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Arbitragem societária em risco?

Invalidar ou relativizar cláusulas arbitrais previstas em estatutos sociais que sigam a legislação brasileira de companhias abertas não parece o melhor caminho para nosso mercado de capitais.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Atualizado em 31 de janeiro de 2017 11:45

Em 14 de dezembro de 2016, o TJ/SP decidiu suspender a eficácia de cláusula arbitral inserida em estatuto de empresa em alegada dificuldade econômica. Acionistas minoritários de uma companhia ajuizaram ação requerendo a anulação de Assembleia Geral Extraordinária, tendo obtido, em caráter de antecipação de tutela, a suspensão da deliberação que promoveu a inserção de cláusula compromissória no estatuto social da companhia. Os minoritários - até o momento e para surpresa de todos - tiveram êxito na batalha judicial, tendo o TJ/SP mantido a decisão de 1ª instância de suspensão da eficácia de cláusula compromissória.

Mediante um juízo sumário, o Relator do acórdão entendeu que, diante das especificidades do caso, a modificação proposta no estatuto social "pode expressar, de alguma forma, abuso do poder de controle dos acionistas controladores".

Além disso, ressaltou que a modificação proposta no estatuto social poderia expressar abuso do poder de controle dos acionistas controladores: "isto porque, ao que consta dos autos, a empresa passa por um momento de grande dificuldade financeira, o que embasa, inclusive, a pretensão de aumento do capital social defendida por parcela dos acionistas".

Já era conhecida a crítica à arbitragem no mercado de capitais porque ela serviria para (i) proteger o controlador do acesso do minoritário ao Poder Judiciário; (ii) criaria um monopólio de jurisdição por árbitros privados; (iii) árbitros seriam inclinados a defender controladores; (iv) desestimularia investimento no mercado de capitais, afugentando investidores; (v) o direito de mercado de capitais norte-americano é baseado na jurisprudência dos tribunais estatais e litígios não podem ser arbitráveis.

Vamos responder a cada uma das críticas.

Primeiro, há uma questão de direito positivo. A legislação brasileira não é a norte americana e admite expressamente a arbitragem em sociedades anônimas, independentemente de se tratar de litígios entre controladores e entre estes e minoritários.

Segundo, a jurisprudência de mercado de capitais feita por juízes norte-americanos é altamente especializada e dentro de um prazo razoável. Esse infelizmente não é o caso brasileiro. Mesmo a justiça de São Paulo, que concentra o mercado de capitais, não tem o grau de sofisticação de juízes norte-americanos. Sem falar que o sistema jurídico norte-americano é baseado nos precedentes e construído caso e caso. Não faz o menor sentido prático querer importar esse modelo ao Brasil.

Terceiro, que a arbitragem espantaria investidores. Essa afirmativa dependeria de comprovação empírica. O que existe hoje de levantamento empírico (mais voltado ao campo internacional, é verdade, e ao investimento estrangeiro por via de consequência) é exatamente o contrário. O investidor (estrangeiro) prefere substancialmente arbitragem, por ser uma forma de jurisdição imparcial, especializada e mais rápida. Inclusive, a crítica sempre foi que a boa governança corporativa exigiria um método rápido e especializado de solução de disputas, ao contrário do judiciário paulista, que na média, precisa de 7 anos para resolver uma disputa societária, também segundo levantamento empírico.

Quarto, a questão da imparcialidade e independência dos árbitros. Esse é talvez o pior dos argumentos. O instituto da arbitragem está plenamente consolidado no Brasil. As partes são livres para eleger, desde que dentro de padrões éticos mínimos, árbitros que bem entenderem para resolver a disputa. Há grandes professores, advogados, juízes aposentados que prestam esse serviço público aos agentes econômicos.

Quinto, o problema do acesso e do custo. Já vimos que falta pesquisa empírica que comprove, ou ao menos sugira, interesse do investidor ao acesso ao um judiciário relativamente lento e pouco especializado em matéria societária (com notórias e reconhecidas exceções). O que a teoria de análise econômica do direito ensinaria no campo teórico é de que o mercado é capaz de resolver sozinho e mais eficientemente seus problemas. Assim, investidores que valorizem acesso ao judiciário, somente comprarão papéis de empresas que não prevejam arbitragem em seus estatutos sociais. De toda sorte, companhias que optarem pela via arbitral em seus estatutos, poderão, a fim de evitar polêmicas, em custear o procedimento arbitral; ou optar por câmaras de menor custo.

Invalidar ou relativizar cláusulas arbitrais previstas em estatutos sociais que sigam a legislação brasileira de companhias abertas não parece o melhor caminho para nosso mercado de capitais.

Nesse sentido, andou melhor o TRF-4 ao julgar o caso de um acionista minoritário contra a Petrobras, ao decidir que os acionistas da estatal, que pretenderem ser indenizados pela redução no valor das ações da companhia, devem fazê-lo através de procedimento arbitral (perante a Câmara da Bovespa), conforme estabelecido no estatuto da Petrobrás, e não pela via do Poder Judiciário.

Que seja essa a jurisprudência a se consolidar no Brasil.

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*Luciano Benetti Timm é advogado do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados. Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem.

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