A arbitragem e a teoria geral do contrato II - O Equilíbrio Contratual Econômico
Trata-se de questão que frequentemente necessita ser resolvida em casos sujeitos a solução via arbitral.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2016
Atualizado em 1 de dezembro de 2016 08:14
Introdução
Trata-se de questão que frequentemente necessita ser resolvida em casos sujeitos a solução via arbitral, a qual apresenta algumas dificuldades ligadas ao conceito do instituto e ao seu alcance.
Esse equilíbrio tem sido reconhecido como um dos pressupostos do contrato1. Nesse sentido ele se coloca na categoria de um dos fundamentos obrigatórios implícitos do instituto, como condição prévia para a sua conclusão. Se o acordo entre as partes não o apresenta o contrato correspondente é considerado celebrado com vício genético, que resultaria em sua nulidade ou anulabilidade. Como fundamento jurídico indireto dessa teoria teríamos o art. 187 do NCC, segundo o qual o qual seria considerado ato ilícito a imposição de um direito (de contratar, no caso), exercido manifestamente além dos limites ditados pelo seu fim econômico. O fim econômico, aliado à função social do contrato determinaria necessariamente o prévio equilíbrio econômico em relação ao negocio efetuado2.
Outra expressão normativa sobre o mesmo tema pode ser entendida como a proibição ao administrador de sociedades no sentido de praticar ato de liberalidade em detrimento do patrimônio daquela, sob sua gestão. Essa liberalidade poderia ser exercida por meio da celebração de um contrato no qual a sociedade se encontrasse em situação de desequilíbrio econômico, fato que frustraria a realização do seu objeto social (lei 6.404/196, art. 154, § 2º, "a").
Observe-se que o art. 187 do NCC mostra-se limitado em sua aplicação porque menciona expressamente o termo imposição, que significa a subordinação direta de uma parte à vontade da outra. Tal subordinação não está presente na maioria dos casos, que são baseados principalmente em erro ou negligência da parte prejudicada ou, ainda, em uma mudança significativa dos fundamentos econômicos, de natureza externa aos contratantes, passível ou não de ser prevista. Conforme o caso, tais situações são colocadas no plano da imprevisão ou da incompletude contratual.
Conforme os adeptos dessa visão, depois de concluído um contrato em situação de equilíbrio, caso este viesse a ser quebrado em detrimento de um dos contratantes, o contrato estaria extinto se a parte favorecida não oferecesse ao prejudicado a sua modificação equitativa. Fundamentos legais apontados para tal interpretação consistiriam nos arts. 1.467 do CCIt e 478 a 480 do CC/02.
Mas deve-se ter em conta que tais dispositivos somente se aplicam em relação aos contratos de execução continuada ou diferida, não alcançando os contratos de execução instantânea. Quanto a estes o legislador somente prevê sanção para o erro de uma das partes quando o equilíbrio contratual (que vier a estabelecer uma prestação excessivamente onerosa para uma delas) se coloque no plano substancial (NCC, arts. 138 e 139). Nesta situação o contrato seria anulável.
2. Conceito de equilíbrio contratual e aspectos relacionados
Contudo, é necessário examinar o que seja o referido equilíbrio contratual econômico, em relação ao qual se deve ter em vista que não é possível construir um conceito abstrato, passível de ser aplicado à generalidade dos casos. Será essencial discernir tal equilíbrio no caso concreto e até mesmo reconhecer que em certas hipóteses ele não existe, tendo uma das partes assumido uma prestação aparentemente onerosa em excesso, por conta de interesses que ela possa ter em um determinado conjunto de operações no qual esse determinado contrato é apenas uma parte.
Não objetivamos discutir aqui os problemas ligados a preços fixados em situação de monopólio, ou no campo do direito do consumidor. Nossa preocupação se dá quanto aos contratos celebrados entre empresários que, por pressuposto, acontecem entre partes juridicamente iguais e economicamente equivalentes, de forma independente do seu porte econômico. Por exemplo, em tese se dá em equilíbrio um contrato fechado entre uma montadora multinacional de automóveis e um pequeno (relativamente) fornecedor de determinada auto-peça que não integra todos os modelos da primeira.
Os preços de mercado determinam frequentemente, dada a sua variação, a mudança dos custos dos contratos, como acontece frequentemente com commodities ou com moedas de curso internacional, a exemplo do dólar. As variações muitas vezes são bruscas e significativas, mas os empresários atuantes nesse campo não podem alegar ignorância, nem reivindicar uma modificação do preço concertado com a outra parte, sob a alegação de que uma modificação futura da base econômica da relação veio a lhe causar prejuízo. Essa foi uma queixa recorrente nos tribunais quando ocorreram crises em determinados mercados, a exemplo do da laranja há alguns anos. A variação de preços faz parte do jogo negocial em tais mercados e as partes têm à sua disposição mecanismos de proteção, a exemplo do seguro, do hedge e do swap.
Lembrando a crise que ocorreu na relação real/dólar em um passado relativamente recente, os tribunais brasileiros determinaram que nos contratos de leasing os empresários e os bancos brasileiros deveriam suportar equitativamente (?!) o custo da variação cambial. Para tanto alguém teria se lembrado do caso do rei Salomão e das duas mulheres que foram até sua presença para disputar uma criança. Ora, as cortes simplesmente esqueceram-se de que os bancos nacionais haviam tomado linhas de crédito no exterior e que os bancos credores não iriam concordar com a solução salomômica. Assim, para não ficarem fora do mercado de linhas de crédito internacionais os bancos brasileiros honraram integralmente suas obrigações com os bancos externos e, no frigir dos ovos - a ciência econômica é verdadeiramente ingrata -, a operação de leasing cambial desapareceu completamente das prateleiras de produtos bancários. Quando muito, ainda se mantém, cercadas de todos os cuidados possíveis contra variações cambiais "inesperadas" e outras "não surpresas".
Outras interferências indevidas do Judiciário na mesma linha de atuação tiveram e sempre terão o mesmo resultado. Como disse alguém em certa oportunidade em situação diversa, mas que aqui se aplica perfeitamente, "É a economia, estúpido".
Retornando ao tema da análise do caso concreto com o fim de analisarmos o equilíbrio contratual, verificamos que a aquisição de um bem por um valor maior ou menor pode ter a ver com o problema da assimetria informacional. A parte menos informada (se é empresário não pode deixar de estar consciente desse estado) necessita atentar para a busca de um preço de equilíbrio, procurando aumentar a qualidade de sua informação, ficando esta obrigação no âmbito da sua diligência. A responsabilidade da outra parte somente surgirá no caso em que tenha agido de má-fé.
Uma situação bastante comum em arbitragem está em verificar se o preço em determinados contratos - que havia sido fixado entre as partes a priori ou a ser identificado a posteriori, segundo algum modelo de avaliação entre elas adotado - veio a ser efetivamente atendido ou se ele teria rompido o equilíbrio contratual. Isto se dá em contratos de execução continuada, no curso dos quais o surgimento de variações substanciais na base da equação acarretara custos ou perdas em nível elevado.
Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que nenhum critério de avaliação daqueles comumente adotados no mercado é capaz de representar uma realidade verdadeira quanto à fixação do preço de um contrato. Ao adotar algum deles as partes devem estar conscientes de que estão diante de parâmetros arbitrários, ainda que possam ter certa base na ciência econômica ou no negócio da parte vendedora, por exemplo. Assim sendo, não cabe a qualquer parte que se julgue prejudicada em relação ao preço de um determinado negócio desejar valer-se da teoria da imprevisão ou da inadequação do critério de precificação adotado para o fim de rever o contrato. Em segundo lugar, muitas vezes resultados econômicos inesperados se colocam no plano dos custos de transação, também fundados na teoria da informação assimétrica ou na impossibilidade de serem reguladas todas ou a maioria das variáveis às quais os aspectos econômicos do contrato possam estar sujeitos.
No último caso vamos tomar o exemplo da avaliação de uma jazida mineral. Quanto maior for a quantidade de furos realizados para a prospecção do terreno, maior a probabilidade de se encontrar o seu potencial real de minério. Mas há um custo limite para o número de prospecções porque o seu custo pode revelar-se demasiadamente elevado. Fixado contratualmente determinado critério de prospecção, as duas partes correrão o mesmo risco, em sentido contrário. Para uma o potencial esperado poderá ser mais elevado do que esperava e teve um prejuízo porque cobrou barato. Para a outra se deu a situação inversa e pagou mais por alguma coisa que valia menos. A solução estará na contratação de um seguro - se for o caso - ou de uma avaliação ao final, segundo parâmetros previamente estabelecidos, pagando uma parte à outra, vendedora ou compradora, a parcela que se revelar a ela devida. Se esses cuidados não foram tomados, "morreu Neves". Trata-se de risco do negócio, às vezes cumulado com negligência, fator para o qual o Tribunal Arbitral deve atentar.
O que não é possível ao Tribunal Arbitral em sua decisão é procurar uma forma de reequilibrar o contrato, a não ser que as partes tenham feita a opção pela arbitragem por equidade. Neste sentido, por mais amargo que seja o remédio de uma condenação pesada em relação a uma parte - que a poderá até levar à falência - é preciso sempre reconhecer-se que a atividade econômica é de risco e este não tem patrão.
Mas jamais se esqueça o que foi dito acima por outras palavras. Em muitas decisões sobre este tema, o equilíbrio contratual tem a característica de uma norma, ele é obrigatório. E, portanto, ao restabelecê-lo no caso concreto uma vez identificado o desequilíbrio, o Tribunal Arbitral esta atuando no âmbito da lei e não no da equidade. Esta estaria presente (e caso não prevista pelas partes representaria na verdade uma interferência indevida dos julgadores) nas situações em que viesse a ser atendida a doutrina do coitadismo, muito em voga no direito do trabalho e no do consumidor. Tal doutrina não se casa com o direito empresarial.
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1 A este respeito, veja-se Massimo Bianca, "Il Contratto", in "Diritto Civile", Vol. 3, segunda edição, Dott. S. Giuffrè Ed., Milão, 2000, p. 464.
2 Sobre a função social do contrato, vide o primeiro artigo desta série.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.