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Arbitragem, Tribunal de Contas e Direito Marítimo e Portuário - III

O controle a ser feito pelas Cortes de Contas restringe-se ao de legalidade, legitimidade e economicidade dos gastos públicos. O que for decidido pela via arbitral, repercuta ou não nas coisas públicas, sequer pode ser controlado pela jurisdição estatal, sendo essa lógica também aplicada ao Tribunal de Contas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Atualizado em 15 de fevereiro de 2017 08:38

Arbitragem e Tribunal de Contas

Recentemente, foi elaborado breve artigo pela Corte de Contas do Estado de São Paulo, de autoria de Sergio Siqueira Rossi, sobre a utilização da arbitragem pela Administração Pública. Dos pontos suscitados, um chama atenção pela sua contundência e pela possibilidade de equívocos interpretativos se analisado de forma desatenta. Em suma, o autor afirma ser "de fundamental importância que as Cortes de Contas atentem para a adequação da opção pela arbitragem e de seu processamento, de modo a coibir práticas que, ao final, mostrem-se danosas ao Erário, e, via de consequência, não preservem o interesse público".

A problemática levantada demonstra certo receio de um Tribunal Arbitral se imiscuir em questões de ordem financeira e sobre a correta e eficiente destinação de receitas, ou criação de despesas. Todavia, não foi essa a intenção da reforma legislativa que incluiu a possibilidade de a Administração Pública utilizar a arbitragem como meio de resolução de conflito, haja vista ela poder ser a ferramenta mais adequada e condizente de acordo com a complexidade do caso.

O teor do artigo, não obstante a nobre intenção do autor em defender o erário público e o interesse público, é temerário em razão de sugerir que o Tribunal de Contas possa realizar o controle do que é decidido pela jurisdição arbitral. Contudo, não é dessa forma que a preocupação do autor Siqueira deve ser interpretada.

A uma, assim como há independência entre Cortes de Justiça (Poder Judiciário) e Cortes de Contas, há também independência entre Jurisdição arbitral e Tribunais de Contas, pois nem um nem outro pode se imiscuir no mérito do que cada Corte decide.

A duas, o julgamento das Cortes de Contas não se confunde com o realizado pelo Tribunal Arbitral, o qual profere julgamento equiparado, como bem dito por Siqueira, à decisão de natureza judicial. Isso por uma razão simples: a arbitragem substitui a jurisdição estatal no momento em que existir, concomitantemente, (i) anuência das partes para (ii) resolução de conflito de direito patrimonial disponível.

A função do Tribunal de Contas, como estipulado pelo caput do art. 70, da CF, é de realizar a "fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas". Ou seja, o conteúdo de seu julgamento é eminentemente técnico e especificamente sobre matérias de cunho orçamentário, financeiro e contábil das contas da Administração Pública.

Trata-se, portanto, de análise de compatibilidade entre destinação e criação de receitas e despesas com o orçamento público, com aquilo que foi permitido gastar. O julgamento com critérios de economicidade, no qual se inclui a apreciação da eficiência dos gastos públicos, também é feito para verificar se esses valores públicos foram bem gastos. Na hipótese de não ser, a Corte de Contas pode julgar irregular o ato, mas nunca apurar a conduta em si que ensejou as perdas, haja vista isso ser atribuição das Cortes de Justiça.

Nesse sentido, o receio mencionado pelo autor do artigo diz respeito aos possíveis reflexos da decisão arbitral em questão que envolva gastos públicos, como, por exemplo, temas atinentes a reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, matérias passíveis de serem arbitráveis (direito patrimonial disponível).

Esses reajustes, havendo controvérsias, podem ser averiguados tanto pelo Judiciário como pela Arbitragem. Em ambos os casos o Tribunal de Contas pode apreciar seus reflexos na economicidade do cumprimento do contrato, mas nunca adentrar o mérito da decisão. O simples fato de ele zelar pela probidade e higidez do erário público não o autoriza a realizar controle de legalidade ou de mérito do que foi decidido por decisão judicial ou arbitral.

Em síntese, o controle a ser feito pelas Cortes de Contas restringe-se ao de legalidade, legitimidade e economicidade dos gastos públicos. O que for decidido pela via arbitral, repercuta ou não nas coisas públicas, sequer pode ser controlado pela jurisdição estatal, sendo essa lógica também aplicada ao Tribunal de Contas.
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*João Paulo Hecker da Silva é sócio do escritório Lucon Advogados.

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