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A legitimidade dos fundos de investimento em direitos creditórios para postular em juízo

Estando devidamente constituído e obedecendo os ditames legais, tem-se que os FIDC´s detém legitimidade para postular em juízo, inexistindo óbice legal para tal desiderato, vez que regulados pela Comissão de Valores Mobiliários.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Atualizado às 09:31

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, popularmente conhecidos como FIDC's, têm encontrado alguns obstáculos junto ao Poder Judiciário Paulista, quanto ao reconhecimento de sua capacidade postulatória e legitimidade, vez que destituídos de personalidade jurídica.

Em recente decisão exarada pelo eminente Juiz da 2ª Vara Cível de Cotia/SP, entendeu-se pela impossibilidade da substituição do FIDC junto ao polo ativo em Ação de Busca e Apreensão, ante a inexistência de personalidade jurídica do Fundo, mesmo com a apresentação de Termo de Cessão de Direitos Creditórios, devidamente assinado por seu administrador.

Como justificativa para inviabilizar o ingresso do FIDC no polo ativo da Ação de Busca e Apreensão, o eminente Julgador assim fundamentou seu decisum: "Vistos. A substituição pretendida é inviável. O Código Civil, no art. 44, indica quem são as pessoas jurídicas de direito privado e, no art. 45, só lhes atribui existência legal a partir da inscrição do seu ato constitutivo no respectivo registro. No art. 1.150, indica-se a Junta Comercial e o Registro Civil de Pessoas Jurídicas como competentes para o arquivamento dos atos constitutivos das pessoas jurídicas. No caso, o requerente inexiste como pessoa jurídica, pois há apenas o registro de um regulamento no Registro de Títulos e Documentos. Anote-se, ainda, inexistir constituição de pessoa jurídica por simples inscrição de uma denominação em cadastro criado no interesse do Poder Executivo (CNPJ), com fim exclusivo fiscal. Por fim, cabe ressaltar a confirmação desse entendimento pela Superior Instância, proferido no agravo de instrumento nº 0024963-92.2011.8.26.0000, da lavra do E. Desembargador Roque Mesquita. Por tais razões, indefiro a substituição." - g.n.

A cessão de crédito detém previsão legal junto ao artigo 286 do CC, estabelecendo que "o credor pode ceder o seu crédito, se isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor".

Tem-se, portanto, de uma forma simplista, que a Cessão de Crédito nada mais é do que um negócio jurídico bilateral, por meio do qual se convalida a transferência de um direito, neste caso um crédito, a outrem, terceiro estranho a relação que a originou.

Tal procedimento vem sendo comumente adotado pelos FIDC's, criados pelo Conselho Monetário Nacional por meio da Resolução CMN 2907, de 29 de novembro de 2001 que estabeleceu em seu artigo 1º, sua regular atuação, verbis:

"Art. 1º Autorizar a constituição e o funcionamento, nos termos da regulamentação a ser baixada pela Comissão de Valores Mobiliários no prazo máximo de quinze dias contados da data da entrada em vigor desta resolução:

I - de fundos de investimento em direitos creditórios, destinados preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação;"

Os FIDC's de fato não possuem personalidade jurídica, vez que se tratam de um aglomerado de recursos destinados a um fim previsto em lei, aplicando-se, por analogia, a regra contida no art. 1º da lei 8.668/93, verbis:

"Art. 1º. Ficam instituídos Fundos de Investimento Imobiliário, sem personalidade jurídica, caracterizados pela comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários."

Portanto, os FIDC's ao serem constituídos, o são, na forma de condomínios, conforme se verifica da Instrução CVM 399, de 21 de novembro de 2003, que estabelece em seu art. 3º, verbis:

"Art. 3º Os fundos regulados por esta Instrução terão as seguintes características:

I - serão constituídos na forma de condomínio fechado;"

Os condomínios dos FIDC's são administrados apenas por determinadas entidades, detentoras de personalidade jurídica, conforme prevê o § 1º, do art. 1º da Resolução CMN 2.907/11, a saber:

"Art. 1º (...)

Parágrafo 1º A administração do fundo somente pode ser exercida por banco múltiplo, por banco comercial, pela Caixa Econômica Federal, por banco de investimento, por sociedade de crédito, financiamento e investimento, por sociedade corretora de títulos e valores mobiliários ou por sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários."

Diante destes antecedentes normativos, verifica-se ser perfeitamente factível a atuação dos FIDC's junto ao polo ativo de demandas judiciais, bastando tão somente que se demonstre ao Juízo a sua capacidade postulatória e o seu interesse jurídico na demanda.

No caso in concreto, bastaria que o FIDC apresentasse o Termo de Cessão de Direitos Creditórios, realizado entre o cessionário (FIDC), neste ato representado por seu administrador legal e o cedente (credor original).

A orientação jurisprudencial neste sentido, alberga a legitimidade ativa dos FIDC's nas demandas judiciais, como legítimos credores que são, desde que repise-se, devidamente representados por seus administradores legais, verbis:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CESSÃO DO CRÉDITO A FUNDO DE INVESTIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DO POLO ATIVO. POSSIBILIDADE. ENTE DESPERSONALIZADO QUE PODE FIGURAR COMO SUJEITO ATIVO DESDE QUE DEVIDAMENTE REPRESENTADO. DECISÃO REFORMADA.
Embora a lei 8668/93 disponha que os fundos de investimento não possuem personalidade jurídica, tais entes despersonalizados podem figurar no polo ativo de demanda, desde que devidamente representados, eis que detentores de capacidade postulatória. Agravo de Instrumento provido.
(TJPR - AI 1013462-6 - 15ª Câmara Cível - Relator Jucimar Novochadlo - Julgamento 15/05/2013 - DJ 11/06/2013)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO Sucessão processual - Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Capacidade Processual Reconhecimento Personalidade jurídica sui generis que não afasta a capacidade processual Cessão de Crédito Desnecessidade de anuência do devedor, bastando sua notificação em ordem a conferir eficácia em relação àquele Validade do negócio jurídico não condicionada à notificação Inteligência dos arts. 290 e 293 do CC - Retificação do polo ativo que se faz de rigor. Recurso provido, com determinação.
(TJ/SP - Relator (a): Airton Pinheiro de Castro; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 31/03/2015; Data de registro: 01/04/2015)

"Agravo de instrumento. Ação de Busca e Apreensão. Contrato de Financiamento com Cláusula de Alienação Fiduciária. Cessão dos direitos oriundos do contrato pelo Banco/autor ao Fundo de Investimento, ora agravante. Substituição do polo ativo da lide pelo recorrente. Possibilidade. Capacidade postulatória e interesse jurídico demonstrados. Recurso provido."
(TJSP - AI 1230767009 - 32ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ruy Coppola - DJ: 16/12/2008)

Estando devidamente constituído e obedecendo os ditames legais, tem-se que os FIDC's detém legitimidade para postular em juízo, inexistindo óbice legal para tal desiderato, vez que regulados pela Comissão de Valores Mobiliários.

A substituição processual de partes junto ao polo ativo, é, portanto, perfeitamente possível, mesmo que no decurso da demanda judicial, conforme orientação de nossa jurisprudência.

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*Hermes Henrique Corrêa Conceição é advogado lotado junto à Célula Especial para resolução de questões de alta complexidade junto ao escritório Ferraz, Cicarelli & Passold Advogados Associados.

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