Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e efetividade ao processo do trabalho
Temos que embora agora haja a previsão legal de um instituto que era aplicado por analogia de normas materiais esparsas, bem como tenha sido editada e promulgada instrução normativa pela mais alta corte do direito trabalhista, existem incongruências no referido instituto que resultaram na morosidade e retrocesso ao ideal construído pelo processo laboral.
quinta-feira, 23 de março de 2017
Atualizado em 22 de março de 2017 10:40
A responsabilidade patrimonial é definida por sujeitar o patrimônio de alguém, em regra, do devedor, às medidas executivas destinadas à realização do direito material.
O Instituto da responsabilização patrimonial teve início por meio do decreto 3.708/19, que regulamentou a sociedade por ações e por cotas.
Posteriormente, o CTN em seu artigo 135 disciplinou a questão da responsabilidade dos gestores das empresas, pelos atos praticados com excesso de poder, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto.
Igualmente, o CC e o CDC também contemplaram a possibilidade de invasão do patrimônio pessoal dos sócios, nas hipóteses de abuso ou excesso de direito, infração da lei, má administração ou confusão patrimonial, conforme dispõe seus artigos 50 e 28, respectivamente.
Ainda dentro do sistema jurídico trabalhista, temos no artigo 2º, caput, da CLT, que permite a responsabilização do empresário decorrente exclusivamente do risco da atividade econômica empreendida.
Com as duas previsões legais mais recentes de responsabilização patrimonial, ambas aplicáveis ao direito processual trabalhista, fora encampada efetivamente a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Por conseguinte a essa regulamentação, surgiram duas teorias acerca do instituto, sendo que atualmente, a moderna doutrina e a jurisprudência trabalhista encampam a chamada teoria objetiva, ou Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, que disciplina a possibilidade de execução dos bens do sócio, independentemente de os atos destes terem violado ou não o contrato, ou de haver abuso de poder. Basta a pessoa jurídica não possuir bens para ter início a execução aos bens dos sócios1.
A teoria supracitada foi desenvolvida para bloquear suposta proteção dos sócios pelo instituto da pessoa jurídica e evitar abusos, fraudes ou irregularidades por estes, sem que tivessem os seus próprios patrimônios atingidos.
Importante ressaltar que esta teoria se cerca e norteia pelos princípios basilares da execução trabalhista, considerando a celeridade, simplicidade e efetividade do procedimento, bem como contempla o caráter alimentar do crédito trabalhista.
No mesmo sentido, embora a legislação trabalhista não trate expressamente a matéria da desconsideração da personalidade jurídica, há tempos estava sendo amplamente utilizada no processo laboral, considerando a posição de hipossuficiência do empregado em relação ao empregador.
Porém, o que tínhamos era que a ausência dessa norma conduzia a uma diversidade de procedimentos, estabelecidos conforme fosse o entendimento de cada magistrado2.
Não obstante, temos que entre a vigência do novo CPC com a regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica como incidente processual e a indicação da aplicabilidade de tal incidente através instrução normativa nº39 pelo TST no processo do trabalho, não houve o transcurso de um lapso temporal considerável ao ponto de possibilitar maiores explanações acerca do tema.
No entanto, apenas com a redação dos artigos que dispõe o procedimento que deverá ser adotado ao se utilizar do incidente estudado e a redação da instrução normativa, podemos extrair uma singela análise das incompatibilidades e ajustes a serem evidenciados apenas com a aplicabilidade efetiva do instituto em cada caso concreto e sua real efetividade e compatibilidade com o processo trabalhista.
Cumpre esclarecer que não há dúvidas quanto a aplicabilidade da técnica da desconsideração da personalidade jurídica na execução laboral, conforme já mencionado acima mencionando sua ampla utilização no processo trabalhista , porém, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e suas exigências procedimentais certamente esbarram na efetividade que a jurisdição trabalhista propõe, senão vejamos a redação do referido institui no diploma legal:
CAPÍTULO IV
DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Ben-Hur Silveira Claus sintetiza bem as incompatibilidades evidentes do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com as regras e princípios que regem o processo laboral:
A necessidade de iniciativa da parte (art.133), a previsão de automática suspensão do processo (art, 134, §3º), a atribuição ao credor do ônus da prova quanto à presença dos pressupostos legais que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (art. 134, §4º), a exigência de contraditório prévio (art. 135) e a previsão de recurso autônomo imediato da decisão interlocutória respectiva (art. 136 e parágrafo único) tornam o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 e seguintes do NCPC incompatível com o processo do trabalho, por revelar-se, na prática, manifestamente contrário aos princípios jurídicos trabalhistas de impulso oficial, da concentração dos atos, da celeridade e da de efetividade, da simplicidade das formas e da irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias, incompatibilidade essa que inviabiliza a aplicação subsidiaria desse incidente - burocrático e ineficaz - à execução trabalhista (CLT, arts. 769 e 889)3.
Diante do exposto e da análise da aplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sua efetividade ao processo do trabalho, temos que embora agora haja a previsão legal de um instituto que era aplicado por analogia de normas materiais esparsas, bem como tenha sido editada e promulgada instrução normativa pela mais alta corte do direito trabalhista, existem incongruências no referido instituto que resultaram na morosidade e retrocesso ao ideal construído pelo processo laboral.
No entanto, cumpre ressaltar que tal análise se baseia apenas na literalidade da norma sem, contudo, ter havido tempo hábil para a construção e adequação aos princípios regentes do processo do trabalho no dia-a-dia do exercício da prestação jurisdicional na justiça do trabalho, que serão vislumbrados com a produção jurisprudencial vindoura.
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1 SCHIAVI, Mauro, 2016, p. 1078.
2 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, 2015, p. 158.
3 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC 2015 e o Direito Processual do Trabalho
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*Bianca Pinheiro é advogada no escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados