de março de 2017
Atualizado às 08:12
A reação negativa à condução coercitiva imposta ao blogueiro Eduardo Guimarães, o juiz da Lava Jato justificou publicamente sua decisão dizendo que ele não é um jornalista e não pode invocar o direito de proteger a fonte da informação que divulgou. A confusão entre os campos jornalístico e judiciário ficaram bem evidentes neste caso.
Em primeiro lugar, somos forçados a dizer ao óbvio: não compete ao Juiz dizer quem é ou quem não é jornalista. O máximo que Sérgio Moro pode fazer é aplicar ou não os preceitos da CF/88 segundo seu convencimento racional, mas ao fazer isto ele não poderia se afastara da jurisprudência. Após a consolidação da internet no Brasil, a jurisprudência não tem feito distinção entre jornalistas e blogueiros. Não é considerado relevante o fato do titular do blog ou da coluna de jornal ter ou não diploma e ganhar dinheiro ou não com sua atividade.
Portanto, Sérgio Moro não errou ao definir quem é ou não jornalista. O erro dele foi aplicar a CF/88 sem levar em conta a jurisprudência, inclusive a jurisprudência do STF.
Lava Jato é o nome de uma operação policial que se transformou num fabuloso processo judicial. Ela encontra seu paradigma recente no Mensalão. Por causa de suas implicações políticas, ambos (Lava Jato e Mensalão) são herdeiros legítimos da Devassa aberta por ocasião da conjuração mineira.
Em 1789, ano que começou a Devassa que resultou na prisão de vários conjurados, no degredo de Tomás Antonio Gonzaga e na execução de Tiradentes, a imprensa não era uma realidade no Brasil. Naquela época a opinião pública era irrelevante, pois não podia se expressar livremente. Muito pelo contrário, qualquer expressão pública de descontentamento poderia resultar em repressão por parte das autoridades coloniais. A censura provocava autocensura.
As autoridades coloniais não tinham que prestar contas à população brasileira. Elas prestavam contas apenas ao Rei. Mas como o Rei estava em Portugal e só intervinha na Colônia quando seus interesses pessoais e econômicos eram prejudicados, as autoridades coloniais tinham uma liberdade de ação muito grande.
Após a proclamação da República, as autoridades passaram a ter obrigação de prestar contas de seus atos e podem ser responsabilizadas pelos abusos que cometem. A existência de uma imprensa livre reforça o princípio republicano de que todos, inclusive os magistrados, devem se submeter à autoridade da Lei.
Durante o julgamento do Mensalão os Ministros do STF foram intensamente criticados pela grande imprensa (Lewandowski) ou pelos blogues (Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Rosa Weber). Por mais que tenham ficado irritados, nenhum deles mandou prender jornalistas ou tentou censurar a imprensa ou limitar a ação dos blogues.
Sérgio Moro se afastou do paradigma do Mensalão no exato momento em que mandou prender Eduardo Guimarães. É evidente, portanto, que ele pretende ter a mesma liberdade de ação que tinham os juízes coloniais em 1789. Esta aspiração parece derivar de uma característica peculiar da Lava Jato.
Desde que a operação começou, o próprio Sérgio Moro permite a seleção e vazamento de informações a empresas de comunicação previamente escolhidas. Grande beneficiária dos vazamentos, a Rede Globo passou a dar ao juiz da Lava Jato o status de jornalista infiltrado no Judiciário. A confusão entre os campos jornalístico e judiciário que resultou na prisão de Eduardo Guimarães deriva, portanto, da multiplicidade de papéis desempenhados por Sérgio Moro.
Os Ministros do STF, por mais que gostem das câmeras, nunca tentaram substituir a atividade dos jornalistas durante o julgamento do Mensalão. Ao contrário dos seus colegas da última instância, ao mandar prender o blogueiro Sérgio Moro passou a agir como se fosse o único jornalista autorizado a fazer a cobertura da Lava Jato. Portanto, foi por excesso de modernidade que ele cometeu o anacronismo de atuar como um típico juiz colonial do século XVIII.
Ao que tudo indica o juiz da Lava Jato já não reúne mais condições de exercer o cargo que ocupa. A permanência dele na Justiça Federal depõe contra a autonomia e a seriedade do Judiciário brasileiro e certamente acarretará a condenação no Brasil na Corte de Direitos Humanos da ONU. O CNJ não pode afastá-lo do processo (isto só pode ser feito pelos Tribunais), mas pode conceder ao juiz da Lava Jato uma licença remunerada. Durante o período de afastamento Sérgio Moro poderá decidir com calma se pretende continuar a ser juiz ou se assumirá de vez o cargo de jornalista contratado pelo clã Marinho.
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*Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado.