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Doação eleitoral, regular ou irregular, e crime de corrupção

É preciso perquirir se à caracterização do crime de corrupção basta a ilegalidade da forma pela qual efetuada a contribuição eleitoral ou a ilicitude da origem dos recursos em que se consubstancia.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Atualizado em 22 de março de 2017 12:36

Desde o último dia 7, quando a 2ª Turma do STF recebeu denúncia oferecida contra determinado membro do Congresso Nacional e assessores "por corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo o MPF, o senador, com auxílio de dois assessores, solicitou e recebeu vantagem indevida de R$ 500 mil, destinada à campanha ao Senado. O valor teria vindo do esquema de corrupção da Petrobras (...). A propina foi paga, segundo o parquet, sob 'disfarce de doações eleitorais oficiais' (...) A defesa (...) alegou que o dinheiro foi doação oficial de campanha, devidamente declarada à Justiça Eleitoral, e que a denúncia do MPF baseia-se apenas nas delações premiadas (...)"1, diariamente estampa a mídia notícias, comentários, reportagens e opiniões sobre doação eleitoral, oficial ou não, corrupção e lavagem de capitais.

O supracitado caso criminal serve, aqui, apenas como ponto de partida para a aferição, no campo teórico, do caráter da relação entre doação eleitoral e corrupção.

Noutra forma de expressão, é preciso perquirir se à caracterização do crime de corrupção basta a ilegalidade da forma pela qual efetuada a contribuição eleitoral ou a ilicitude da origem dos recursos em que se consubstancia.

Não se exige, para o aperfeiçoamento típico da corrupção, que a 'propina' - seja a meramente prometida, seja a efetivamente entregue e recebida - guarde procedência ilícita; isto é, que se trate de dinheiro proveniente de outra infração penal.

Presta-se à configuração da corrupção tanto a 'propina' consistente em pecúnia que o corruptor tenha anteriormente recebido, por exemplo, pela venda de entorpecente, como a que haja percebido pela regular prestação de tal ou qual serviço lícito.

A proveniência ilícita dos recursos ou a utilização de 'caixa 2' trazem a desenho, teoricamente, outros tipos penais, como o de lavagem de capitais, o de crime contra a ordem tributária, o do artigo 350 do Código Eleitoral; todos, no entanto, a depender da materialização dos demais componentes dos respectivos figurinos legais.

Frise-se, pois: o perfazimento do tipo penal da corrupção, tanto ativa, como passiva, independe da origem do dinheiro em que se materialize a vantagem indevida, concreta ou potencial, que compõe o ponto nuclear da correlata incriminação legal.

O essencial, para o crime de corrupção, é que a promessa ou a entrega da vantagem econômica, de um lado, e a aceitação ou o recebimento, de outro, guardem relação com a função do servidor público que a solicita ou recebe, para si ou para outrem, ou a quem seja ela prometida ou oferecida em troca da prática, omissão ou retardamento de 'ato de ofício'.

Ainda que não seja imprescindível, para a corporalização do crime de corrupção, que o funcionário público efetivamente pratique, deixe de praticar ou retarde o 'ato de ofício' visado, afigura-se impreterível não apenas integrar ele o rol de suas atribuições funcionais, como também representar, ainda que apenas potencialmente, a contrapartida da vantagem indevida constitutiva do objeto das condutas nucleares dos respectivos arquétipos legais.

Isto, mesmo após a distensão interpretativa dos arquétipos de corrupção levada a efeito pelo STF no julgamento do 'Mensalão' - AP 470: "Como amplamente divulgado nas mídias falada e escrita, o Plenário da Corte Suprema deliberou que é bastante para a configuração do ilícito o mero recebimento de vantagem indevida por funcionário público, dispensando-se a precisa identificação do ato de ofício a ser praticado. Segundo o novo posicionamento, basta que se demonstre o recebimento de vantagem indevida, subentendendo-se a possibilidade da prática de ato comissivo ou omissivo, desde que este esteja na esfera de atribuições do funcionário".2

Logo, nem a regularidade ou não da forma pela qual se realize a doação eleitoral, nem a licitude ou não da origem dos respectivos recursos interferem na tipicidade do delito de corrupção, centrada, com efeito, no binômio vantagem indevida - ato de ofício.

De maneira mais descongestionada, não há relação necessária ou - e menos ainda - automática entre doação eleitoral marcada pela origem ilícita dos recursos ou processada, tanto na partida, como no destino, no campo do denominado 'caixa 2' e corrupção.

Assim como, inversamente, doação eleitoral de valores com proveniência lícita e, mais, regularmente efetuada, recebida e contabilizada não exclui, a priori, a possibilidade de intercorrência do delito de corrupção.

Enfim - e como assinalam os penalistas Alaor Leite e Adriano Teixeira, mestres e doutorandos na Universidade Ludwig Maximilian, de Munique: "Dito mais concretamente, é possível falar em corrupção em casos em que a doação foi regular segundo os padrões do direito eleitoral e, inversamente, é perfeitamente possível chegar-se à conclusão de que não houve corrupção em casos de doações vultosas e irregulares. A discussão é mais complexa do que fazem crer as apressadas associações referidas, pois exige uma intensa reflexão sobre o conceito de vantagem indevida e também sobre a necessidade de uma conexão entre a vantagem e o exercício da função, o chamado "pacto de injusto" da corrupção. O que se pode adiantar é que a doação irregular, seguida ou não da constituição de um caixa dois, pode ser, no máximo, ato executório, por exemplo, de lavagem de dinheiro ou um ato preparatório para o cometimento de um número indeterminado de delitos, que podem ser de corrupção ou não, de modo que essa conduta pode ser empírica, mas não conceitualmente próxima da corrupção (...) O nosso ponto aqui é, repita-se: doações ilegais podem servir de indício, mas não constituem por si só crime de corrupção e doações legais não excluem de antemão a realização dos tipos penais de corrupção."3

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1 Senador Valdir Raupp vira réu no STF por corrupção passiva e lavagem (7/03/17)
2 Parecer da Procuradoria Regional da República - 2ª Região no HC 8823/RJ - TRF2.
3 "Nem toda doação irregular a caixa dois é crime de corrupção".

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*Leônidas Scholz é sócio da Advocacia Criminal Leônidas Scholz , ex-professor de Direito Penal e pós-graduado em Processo Penal.

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