Contratação de mão de obra por empresas estatais
O Conselho de Administração ou instância equivalente da empresa estatal federal deverá definir o conjunto de atividades passíveis de contratação indireta.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
Atualizado às 08:05
Estabelece o art. 28 da lei 13.303/16, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, que os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas estatais serão precedidos de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas em seus arts. 29 e 30, as quais dispõem sobre dispensa de licitação e contratação direta respaldada em inviabilidade de competição.
O decreto 2.271/97, que disciplina a execução indireta de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade, é aplicável no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Não estão abrangidos pela regulamentação os entes integrantes da administração indireta, que se encontram em condição de competitividade com o mercado privado, como empresas públicas e sociedades de economia mista.
A falta de regulamentação específica no decreto 8.945/16, que regulamenta, no âmbito da União, a lei 13.303/16, favorece a criação de uma zona de incerteza e discricionariedade sobre quais atividades podem ser executadas mediante contrato de terceirização1, o que não raro tem resultado em violação ao mandamento constitucional sobre a regra do concurso público (art. 37, II).
A portaria 409/16, do ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que dispõe sobre as garantias contratuais ao trabalhador na execução indireta de serviços e os limites à terceirização de atividades, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas estatais federais controladas pela União, estabelece que:
Art. 9º Não serão objeto de execução indireta nas empresas estatais federais atividades que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus respectivos Plano de Cargos e Salários, exceto se afrontar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de pelo menos uma das seguintes situações exemplificativas:
I - caráter temporário do serviço;
II - incremento temporário do volume de serviços;
III - atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual, mais segura, trouxer redução de custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou
IV - impossibilidade de competir dentro do mercado concorrencial em que se insere.
§ 1º As situações de exceção a que se referem o caput, dispostas nos incisos I e II, podem estar relacionadas às especificidades da localidade ou necessidade de maior abrangência territorial de atuação onde os serviços serão prestados.
§ 2º Os empregados da contratada com atribuições coincidentes ou não com as da contratante atuarão apenas no desenvolvimento das atividades da contratada para entrega do produto ou serviço contratado.
§ 3º Não se aplica a vedação do caput quando se tratar de cargo extinto ou em extinção.
§ 4º O Conselho de Administração ou instância equivalente da empresa estatal federal deverá definir o conjunto de atividades passíveis de contratação indireta.
De acordo com o caput do art. 9º da Portaria, não serão objeto de execução indireta nas empresas estatais federais atividades que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus respectivos planos de cargos e salários. O mesmo dispositivo, no entanto, elenca exceções a essa vedação, quais sejam: nas contratações em caráter temporário; para o incremento temporário do volume de serviços; que visem a atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual, mais segura, trouxer redução de custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou nas contratações decorrentes da impossibilidade de competição dentro do mercado concorrencial em que a empresa estatal insere-se.
A terceirização deve representar a possibilidade de transferir a terceiros algumas atividades de apoio (atividades-meio), acessórias e instrumentais às atividades finalísticas da empresa estatal, estas exclusivas de empregados públicos, segundo disposto no art. 37, II, da CF, o qual determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
São lícitas as terceirizações de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal da empresa estatal, ou seja, atividades-meio ou de apoio ao regular desempenho das atividades finalísticas exercidas por empregados públicos concursados.
O desempenho de atividades finalísticas são exclusivas de empregados públicos, consoante estabelece o art. 37, II, da CF, acessíveis por meio de concurso público, o qual cumpre as seguintes finalidades: (a) aferir aptidões necessárias aos ocupantes de cargos e empregos públicos na administração pública; (b) privilegiar o sistema de mérito; (c) proporcionar que os interessados participem do certame em igualdade de condições; (d) selecionar os candidatos mais aptos a firmar a relação jurídica estatutária ou laboral conforme o vínculo a ser encetado; e (e) afastar a prática ilegítima do nepotismo.
Ainda, a realização de concurso público parte da presunção de que o empregado ou servidor de carreira preenche, pela independência e profissionalismo na defesa do interesse público, a necessidade do administrador de encontrar proficiência na realização de seus fins, sendo despiciendo a procura de terceiros fora do quadro dos empregados ou servidores efetivados por concurso quando o princípio republicano requer a participação ativa e engajada de todos os cidadãos nos assuntos públicos.
Como assentado pelo STF, o postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CR/88, art. 5º, caput). (RE 837.311/PI, rel. min. Luiz Fux, DJe 18/4/16).
De acordo com o Tribunal de Contas da União, é irregular, nas empresas estatais, a terceirização de atividades inerentes às categorias funcionais previstas no plano de cargos da empresa, de atividade-meio com presença de relação de subordinação direta e pessoalidade e de atividade-fim (Acórdão 1.521/16 - Plenário, rel. min. Benjamin Zymler, processo 006.373/13-5. Informativo de Jurisprudência 132, de 2016).
De acordo com o art. 9º, §4º, da portaria 409/16, o Conselho de Administração ou instância equivalente da empresa estatal federal deverá definir o conjunto de atividades passíveis de contratação indireta. Cabe, pois, a esses agentes, como destinatários primeiros das regras e princípios aplicáveis à administração pública, valorar os bens jurídicos em conflito, se existentes, a fim de conciliar a eficiência da gestão administrativa com a obrigatoriedade de realização de concurso público para preenchimento de funções adstritas a seus planos de cargos e salários e para atividades principais que, embora não integrantes de tais planos, integrem a essência do negócio das empresas. Para essa tarefa, devem orientar-se pelas disposições do decreto 2.271/97, bem como pelo entendimento expresso no enunciado da súmula TST 331.
Sumariou a Corte de Contas federal que, salvo disposição legal ou regulamentar em contrário, os contratos de terceirização de mão de obra no âmbito das empresas estatais devem orientar-se pelas disposições do decreto 2.271/97, em conjunto com o entendimento perfilhado na súmula TST 331, reservando-se as funções relacionadas à atividade-fim da entidade exclusivamente a empregados concursados, em respeito ao expresso no art. 37, inciso II, da CF/88 (Acórdão 2.132/10 - Plenário, rel. min. Augusto Nardes, processo 023.627/2007-5).
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1 O TCU determinou ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest/MP) que: [...] 9.9.2. reitere às empresas estatais as quais não enviaram plano detalhado de substituição de terceirizados irregulares, no que couber, que: 9.9.2.1. a terceirização de atividades finalísticas ou de funções contempladas nos planos de cargos configura ato ilegítimo e não encontra amparo no art. 25, §1º, da lei 8.987/95, cuja interpretação deve se amoldar à disciplina do art. 37, inc. II, da CF; 9.9.2.2. a terceirização de serviços de natureza jurídica somente é admitida para atender a situações específicas devidamente justificadas, de natureza não continuada, quando não possam ser atendidas por profissionais do próprio quadro do órgão ou entidade; [...] 9.9.2.4. não será considerada de boa-fé por este Tribunal a terceirização de serviços que envolvam a contratação de profissionais existentes no Plano de Cargos e Salários do órgão ou entidade por contrariar o art. 37, inc. II, da Constituição Federal e, ainda, por poder implicar futuros prejuízos ao Erário, decorrentes do eventual acolhimento, pela Justiça do Trabalho, de pleitos dos terceirizados, garantindo-lhes o direito ao recebimento das mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, na esteira da Orientação Jurisprudencial 383 SDI-1 do TST; e 9.9.2.5. segundo jurisprudência deste Tribunal, em razão da ausência de normas que regulamentem o art. 9º do decreto 2.271/97, são aproveitadas às empresas estatais, por analogia, as disposições ali contidas, dirigidas à Administração Direta, Autárquica e Fundacional; e 9.9.3. informe às empresas estatais que, após pronunciamento do STF na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, a nova redação da súmula TST 331 implica responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas na terceirização no setor público, em razão da inobservância do dever legal de fiscalização (culpa in vigilando). (Acórdão 1.521/16 - Plenário, Rel. min. Benjamin Zymler, processo 006.373/2013-5).
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*Marinês Restelatto Dotti é advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia (UFRGS). Professora nos cursos de especialização em Direito Público da Faculdade IDC e especialização em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities, em Porto Alegre/RS.