Moro preso e Lula solto - O pesadelo de uma fria madrugada de primavera
É interessante observar como na política lados opostos se identificam. Tanto a extrema direita tem os seus áulicos, como a extrema esquerda. No Brasil não seria diferente.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
Atualizado em 15 de dezembro de 2016 08:30
Os acontecimentos político/judiciais verificados no Brasil desde algum tempo têm desmoralizado a célebre teoria de Einstein, pois eles estão viajando em velocidade superior à da luz. Os últimos dias foram tão prenhes de novidades que os repórteres para não darem notícias velhas estão precisando ficar sem dormir, plantados nos locais das fontes correspondentes.
No meio dessa parafernália de informações ficou esquecida a notícia publicada no "Jornal o Estado de São Paulo" em sua edição do dia 18 de novembro, o qual informou que o ex-presidente Lula requereu a condenação do Juiz Sérgio Moro pela alegada prática de abuso de autoridade. Trata-se de queixa-crime subsidiária na qual também são autores a esposa Marisa Letícia e seus filhos, com fundamento em dispositivos da lei 4.898/65.
Os ilícitos apontados seriam correspondentes à condução coercitiva do ex-presidente, para prestar depoimento na Polícia Federal, em março, quando teria sido privado do seu direito de liberdade por aproximadamente seis horas; e a busca e apreensão de bens e documentos dele e de seus familiares, em seus respectivos domicílios e, ainda, nos escritórios do ex-presidente e de dois dos seus filhos, diligências que teriam sido ampla e estrepitosamente divulgadas pela mídia. Foi acrescentada a interceptação das comunicações de terminais telefônicos utilizados pelos autores, colaboradores e até mesmo de alguns de seus advogados.
Observe-se que na quarta-feira, dia 16 o Presidente do Senado, Renan Calheiros, havia tomado medidas para acelerar a tramitação do PL que modifica a legislação sobre abuso de autoridade (que não terá efeito retroativo, claro), no qual se busca flexibilizar os critérios de punição de policiais e procuradores envolvidos em investigações. Nem a velhinha de Taubaté acreditaria tratar-se de mera coincidência.
Teria o Juiz Moro praticado atos de abuso de autoridade? Isento desta prática nenhum servidor púbico está, nem os juízes, como se deu no caso daquela famosa carteirada que certo ministro impaciente deu em um estagiário que se encontrava na sua frente na fila de um caixa eletrônico. Mas o que é precisamente o abuso de autoridade?
Os artigos 3º e 4º da lei acima citada (que se pretende inovar para agravar) não trazem um conceito, mas incluem como atos de abuso de autoridade, entre outros, qualquer atentado à liberdade de locomoção; à inviolabilidade do domicílio; ao sigilo da correspondência; à ordem ou execução de medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoal natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; etc. Mas isto acontece centenas de vezes todos os dias e as reclamações registradas são absolutamente marginais. Trata-se, na verdade, do dia-a-dia da justiça, existindo mecanismos legais para coibir essa prática. Se eles são insuficientes, que sejam atualizados, mas não por meio de cartas mais marcadas do que baralho de jogador profissional de faroestes americanos.
A celeuma estabelecida em volta do estabelecimento da responsabilização de agentes públicos por abuso de autoridade mostrou muito claramente que o objetivo do legislador de plantão (prá lá de oportunista) e particularmente os autores da ação judicial aqui comentada é a completa deturpação do conceito legal do instituto em relação aos tipos escolhidos para o ajuizamento daquela medida. O que se busca, no fundo, é em conseguir intimidar na construção do seu livre convencimento não somente o Juiz Moro, mas todas as autoridades constituídas que tenham qualquer competência relacionada aos crimes praticados no âmbito da operação Lava-Jato e de outras que estão em andamento, as quais redundaram em prisões bastante recentes. E isto é inadmissível. Alguma coisa na linha do Terror que marcou a Revolução Francesa.
E o papel do Legislativo nessa ordem de acontecimentos, sob o pretexto do aprimoramento da lei, nada mais seria do que legislar em causa própria em uma das mais claras situações de conflito de interesse que este país nunca dantes viu em toda a sua história. Grande parte dos deputados e senadores atuais e passados está de alguma forma envolvida em alguma denúncia, tendo sido instauradas diversas ações judiciais que redundaram em prisões e condenações, algumas com o auxílio do instituto da delação premiada que também vem sendo bombardeada pelos mesmos interessados. Bem a propósito, a delação premiada que está sendo feita no âmbito da Odebrecht é uma espada de Dâmocles, cujo fio está por um fio, quase a cair na cabeça de uma grande quantidade de parlamentares, segundo têm afirmado diversos órgãos da imprensa.
Quando o policial na sua tarefa de investigar; o promotor em investigar e acusar; o juiz em acatar a denúncia, julgar e condenar o acusado puderem ser manipulados na sua liberdade de consciência por ameaças ao exercício de suas atividades legais, então o melhor será fechar as instituições por meio das quais atuam. Assim pelo menos o Estado economizará recursos que não seriam desperdiçados.
Depois de haver sido cristalizada durante os processos relativos ao mensalão a chamada teoria do domínio do fato, custa crer a qualquer observador desinteressado que as acusações apresentadas contra o ex-presidente e os demais autores da ação por eles intentada não apresentem algum fundamento mínimo. Caracterizado este, os fatos são suscetíveis de levar à representação criminal, à denúncia e ao julgamento dos réus, dentro de um processo legal que respeite os direitos daqueles, como tem acontecido.
Mas este é precisamente outro campo de batalha que o ex-presidente abriu, não somente no plano interno, mas na esfera internacional, tendo feito queixas junto a um órgão da ONU, por meio da qual pretende demonstrar que contra ele tem sido caracterizada uma situação de perseguição política. Com essa atitude ele fere as instituições nacionais, especialmente o Legislativo (pela acusação de ilegalidade do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff) e o Judiciário, que teria acobertado o aludido processo ilegal, o qual teria passado a se desdobrar contra ele, seus familiares e pessoas ligadas. Ao mesmo tempo também, é claro, circulam rumores de que o ex-presidente estaria preparando um oportuno pedido de asilo político junto a alguma embaixada amiga. Neste sentido, a amiga Venezuela, por exemplo, já era.
Todo esse cenário tem sido favorecido por uma entourage de conselheiros que defendem o ex-presidente a qualquer custo, cegos por ignorância (o que é difícil acreditar); se feito propositalmente de cegos e surdos, porque há algum interesse em jogo; ou porque pensam mesmo, de forma inacreditável, que o ex-presidente fez os dois melhores governos que o Brasil já teve em sua história; que apenas cometeu o seu maior erro ao ter escolhido Dilma Rousseff para sucedê-lo; e que seus inimigos desejam desmontar o seu legado e jogar o seu nome no lixo da história. É interessante observar como na política lados opostos se identificam. Tanto a extrema direita tem os seus áulicos (Bom dia, Presidente Trump), como a extrema esquerda (Bom dia, Presidente Maduro, líder de um país que apresenta excesso de democracia). No Brasil não seria diferente.
Ora, sem contar toda a roubalheira que foi apurada nos três governos e pouco do PT, o Brasil mais dia menos dia, com Dilma ou sem Dilma iria para falência. Simplesmente porque a matriz econômica adotada por ela e por seu Ministro da Fazenda assaz inventivo sempre foi furada - Dilma somente cavou o buraco mais fundo - porque dinheiro não dá em árvore e mesmo uma floresta amazônica um dia acaba se suas árvores forem sistematicamente cortadas sem reposição. É apenas uma questão de tempo.
As décadas vão se passando e cada uma delas tem sido inexoravelmente perdida para os brasileiros, sem possibilidade de recuperação. Países como a Coréia do Sul e o Vietnã, que terminaram exauridos ao fim de guerras extremamente sangrentas, levantam-se altaneiros e hoje são importantes economias no mundo, tendo ao seu lado outros Tigres Asiáticos que passaram por experiências semelhantes. Enquanto isto nós brasileiros, nos afundamos cada vez mais em promessas de cumprimento impossível e numa miséria crescente. Desapareceram num instante os voos que levaram a nova classe C a viajar em férias financiadas. Hoje se deixa o carro em casa e se toma condução para buscar emprego. Ou se vai a pé porque nem para isto o desempregado tem dinheiro.
Não, não é tudo culpa do ex-presidente Lula. Mas ele pode ser considerado um acionista controlador absolutamente majoritário dentro da sociedade tétrica que ele comandou.
Moro preso e Lula solto. Só faltava essa.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.