A catástrofe social do projeto da Reforma da Previdência
Para a contabilidade do governo, a Previdência Social leva em conta apenas a contribuição dos empregados, ignorando a cota parte do Estado no critério de cálculo.
quarta-feira, 15 de março de 2017
Atualizado em 14 de março de 2017 11:01
O atual presidente Michel Temer, em sequência de sua agenda governamental, que é baseada na austeridade fiscal e corte de gastos, trabalha para aprovar seu projeto da Reforma da Previdência. O tema que está movimentando toda a sociedade merece atenção daqueles que defendem os trabalhadores.
Então, quais são as principais mudanças trazidas pelo projeto da Reforma da Previdência Social?
Primeiro, a alteração da idade mínima para aposentadoria que saltará para 65 anos. A presente medida é assustadora, uma vez que tende a atingir a parcela mais pobre da nossa sociedade.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em pesquisa apresentada no ano de 20151, apontou que a expectativa de vida do brasileiro é de 75,5 anos, todavia, em Estados como Maranhão e Piauí, a expectativa chega aos 71 anos. O que assusta é pensar que o Estado planeja apenas 10 anos de vida para os aposentados, devendo levar em consideração ainda que se trata de uma média, onde evidentemente os mais ricos elevam a taxa proporcionalmente a desigualdade entre as classes sociais.
Ora, a nossa CF não se incumbe de resguardar aqueles mais desfavorecidos e aponta a promoção da igualdade social? Sim, mas o projeto parece simplesmente ignorar a realidade do nosso país e se protege no argumento do déficit da previdência, tema que trataremos posteriormente.
Segundo, partes dos segurados especiais, quais sejam, os agricultores familiares e professores, pelo projeto terão que obedecer a idade mínima dos segurados urbanos, passando a aposentar com 65 anos de idade.
Os agricultores familiares atualmente podem se aposentar com 60 anos os homens e 55 anos as mulheres. A medida que visa assegurar aquelas pessoas que passaram a vida toda na labuta insalubre do campo, se o projeto for aprovado da forma como está, leva a parcela desse grupo a não usufruir do descanso da aposentadoria, já que dificilmente alcançarão a idade mínima dada a exaustão de suas atividades.
Sejamos francos, ao invés de lutarmos pela melhor qualidade de vida daqueles que sobrevivem da colheita de subsistência, vemos o Estado se colocar ao contrário do que é esperado, impossibilitando de vez a proteção aos idosos do campo. Mais uma vez, a nossa legislação pátria que se compromete na proteção aos idosos, é vilipendiada por um projeto que expõe o agricultor familiar a completa dependência da sorte.
Da mesma forma, os professores, categoria que é de conhecimento público sofre com o desgaste de suas atividades, terão que entrar em sala de aula com a capacidade física reduzida. Sem qualquer surpresa, a maior plataforma em campanhas eleitorais, a educação, obrigação do Estado pela nossa Carta Máxima Brasileira, também sofre do contrassenso do projeto. Não é segredo para ninguém que a estrutura de nossa educação é precária, exigindo o projeto, que profissional responsável pela formação dos pequenos brasileiros a trabalharem sem condições físicas suficientes.
Terceiro, outra mudança que merece destaque é o sistema proposto para a pensão por morte. O valor a ser recebido no caso da morte do segurado será baseado em um sistema de cotas, sendo que apenas o segurado com cinco dependentes receberá 100% do valor do benefício. A pretensão é que se receba 50% da importância do benefício, somado por 10% a cada dependente do segurado.
A CF mais uma vez entrará em contradição com a aprovação do novo projeto, nosso texto basilar é claro na proteção à família pelo Estado, que invés de planejar e executar políticas públicas para apoiar a família que se vê em dificuldades pela perda de um ente, propicia que aquele grupo reduza sua renda familiar.
Prosseguindo o debate, qual a razão explicitada pelo governo para elaboração do projeto?
O atual governo diariamente recorre aos veículos de mídia a fim de apontar que essa seria a única solução para que a previdência social não sofra o seu colapso, repete insistentemente o suposto déficit da previdência.
Para entendermos melhor a situação, necessário se faz explicar que o modelo da seguridade social pela nossa constituição é baseado em uma composição tripartite. A seguridade social é formada pela Previdência Social, Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Único de Assistência Social, Sistema Único de Segurança Alimentar e Nutricional e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador.
A CF define que a receita da seguridade social é formada pela contribuição do Estado, contribuições sociais pagas pelas empresas sobre as folhas de salários, o lucro e o faturamento, assim como, pelas contribuições retidas dos trabalhadores sobre sua remuneração.
Ocorre que para a contabilidade do governo, diferentemente do que consta na nossa Carta Máxima, a previdência social leva em conta apenas a contribuição dos empregadores e empregados, ignorando a cota parte do Estado no critério de cálculo, além de isolar a previdência social da seguridade social.
Assim, se fosse levado em consideração todo o Orçamento da Seguridade Social, na forma como previsto na Constituição, nosso resultado seria superavitário. Segundo dados da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), em 2012, por exemplo, as receitas somaram R$ 590,6 bilhões e as despesas 512,4 bilhões, chegando ao resultado positivo de R$ 78,1 bilhões. O que vem ocorrendo ano a ano.
Dessa forma, o governo justifica o déficit da Previdência Social apontando apenas parte do todo, ignorando a realidade orçamentária do sistema de seguridade social.
O que também não explicita o governo, é que mesmo com o suposto conceito de déficit na previdência social, foi concedido aos grandes empresários isenções sobre as fontes da Seguridade Social em monta significativa. Ora, não faz qualquer sentido conceder isenção a grandes empresas se o nosso sistema está em déficit.
O que também não faz sentido é o empregado arcar com o suposto déficit na previdência, enquanto existe um alto índice de inadimplemento nos repasses das contribuições previdenciárias ao INSS por grandes empresas. Para ser mais preciso, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional indica o montante de contribuições de R$ 426 bilhões não repassado ao INSS. Ora, invés de alterar toda a dinâmica da previdência social, não é mais razoável a cobrança das dívidas de contribuição previdenciária das grandes empresas.
Para piorar ainda mais, o próprio governo retira parte dos valores destinados à seguridade social através da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Segundo ANFIP, apenas no ano de 2015 R$ 63 bilhões foram retirados através de DRU pelo governo. Assim, o governo imputa aos trabalhadores a consequência por sua ausência contribuição e pela isenção dada aos empresários.
Pelo que podemos observar, o atual projeto da Reforma da Previdência nada mais é que uma forma de prejudicar os trabalhadores e ignorar todos os conceitos de proteção social projetados em nossa legislação.
A situação de escárnio ao trabalhador chegou ao ponto do próprio PMDB, legenda do atual Presidente da República, ter divulgado campanha através das redes sociais ameaçando os brasileiros com corte de políticas públicas relevantes como Bolsa Família, FIES e denominados programas sociais se não for aprovada a Reforma da Previdência. Como visto acima, o governo possui formas de estruturar melhor a previdência social, deixando de conceder isenção previdenciária e cobrando os débitos das grandes empresas, além de deixar de fazer retiradas no montante da previdência social.
Todavia, prefere ameaçar trabalhadores e a camada mais vulnerável da sociedade brasileira, público alvo dos programas sociais. Admitir que os direitos sejam tratados como objetos de barganha é ser submisso a um sistema oligárquico, que não possui qualquer vergonha em admitir que é um direito ou outro. Em poucas palavras, ou damos dinheiro para subsistência básica ou deixamos de aposentar.
Para finalizar, quem ganha com a Reforma da Previdência?
A resposta é fácil, o sistema bancário financeirista que, haja vista um modelo previdenciário que praticamente impossibilita a aposentadoria, leva parcela dos contribuintes a investir parte de sua renda nos modelos privados de investimento e previdência.
O lamentável da história é que os mais pobres, os que não possuem condição de fazer qualquer aporte privado, serão mais uma vez esquecidos pelo Estado. Jogados a sorte para que a benevolência daqueles que tem maior condição possam resgatar aqueles que não se esforçaram o suficiente para garantir uma aposentadoria, superando a ironia, o que podemos ver é a perpetuação do modelo liberal financeirista em nossa sociedade.
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1. Pesquisa do IBGE. <Clique aqui>
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*Vítor Santos Godoi é advogado trabalhista do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.