Falsa acusação de estupro ou síndrome da mulher de Potifar
Uma vez acusado de crime de tamanha reprovação social, a vida deste denunciado, ainda que provada a sua inocência, nunca mais será a mesma.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Atualizado às 07:34
ESTUPRO
No Título VI do CP encontram-se tipificados os crimes Contra a Dignidade Sexual. Dentre os mais conhecidos temos o Estupro (213 do CP) e o Estupro de Vulnerável (217-A do CP).
O artigo 213 do CP traz como reprimenda ao condenado por esta prática criminosa uma pena que pode variar de seis a dez anos de reclusão a depender do resultado da conduta essa pena pode chegar a trinta anos.
Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos.
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos:
§2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Até o ano de 2009 vigorava o artigo 214 do CP brasileiro, que tipificava o crime de "atentado violento ao pudor", tal crime restaria configurado quando alguém fosse constrangido mediante grave ameaça a praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal.
Pois bem, com o advento da lei 12.015/09, o artigo 213 passou a formar um tipo penal misto em que encontram-se abraçados tanto o estupro (conjunção carnal) como o atentado violento ao pudor (outro ato libidinoso que não a conjunção carnal). Assim, o crime de estupro passou a não mais exigir em todas as suas modalidades a conjunção carnal para sua configuração.
FORÇA DE PROVA
Com a mudança trazida pela lei 12.015/09 e uma vez que o crime de estupro não mais se confira unicamente com a conjunção carnal, abrangendo outros atos libidinosos a palavra da vítima passou a ter "força de prova".
A suposta vítima de estupro antes da entrada em vigor da lei ao norte mencionado era submetida a exame de corpo de delito para onde era essencial que fosse encontrado vestígios para de penetração penes vagina (conjunção carnal) para que o crime fosse configurado.
Hoje com a atual redação dada ao artigo 213, a suposta vítima deve comparecer a uma delegacia de onde será encaminhada para o IML para realização de exame de corpo de delito, porém, se não forem encontrados vestígios de lesões na genitália da pseudovítima, isso será indiferente e o acusado continuará sendo investigado como estuprador.
Porém, até que ponto somente a palavra da suposta vítima deve ser valorada como prova? Será que uma mulher rejeitada não poderia ter o mesmo desejo de vingança que uma mulher traída?
Desde já deve ficar claro que com tais questionamentos não pretendemos desvalorizar a palavra das vítimas desse tão hediondo crime e ou, ou dizer que estas faltam com a verdade por mera vingança. Entretanto, a própria Bíblia Sagrada narra a história de uma mulher rejeitada e vingativa.
A MULHER DE POTIFAR
A Bíblia narra a história de José que fora fruto de um grande amor entre Jacó e Raquel, segundo as escrituras José era o preferido de Jacó, para quem o pai ensinou a ler e escrever para que no futuro fosse o administrador de todos os bens da família.
Segundo a narrativa bíblica, José foi vendido por vinte barras de prata, os Esmaelitas o comparam de seus próprios irmãos, que o teriam vendido por ciúmes. José fora levado pro Egito, onde novamente como mercadoria foi vendido a Potifar, que era capitão da guarda real naquela nação.
Por ter muitas qualidades em pouco tempo José tornou-se homem de confiança de Potifar, passando a administrar todos os seus bens. Entretanto, segundo o livro sagrado José era um "belo tipo de homem e simpático" com estes atributos não demorou muito para que a mulher de seu senhor o olhasse de com interesse.
Assim, logo a esposa de seu dono passou a convidar José para ocupar com ela manter relações sexuais. Todavia, José sempre a rejeitava com a mesma resposta, "administro todos os bens de meu senhor, menos a sua esposa". Entretanto sempre que se via sozinha com o servo ela insistia em seu intento de satisfazer sua lasciva.
Em uma oportunidade, aproveitando-se que não havia ninguém por perto agarrou-se a José, que conseguiu escapar, porém sem sua fuga, sua senhora ficou com sua nas mãos. Sentindo-se rejeitada, a senhora gritou aos outros servos, acusando José de tê-la tentado estuprar.
O mesmo relato fez ao seu marido quando este em casa chegou, "veja! o escravo hebreu que você trouxe pra dentro de casa tentou abusar de mim, como eu gritei ele fugiu, deixando, porém sua capa em nosso quarto, esse é o jeito que o seu escravo me tratou". Por óbvio, o senhor ficou furioso e mandou encarcerar o escravo hebreu.
PRUDÊNCIA
Feitas essas considerações devemos pontuar que em muitos casos as supostas vítimas é que deveriam estar sentadas no banco dos réus, respondendo pelo crime de calunia tipificado ao teor do artigo 318 do CP e até mesmo denunciação caluniosa (339 do CP) nos casos em que a máquina pública é movimentada por conta da falsa acusação.
Por esta razão os representantes do Ministério Público antes de apresentarem denúncias pela suposta prática do crime de estupro deve fazer uma análise detida de todo contexto narrado e trazido pelas supostas vítimas, a fim de analisar se a veracidade dos fatos narrados.
Prudência maior deve ter o Julgador para apurar e comprovar a verossimilhança das alegações com o suporte fático probatório trazidos aos autos, uma vez que em regra se contradizem com as alegações dos acusados.
Trago essas reflexões, baseadas na narrativa bíblica tão somente para pedir prudência, pois muitos são os condenados pela simples palavra de vítimas que nunca existiram. Uma vez acusado de crime de tamanha reprovação social, a vida deste denunciado, ainda que provada a sua inocência, nunca mais será a mesma, pode ele, andar com sua sentença de absolvição embaixo do braço e ainda assim, será taxado de estuprador.
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Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Volume III; 9 ed. Niterói - RJ, Impetus, 2012.
Vade Mecum Saraiva; 16º Ed atual e ampl; São Paulo 2013.
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*Marcio de Jesus Rocha Rangel é advogado criminalista.