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Perspectivas estática e dinâmica da tributação do patrimônio e vedação constitucional ao confisco - Estudo aplicado ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU

Sob prisma conservador, poderíamos concluir que a tributação é, de fato, o preço da liberdade.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Atualizado às 09:25

1. INTRODUÇÃO

Há séculos, mais precisamente, desde o século XVIII, os conceitos de tributação e liberdade estão indissociavelmente ligados.

Por esse vértice, extraímos da obra 'A Ideia de Liberdade', do filósofo e economista britânico Adam Smith (1723-1790), que "Todo o imposto, contudo, é, para quem o paga, não um sinal de escravatura, mas de liberdade. Denota que está sujeito ao governo, mas que, como tem alguma propriedade, não pode ser propriedade de um senhor".

Sob prisma conservador, poderíamos concluir que a tributação é, de fato, o preço da liberdade.

Ocorre que o tributo que liberta, também pode escravizar, especialmente se não estiver fundado no Princípio da Legalidade, esquivando-se, por reflexo, dos Princípios da Razoabilidade, Proporcionalidade e Vedação ao Efeito Confiscatório.

Nesta senda, em 1819, no caso McCulloch versus Maryland, a Suprema Corte Americana, na pessoa do juiz Marshal, adotou a seguinte premissa: "O poder de tributar envolve o poder de destruir".

Aprimorando a ideia, o advogado do governo federal, Daniel Webster, prefaciou: "Apenas o poder exercido de maneira ilimitada é que realmente compreenderá o poder de destruir".

Diante desses argumentos inaugurais, é lugar comum dizer que no Brasil a carga tributária é 'acachapante', que o país precisa de uma ampla e profunda reforma tributária para voltar a crescer e que os menos afortunados são os que mais pagam tributos, em desprestígio à isonomia tributária, constitucionalmente assegurada.

Infelizmente também é comum, nesse lugar, que o custo da corrupção - que prejudica o crescimento econômico, gera perda no setor privado, promove instabilidade política, acarreta falhas institucionais e aumenta a pobreza do país - seja repassado, imoralmente, à população, em prestígio à privatização de lucros (pelos malfeitores) e à socialização de perdas (ao encargo de toda a sociedade).

Analisamos, nesse contexto, a tributação da propriedade predial e territorial urbana, que se renova a cada exercício, muitas vezes, por toda uma vida, como se a cada ano o contribuinte, que ocupa, de fato, papel de coproprietário ou compossuidor, readquirisse novo patrimônio e aumentasse contínua e indefinidamente sua "riqueza".

É a partir dessa premissa, qual seja, de exercício arbitrário do poder de tributar, portanto, sem fundamento legal, e despido de qualquer referência razoável e proporcional, que analisaremos, como objeto do presente estudo científico, o efeito confiscatório da cobrança anual do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que aumenta a paralisia de nosso mercado, estagnado pela recessão.

Desse modo, o presente trabalho acadêmico comprova que a cobrança anualizada do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) afronta o direito de propriedade e, diante da perspectiva estática da tributação, não atende aos Princípios da Razoabilidade, Proporcionalidade e Vedação ao Efeito Confiscatório dos Tributos.

2. IPTU E LEGALIDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), ao tratar das limitações do poder de tributar, institui o Princípio da Legalidade, revelando que o Brasil é, ao menos formalmente, um Estado de Direito, conforme segue demonstrado:

"Artigo 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...]"

Em desdobramento, o CTN, no capítulo referente às limitações da competência tributária estabelece:

"Artigo 9º - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - instituir ou majorar tributos sem lei que o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65; [...]"

Por esse vértice, e segundo o Princípio da Estrita Legalidade Tributária insculpido no artigo 97 do CTN, somente a lei, em regra de natureza ordinária, pode instituir tributo, ao descrever seu sujeito ativo (ente público tributante), sujeito passivo (contribuinte), fato gerador (hipótese de incidência), base de cálculo (montante tributável) e alíquota (percentual aplicável).

Em outras palavras, extraídas da brilhante doutrina do Professor Hugo de Brito Machado:

"Seja como for, importante é saber que, segundo o princípio da legalidade, todos os elementos necessários a que se saiba quem deve, a quem deve, quanto deve e quando deve pagar residem na lei, em sentido estrito."

Portanto, a relação jurídico-tributária estabelecida entre o Estado e o contribuinte tem por sustentáculo a lei, que deve ser prévia, não havendo que se falar em juízo de conveniência e/ou oportunidade, a justificar a atuação discricionária do administrador público.

Nessa senda, e de maneira exemplificativa, ao analisarmos a lei ordinária que instituiu a cobrança do IPTU no Município do Rio de Janeiro (lei 691/84 - Código Tributário Municipal), verificamos que todos os elementos essenciais à instituição do tributo estão presentes (sujeito ativo, sujeito passivo, fato gerador, base de cálculo e alíquota), não havendo que se falar em ilegalidade.

3. IPTU E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O Princípio da Capacidade Contributiva é o "fio condutor" da lei municipal que institui e autoriza a cobrança do IPTU. Isso porque a intensidade da exação está subordinada e é balizada pela capacidade do contribuinte suportar o ônus do tributo sem relegar a segundo plano sua subsistência e dignidade. Esse é o sentido da doutrina do Professor Ricardo Lobo Torres:

"Tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição".

Embora parte da doutrina entenda trata-se de imposto real, que recai sobre a coisa, sobre a propriedade, domínio ou posse do bem imóvel urbano e que, portanto, não estaria sujeito ao Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva , ousamos discordar deste posicionamento, alinhados à lição do Professor Sacha Calmon Navarro Coelho, abaixo transcrita:

"O imposto é pessoal, pois incide sobre o direito de propriedade do contribuinte, medindo a sua capacidade econômica, como de resto predica a Constituição. Ora, os impostos sobre a renda e o patrimônio são os que mais se prestam ao princípio da pessoalidade e da capacidade contributiva (renda ganha pelas pessoas e patrimônio das pessoas)."

Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que segue reproduzido:

"(...) Todos os impostos, repito, estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, especialmente os diretos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal; isso é completamente irrelevante. Daí por que dou provimento ao recurso, para declarar constitucional o disposto no art. 18 da lei 8.821/1989 do Estado do Rio Grande do Sul." (RE 562.045, rel. p/ o ac. min. Carmen Lúcia, voto do min. Eros Grau, julgamento em 6-2-2013, Plenário, DJE de 27-11-2013, com repercussão geral). (grifamos e destacamos)

Portanto, apesar de estarmos alinhados ao entendimento doutrinário que revela o caráter pessoal do tributo, antecipando possíveis argumentos em sentido contrário, concluímos que o debate sobre o tema é estéril, diante do fato de que todos os impostos estão sujeitos ao Princípio da Capacidade Contributiva, segundo entendimento esposado pelo STF em sede de repercussão geral.

Desse modo, não basta que a cobrança anual do IPTU esteja alinhada ao Princípio da Legalidade Tributária, devendo condicionar-se ao Princípio da Capacidade Contributiva para aproximar-se dos ideários da justiça distributiva.

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*Fábio Vasques é advogado Pleno da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.

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