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O custo dos direitos, ou mais economia e menos direito

O fundamento para não termos uma maior interdisciplinaridade entre direito e economia seja mais profundo e ligado ao fato inescapável que, nas palavras de Luiz Felipe Pondé, "a economia é uma ciência triste".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Atualizado em 6 de dezembro de 2016 07:34

Nas faculdades de direito brasileiras, tradicionalmente os alunos têm contato com obras que exaltam o desenvolvimento dos direitos no decorrer dos tempos em nossa sociedade1, falando alguns2 até mesmo em direitos de primeira, segunda, terceira e quarta geração. São glorificados movimentos que, após muita luta e sangue, conquistaram seus direitos e foram contrários ao establishment, vencendo preconceitos diversos como racismo, homofobia, machismo e muitos outros. É apontado, por exemplo, o valor da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de dezembro de 1948, como um marco na história dos direitos humanos. Tudo isto é de fato muito bonito e inspirador3, pois motiva os alunos a acreditar na ideia de justiça4 e na importância do direito enquanto disciplina da convivência humana por excelência (nas palavras do mestre Goffredo Telles Junior5), e que há sim esperança na humanidade como um todo, em que pesem todas as mazelas existentes.

A todos aqueles que possam estar desacreditados ou sem fé no ser humano, recomendamos fortemente a leitura de uma doutrina jurídica que aborde o desenvolvimento dos direitos em nossa sociedade, especialmente se for no contexto do estudo dos direitos fundamentais exultados em nossa CF6. Certamente o resultado da leitura será alguém mais motivado e quiçá feliz. (Fato é que talvez não haja dispositivo mais belo em nosso direito positivo que o artigo 3º7 da nossa magna carta.) Não se quer aqui, de maneira alguma, depreciar ou ironizar todas estas conquistas sociais e todo o sangue que foi de fato derramado em prol dos direitos humanos e fundamentais, objeto de tantas lutas sociais. Afinal, quem não quer "promover o bem de todos", "uma sociedade livre, justa e solidária", "erradicar a pobreza" etc.? O ponto em que queremos chegar é que, em nosso humilde entendimento, o enfoque usualmente dado em nossas faculdades de direito está equivocado, e adiante explicamos o porquê.

Uma vez "jogados no mundo" após a graduação, em uma sociedade capitalista atualmente pautada por valores como eficiência, produtividade e empreendedorismo, há boas chances de os bacharéis adentrarem em um dilema "jurídico-existencialista". Das duas uma: (i) ou eles continuarão a esbravejar pelos seus direitos (já que foram ensinados a pensar dessa forma), crentes no valor intrínseco da justiça e do direito como instrumento necessário à justiça social; (ii) ou então, aqueles que forem capazes a melhor e mais rapidamente se adaptarem às mudanças (traço este dos mais aptos conforme a teoria da evolução darwiniana), perceberão que há algo de "absurdo"8 em seus estudos acadêmicos, eis que "a conta não fecha". Parafraseando Arthur Schopenhauer, "construímos castelos de areia pelos quais, posteriormente, devido à desilusão, temos de pagar caro"9. Tomando como premissa e algo dado que vivemos em um sistema capitalista, devido à ausência comprovada de outro sistema que possa maximizar o bem-estar e reduzir a pobreza tal qual o capitalismo10, paga-se um alto preço por conferirmos aos bacharéis a ideia de que eles têm direito a tudo, bastando pedir que o Estado lhes fornecerá. Esquecem-se que o Estado é, por definição, deficitário, e que os recursos "públicos" são provenientes de tributos pagos pelos contribuintes. Ou seja, eu e você financiamos o Estado. (Parece óbvio, mas é sempre bom lembrar.) A magia é que, na lição de George Stigler11, o Estado é uma potencial fonte de recursos ou de ameaças a toda atividade econômica da sociedade, pois o Estado detém um poder que nem o mais poderoso dos cidadãos tem: coagir. Por meio da tributação, o Estado determina quem será beneficiado ou prejudicado com suas ações, afetando necessariamente as decisões de todos.

Nesse contexto, é conhecido o pensamento de que se a Constituição garante, por exemplo, um direito à saúde, se uma pessoa não tem acesso a um determinado tratamento médico ou a um determinado medicamento, então seria tarefa do Judiciário garantir que essa pessoa receba o tratamento e o medicamento necessários. Mas e se todos fizerem o mesmo pedido ao Judiciário, será que o Estado teria os recursos necessários? E, ainda, é justo que aqueles que não ajuizaram pedidos no Judiciário fiquem sem seus direitos garantidos? Será que não poderiam ser premiados justamente aqueles que tendem a ter mais recursos (tanto financeiro, para contratar advogados, quanto intelectual, por entenderem a cruel mecânica do sistema), em detrimento dos menos abastados? Mesmo constitucionalistas como Virgílio Afonso12 da Silva sugerem que talvez a tarefa dos juízes não seja a de conceder remédios e tratamentos a todos que recorrerem ao Judiciário, e que "soluções simples, como a distribuição de remédios de forma desordenada, irracional e individualista não irão contribuir para a real implementação dos direitos sociais no país." A questão é sem dúvidas muito polêmica, e não temos a pretensão de exauri-la aqui, mas sim de utilizá-la como um exemplo para a real questão: a ausência da noção de que os direitos possuem custos, e podem ser transacionados.

O precursor da análise econômica do direito Ronald Coase, em artigo paradigmático escrito em 1960, cunhou frase lapidar, que centraliza toda a presente discussão: "[o] custo de exercer um direito (de usar um fator de produção) é sempre a perda sofrida em outro lugar em consequência do exercício desse direito"13,14. Embora pareça elementar, não é este o conceito que permeia o ensino jurídico nacional15, ainda centrado na ideia de que todos possuem direitos, bastando pedi-los que eles serão prontamente atendidos. E se não forem? Problema do Estado ou do Governo, diriam, esquecendo-se de que o Estado pode não ter os recursos necessários (claro que esta desculpa deixou de "colar" com recentes escândalos bilionários deflagrados na Operação Lava-Jato, mas vamos pressupor aqui que o Estado use seus recursos de forma racional e ordenada)... Uma ressalva: não acreditamos que exista má-fé por parte dos professores e acadêmicos de direito em seus ensinamentos idealistas, pois eles parecem realmente acreditar no que pregam, às vezes até com (muita) paixão. Supomos que o fundamento para não termos uma maior interdisciplinaridade entre direito e economia seja mais profundo e ligado ao fato inescapável que, nas palavras de Luiz Felipe Pondé, "a economia é uma ciência triste"16.

Ciência triste porque é a ciência da escassez: os recursos à nossa mão são sempre menores do que aquilo que queremos (eis a primeira regra da economia). É muito triste perceber que não dá para todo mundo ser feliz e ter tudo. É muito triste que o direito tenha que dar o braço a torcer à economia, e perceber que tudo o que está escrito na Constituição Federal simplesmente não poderá ser 100% implementado.17 Luiz Felipe Pondé18 novamente acerta ao apontar que vivemos em uma cultura de direitos e não de deveres, citando Milan Kundera ("A imortalidade"), a quem impressionava a capacidade de os ocidentais acreditarem que a vida é pautada por direitos, e Andreas Kinneging, o qual identifica a psicologia da mente contemporânea que pressupõe ser a vida uma questão de direitos humanos ou civis adquiridos. Muitos jovens têm sido educados sob o manto de que a vida dá certo e a felicidade é um direito. Mas imaginemos 7 bilhões de pessoas querendo ser felizes e ter direitos, seria o caos no planeta Terra!

Felizmente, há luz no fim do túnel. Campos de estudo como a análise econômica do direito parecem ter começado a finalmente vingar no Brasil19, com a utilização de seus conceitos e ferramentas nas mais altas Cortes20 do nosso País. Em algumas escolas, o estudo interdisciplinar tem sido incentivado já na graduação em direito, com noções de economia, administração, finanças, contabilidade, oratória e outras, o que nos parece louvável por melhor preparar o pensamento do bacharel em direito às necessidades do século XXI, nos moldes do mundo dinâmico em que vivemos (e não como se o direito fosse uma "caixa" em separado, absoluto, autônomo e distante da realidade). Precisamos de um ensino jurídico que não seja meramente retórico ao discorrer sobre as conquistas dos direitos ao longo dos tempos, sugerindo aos alunos um mundo fantasioso em que para cada direito não haja um dever correspondente, ou que os direitos não teriam custos correspondentes. Precisamos de um ensino jurídico que seja o mais científico possível, apoiado em fatos, evidências empíricas, testes e experiências (que devem ser sempre atualizadas e verificadas), e não em doutrinas oitocentistas.

O próximo passo será, uma vez reconhecida a existência de direitos conquistados a duras penas no decorrer da história, pensarmos na estrutura de incentivos que queremos ter e em seus efeitos, para definirmos então qual o arranjo social desejado para nossa sociedade. Nessa linha, certamente as ferramentas da economia poderão contribuir imensamente, deixando o direito mais triste, porém mais apto a resolver os inúmeros problemas existentes em nossa sociedade. Concluímos citando novamente Ronald Coase, que já alertava em 1960 para esta necessária visão global do problema:

"Seria claramente desejável se as únicas ações realizadas fossem aquelas nas quais o ganho gerado valesse mais do que a perda sofrida. Mas, ao se escolher entre arranjos sociais em um contexto no qual as decisões individuais são tomadas, temos que ter em mente que uma mudança no sistema existente, a qual levará a uma melhora de algumas decisões, pode muito bem levar a uma piora em outras. Além disso, tem-se que levar em conta os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (seja o trabalho de um mercado ou de um departamento de um governo), bem como os custos envolvidos na mudança para um novo sistema. Ao se projetar e escolher entre arranjos sociais, devemos atentar para o efeito total."

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1 Uma das mais clássicas é: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

2 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, pp. 362-364.

3 Outra obra marcante nesse sentido é: VON IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2000.

4 Embora para Hans Kelsen este não seja o papel da ciência do direito (O problema da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003).

5 Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 381.

6 Aos angustiados, melancólicos e depressivos de plantão, recomendamos doses das obras do ilustre constitucionalista Paulo Bonavides: Do estado liberal ao estado social. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013; Curso de direito constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

7 "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

8 Usamos os termos "jogados no mundo" e "absurdo" em uma analogia "crua" com o existencialismo sartreano e camusiano.

9 A arte de ser feliz. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 38.

10 Não entraremos no debate reducionista sobre capitalismo x socialismo, direita x esquerda, liberalismo x solidarismo etc. O fato histórico é que sistemas socialistas não prosperaram, por mais bonitos que possam parecer em teoria. Em uma análise meramente descritiva, parece que há algo no capitalismo que se mesclou muito bem com a natureza humana.

11 MATTOS, Paulo (coord.). Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, pp. 23-25.

12 O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécies. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 587-599.

13 COASE, Ronald H. O problema do custo social. In: Revista de Direito Público da Economia. Ano 1, nº 1. Jan/mar. 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 190.

14 Louvamos aqui a iniciativa da Coleção Paulo Bonavides, que recentemente editou tradução para o português de livro que congrega os principais estudos de Ronald Coase, na obra "A firma, o mercado e o direito", da Editora Forense Universitária (Grupo Gen). Intuímos que, ao menos na reta final de sua vida, o jurista Paulo Bonavides tenha admitido que todos os direitos narrados em suas obras possuem, efetivamente, custos.

15 Em sentido contrário, nos Estados Unidos da América temos obras relevantes e influentes que estudam a temática, como é o caso da "The cost of rights - why liberty depends on taxes", de Stephen Holmes e Cass R. Sunstein.

16 Filosofia para corajosos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2016.

17 Alguns contra argumentariam que as normas da constituição são programáticas, no sentido que certas normas constitucionais são objetivos a serem alcançados, criando diferentes categorias normativas (cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012).

18 Ob. cit.

19 Por meio de obras como: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org.). Direito & Economia. Rio de Janeiro: Campus, 2005; PINHEIRO, Armando Castelar, SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005; TIMM, Luciano Benetti. Direito e economia no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

20 Por exemplo: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. LEI 10.931/04. INOVAÇÃO. REQUISITOS PARA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO A TODOS OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO. 1. A análise econômica da função social do contrato, realizada a partir da doutrina da análise econômica do direito, permite reconhecer o papel institucional e social que o direito contratual pode oferecer ao mercado, qual seja a segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais capazes de proteger as expectativas dos agentes econômicos, por meio de instituições mais sólidas, que reforcem, ao contrário de minar, a estrutura do mercado. 2. Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito. [...] (REsp 1163283/RS, rel. ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 7/4/15, DJe 4/5/15)
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*Rodrigo Dufloth é sócio da área empresarial do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados. Membro da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE).

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