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Procedimentos corporativos para a implementação de programa de Compliance (com o foco voltado para empresas não-financeiras de médio porte)

A cultura empresarial brasileira ainda padece da necessidade de compreender a relevância de se instalar no âmago de sua estrutura corporativa este setor, além de visualizar as benesses decorrentes de sistemas de prevenção e da metodologia de gestão de riscos que eventualmente poderão ser implantadas no intuito de agregar valor aos negócios da empresa.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Atualizado às 09:20

O Brasil atravessa um período turbulento de questionamento de suas diretrizes políticas e econômicas, de tal forma que esta movimentação institucional repercute diretamente no ordenamento jurídico brasileiro e, principalmente, no modus operandi da atuação do Poder Judiciário. No contexto de intersecção destes elementos republicanos, o Brasil se depara com os efeitos vorazes e pragmáticos da "Operação Lava Jato". Ou seja, nestes últimos anos a República Federativa tem enfrentado o desafio diário de lidar com os reflexos das etapas processuais e administrativas desta operação e as expectativas do povo brasileiro, seja da sociedade civil, seja da classe empresarial. Neste processo de amadurecimento social e, também, de indagação da solidez de nossas instituições frente aos frutos oriundos da corrupção, a área de Compliance se apresenta como um segmento corporativo de grande relevância para a consecução dos propósitos empresariais. Com fundamento nestas considerações iniciais o presente artigo visa explorar a implementação de uma área de Compliance em empresas de médio porte, observando-se (I) sua missão institucional (II) os procedimentos necessários à sua estruturação; e (III) as barreiras enfrentadas para sua consolidação.

Programa de Compliance e sua estruturação. Primeiramente, vale destacar que a classificação de empresa adotada neste artigo leva em consideração a quantidade de colaboradores que atuam diretamente nos objetivos sociais da mesma, isto é, até 100 (cem) colaboradores, e o fato dela militar em segmento não-financeiro. Ademais, os aspectos descritos a seguir levam em consideração, também, a experiência do autor na instituição de estrutura de Compliance em duas empresas de cunho não-financeiro, sendo a primeira uma consultoria voltada para o âmbito do mercado financeiro e de capitais, orientada, principalmente, para o atendimento às demandas oriundas de investidores profissionais, e a segunda uma gestora de fundos de investimentos em FIDC. Feitas estas considerações preliminares, adentrar-se-á nos tópicos de estruturação de um programa de Compliance:

a) Do entendimento sobre os objetivos sociais da empresa. É fundamental possuir a visão global das atividades desempenhadas pela empresa e, consequentemente, o reflexo destas no conjunto de documentos que a legitima para a execução de suas atribuições, bem como para o pleito de eventuais autorizações governamentais que se façam necessárias. Nesta linha de raciocínio, é crucial que a alta administração da empresa compreenda a importância deste processo de elaboração da documentação pertinente, além de entender o porquê de eventualmente submetê-la à apreciação dos órgãos reguladores, conforme o caso. Neste tópico cabe a reflexão sobre a estruturação de um departamento de Compliance. Verifica-se ainda no Brasil grande quantidade de empresas constituídas sob o regime societário de "limitada" no qual o poder decisório está concentrado nas mãos de um sócio, isto é, não se visualiza a pulverização do capital social. Em razão deste cenário, o Compliance Officer precisa ter habilidade para superar três barreiras, sendo elas: (I) a estruturação de um departamento desta natureza não tem a finalidade exclusiva de onerar os custos da empresa; (II) dado que a estrutura corporativa é menor, o que gera forte aproximação e conhecimento entre as pessoas, a aplicação das diretrizes de Compliance pode ser mais complexa; e (III) dispor de versatilidade na obtenção das informações necessárias à consecução de suas atribuições, haja vista o fato dos assuntos corporativos tratados, em sua maioria das vezes, estarem intimamente ligados à figura do Diretor Presidente da empresa, quer dizer, a segregação entre a personalidade jurídica da sociedade empresária e a pessoa do seu Diretor é representada por uma linha tênue.

b) Nomeação de um Compliance Officer. Faz-se necessário designar profissional altamente qualificado para o desempenho desta função, uma vez que este deverá ter acesso a todos os níveis hierárquicos e setores da empresa, sem restrição de acesso a qualquer espécie de informação. A dificuldade aqui consiste em encontrar profissional que consiga realizar a interface das necessidades da estrutura interna da empresa com o seu core business, sem desconsiderar, também, a importância do gerenciamento das relações governamentais, na eventualidade da atividade empresarial desempenhada demandar referida atribuição.

c) Mapeamento dos vértices de risco. O êxito para a consolidação de um departamento de Compliance depende fundamentalmente da designação dos vértices corporativos que serão monitorados. Nesta linha de pensamento, nota-se a divisão em dois grandes grupos: (I) tratamento de assuntos de âmbito interno; e (II) tratamento de assuntos de âmbito externo. No âmbito interno se enquadram os seguintes itens: (a) elaboração de políticas internas, tais como, Código de Conduta, Canal de Ética, Política de informações privilegiadas, Políticas de presentes e entretenimento, dentre outros; (b) o relacionamento da área de Compliance com a Diretoria e sócios/acionistas; (c) o relacionamento da área de Compliance com as demais áreas da empresa; (d) quais segmentos serão objeto de apreciação do Compliance, como por exemplo, societário, tributário, trabalhista, investimentos etc; e (e) elaboração de treinamentos. De outro lado, no âmbito externo pode ser enquadrado o item referente ao relacionamento da empresa com seus prestadores de serviços e fornecedores. O delineamento destes prismas é essencial para se atingir os objetivos do departamento com eficiência e, principalmente, agregando valor aos objetivos da sociedade empresária.

d) Implantação e disseminação da cultura de Compliance na empresa. Uma vez consolidada a estrutura do departamento de Compliance, o ato seguinte constitui-se na concretização de sua competência perante os demais setores da empresa. Nesta linha de pensamento, a grande questão consiste em como obtê-la.

Faz-se necessário destacar que o Compliance Officer deverá apresentar habilidade e maleabilidade para convencer os demais departamentos que a sua atuação não visa gerar obstáculos, mas sim auxiliá-los no desenvolvimento de suas atividades com a maior aderência possível ao sistema de regras internas e externas. Outra perspectiva fundamental para o êxito de suas competências é a sua legitimação pelo Presidente e Diretoria da empresa. Consagradas estas perspectivas, o departamento de Compliance deverá desenvolver treinamentos e palestras institucionais para as equipes da empresa, alertando sobre os riscos corporativos a que estão expostas e apresentando formas/alternativas para mitigá-los. Vale, também, a iniciativa de disponibilizar comunicados institucionais com o objetivo de realizar ampla divulgação sobre políticas e procedimentos de Compliance. A depender da atividade econômica desempenhada pela empresa uma alternativa interessante pode ser a adoção de softwares para o monitoramento dos controles internos que proporcione eficiência e agilidade no processo de tomada de decisão.
Esta análise buscou identificar os trâmites para a inserção do setor de Compliance em empresas não-financeiras de médio porte, demonstrando, também, as barreiras a serem enfrentadas para o êxito no desenvolvimento de suas atribuições institucionais.
Não obstante as dificuldades inerentes à consolidação da atuação e das diretrizes institucionais no âmbito corporativo, as empresas que almejam galgar sólida posição mercadológica a nível nacional e internacional, necessariamente, deverão possuir rigoroso programa de Compliance. A menção aqui realizada contempla desde a etapa da celebração de contratos interligados aos objetivos sociais da empresa até a obtenção de investimentos no mercado financeiro e de capitais para a ampliação e aprimoramento de suas atividades.
Dadas estas considerações, identifica-se que a cultura empresarial brasileira ainda padece da necessidade de compreender a relevância de se instalar no âmago de sua estrutura corporativa este setor, além de visualizar as benesses decorrentes de sistemas de prevenção e da metodologia de gestão de riscos que eventualmente poderão ser implantadas no intuito de agregar valor aos negócios da empresa. De outro lado ao profissional de Compliance compete a administração das expectativas desta classe empresarial levando-se em consideração a conjugação de dois fatores, quais sejam, a necessidade de apresentação de resultados fundamentados na mitigação de riscos e a eficiência inerente ao próprio processo de tomada de decisão ao passo de não ser vislumbrado como um entrave no atingimento dos propósitos da corporação.

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*Diogo Viniccius Quintans Guapyassu é Gerente Jurídico, Compliance e Riscos Corporativos na RCB Investimentos, PRA Brazil. Pós-graduando em Direito de Mercado Financeiro e de Capitais no Insper.


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