A audiência prévia de conciliação do NCPC e sua utilização como mero instrumento protelatório
Muitos réus têm se utilizado desta prerrogativa como mero subterfúgio para dilatar seu prazo para contestar.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
Atualizado às 08:57
É exigência do art. 319, inciso VII1, do NCPC, como requisito da petição inicial, que o autor indique o interesse "pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação". Entretanto, mesmo que seja feita a opção pela dispensa da audiência de conciliação, o texto legal exige que o réu também se manifeste expressamente pela não realização do ato (art. 334, §4º, inciso I2) - isso significa que se o réu permanecer silente, embora devidamente citado, será realizada tentativa de composição ainda que contra a vontade do autor, atendendo-se ao estímulo da solução consensual dos conflitos como normal fundamental do Processo Civil (art. 3º, §3º3).
Embora seja louvável a iniciativa de se buscar a composição antes mesmo da contestação, o que tem se verificado na prática é que muitos réus têm se utilizado desta prerrogativa como mero subterfúgio para dilatar seu prazo para contestar. Vale lembrar que, caso não tenha interesse na composição, o réu tem a obrigação legal de informar tal fato no máximo 10 dias antes da data da audiência, nos termos da determinação do art. 334, §5º4, quando então começaria a correr seu prazo para contestar (art. 335, inciso II5).
Caso o réu não informe desinteresse na composição e compareça na audiência sem apresentar qualquer proposta efetiva de acordo (ou ainda, apresentando propostas absurdas, como a de "desistência da ação" pelo autor), beneficiando-se apenas da dilação do prazo para contestar, defendemos a sua condenação às penas previstas por litigância de má-fé, por contrariar expressamente a determinação legal. É inequívoco que tal conduta pode ser configurada como oposição de "resistência injustificada ao andamento do processo" (art. 80, inciso IV6), já que, além de movimentar a estrutura judicial para realização de um ato sabidamente sem qualquer possibilidade de sucesso, faz com que se acrescente, em alguns casos, meses ao trâmite processual, desde a citação até a data da audiência.
Percebendo essa tendência, alguns autores passaram a optar, logo na petição inicial, pela não realização da audiência prévia de conciliação, mesmo porque a composição pode ser promovida a qualquer tempo (art. 139, inciso V7). Entretanto, esbarra-se na já mencionada necessidade de que o réu também manifeste desinteresse na composição. Não se trata aqui, de ir contra a solução consensual da lide, mas de constatar, na prática, que um instituto que deveria ser utilizado como meio de encurtar o trâmite processual, tem se valido como mero instrumento procrastinatório.
Evidente que não havia como se prever como a práxis se comportaria diante dos novos dispositivos do CPC. Embora seja nítida a tentativa de se instituir uma cultura de cooperação, por meio de um dispositivo que, sob uma interpretação teleológica, serviria para fulminar o processo logo no início, muitos advogados vêm se utilizando da audiência prévia como instrumento para ganhar prazo para contestar, sem nunca ter tido qualquer intenção de apresentar uma proposta concreta de acordo. Não se pode perder do horizonte, ademais, que a atuação das partes deve ser norteada pela boa-fé e que todos devem cooperar "para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva", o que está previsto nos artigos 5º8 e 6º9, respectivamente, como normas fundamentais do Processo Civil.
Nós, advogados, que tanto criticamos a morosidade do judiciário, devemos fazer o mea culpa e não nos utilizarmos de instrumentos legais tão somente a fim de procrastinar a solução de mérito. Sendo assim, qualquer iniciativa que oponha resistência injustificada ao processo, incluindo-se aí a participação em audiência de conciliação sem apresentação de proposta concreta e razoável de acordo, viola a boa-fé, merecendo, assim, ser recriminada.
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1 Art. 319. A petição inicial indicará: (...)
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
2 Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 dias de antecedência. (...)
§ 4o A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
3 § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do MP, inclusive no curso do processo judicial.
4 § 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 dias de antecedência, contados da data da audiência.
5 Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 dias, cujo termo inicial será a data: (...)
II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;
6 Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: (...)
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
7 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...)
V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
8 Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
9 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
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*Clayton Reis é advogado do escritório Reis & Alberge Advogados. Juiz aposentado do TJ/PR.
*Guilherme Alberge Reis é bacharel nos cursos de Direito e Relações Internacionais. Atuou como advogado em Curitiba e, posteriormente, obteve experiência no mercado corporativo em SP.