Proposta de modelo institucional do setor elétrico
Na reunião do Conselho Nacional de Política Energética realizada em 21 de julho de 2003 foi divulgada a proposta do novo modelo institucional do setor elétrico, que deverá vigorar a partir de 1o de janeiro de 2004, tendo por meta atrair novos investimentos de longo prazo e propiciar a redução do risco de um novo racionamento.
segunda-feira, 11 de agosto de 2003
Atualizado às 06:47
Proposta de modelo institucional do setor elétrico
Marcos Chaves Ladeira*
Na reunião do Conselho Nacional de Política Energética realizada em 21 de julho de 2003 foi divulgada a proposta do novo modelo institucional do setor elétrico, que deverá vigorar a partir de 1o de janeiro de 2004, tendo por meta atrair novos investimentos de longo prazo e propiciar a redução do risco de um novo racionamento.
Dentre os princípios básicos que deverão nortear o novo modelo incluem-se: - a modicidade tarifária para os consumidores, - a continuidade e busca de qualidade na prestação dos serviços, - uma justa remuneração para os investidores, tornando mais atrativa a expansão dos serviços a médio e a longo prazos, e - a universalização do acesso e do uso dos serviços.
Na implementação do modelo deverão ser estritamente observados cada um dos seguintes pressupostos: - respeito aos contratos existentes, - implantação gradual do novo modelo, - criação de um ambiente propício à retomada dos investimentos, - minimização dos custos de transição, e - desestímulo ao recrudescimento de pressões tarifárias adicionais para o consumidor.
A autoria da proposta cabe a um grupo interno do Ministério das Minas e Energia ("MME"), ao qual incumbirá, em um momento posterior, possivelmente nos próximos 90 (noventa) dias, apresentar uma descrição pormenorizada do papel dos agentes (i.e., geradores de serviço público, produtores independentes de energia - PIEs, distribuidores, comercializadores e consumidores livres), além de uma abordagem dos aspectos jurídico-institucionais inerentes à proposta, a respeito dos quais não se incluiu qualquer comentário no trabalho recém divulgado.
Na referida fase ulterior dos trabalhos deverá ocorrer uma maior interação entre os agentes e entidades interessados na questão setorial, de sorte a possibilitar sejam incorporadas as contribuições e sugestões de aperfeiçoamento à proposta original.
A execução do planejamento setorial incumbirá à Fundação de Estudos e Planejamento Energético - FEPE, instituição em fase de criação, a ser custeada por encargo incluído nas tarifas de fornecimento e por parcela de arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados. Caberá à FEPE, sob coordenação e supervisão diretos do MME, elaborar os planos setoriais e, em especial, de planejamento da expansão do setor elétrico. Referido planejamento deverá abranger dois planos distintos, os quais serão submetidos à contestação pública, a saber: - o Plano de Expansão de Longo Prazo - PELP, cobrindo horizonte não inferior a 20 anos, e - o Plano Decenal de Expansão - PDE, cobrindo um horizonte mais curto, não inferior a 10 anos.
Conceitos de Serviço Público e Modicidade Tarifária
Haverá uma prevalência do conceito de serviço público, visto que a geração de energia deverá ser conduzida, prioritariamente, por concessionárias de serviço público, notadamente quando destinada a consumidores cativos.
Contrariando a lógica atual, na qual há forte tendência para a evolução do preço de contratação em direção ao custo marginal de expansão do setor, haverá a adoção de mecanismos que possibilitem a competição ensejada pela licitação para a concessão de serviços, com ênfase na geração e na transmissão. A modicidade tarifária será garantida a partir do planejamento integrado da expansão do sistema, em caráter determinativo, sujeito à contestação pública. Desnecessário frisar que a modicidade permanece como um dos princípios básicos que sintetizam os requisitos para a adequada prestação de serviços, juntamente com os conceitos de - eficiência, - segurança, - regularidade, - atualidade, - cortesia, e - atualidade.
Licitação
A possibilidade de contestação pelo preço será ensejada mediante a condução de procedimentos licitatórios, que poderão abranger: (i) o consumo previsto de energia elétrica (blocos de energia), ou (ii) empreendimentos individualizados. Na primeira modalidade, será vencedora a proposta que reivindicar a menor receita para o empreendedor, observado um valor máximo a ser previamente definido pelo Administrador dos Contratos de Energia Elétrica - ACEE. Na segunda, será vencedora a proposta que vincular o empreendimento ofertado a uma menor receita requerida, observados como parâmetro os custos de energia indicados nos estudos de planejamento para o ano de entrada em operação da usina objeto de licitação. Daí resultarão contratos de concessão, na hipótese de hidrelétricas (exceção feita às PCHs), ou termos de autorização, nos demais casos.
A receita do gerador identificado no procedimento licitatório acima será anualmente reajustada, observado um índice de reajuste indicado no próprio edital de licitação.
A cada 5 (cinco) anos será conduzido um processo de revisão periódica, com vista à identificação do equilíbrio econômico-financeiro subjacente ao contrato. Espera-se que a adoção de um índice de reajuste específico ao setor elétrico tenda a reproduzir de forma mais correta e precisa o comportamento dos custos do setor, minimizando as distorções verificadas no passado recente.
Será licita a participação de empresas privadas e das estatais do setor nos referidos certames licitatórios. Excepcionalmente, companhias estatais federais poderão ser escaladas para assumir papel destacado em obras ou projetos específicos (por ex., na região fronteiriça), hipótese em que a empresa privada poderá ser identificada para atuar como parceiro mediante a implementação de certame licitatório. O prazo de concessão para novas usinas não deverá exceder 35 (trinta e cinco) anos, período que se imagina compatível com o mínimo necessário à amortização do empreendimento, garantida a modicidade tarifária.
Contratação de Energia
Exceção feita ao Mercado Atacadista de Energia - MAE, todos os demais organismos e instituições atuais serão reconhecidos pelo modelo submetido. Incumbirá ao Administrador dos Contratos de Energia Elétrica - ACEE suceder o MAE, passando a desempenhar as funções de contabilização e liquidação das diferenças contratuais, tanto no âmbito do pool como externamente a ele.
No pool, também chamado de ambiente de contratação administrada, as tarifas de suprimento serão reguladas, estando abrangidas as operações de venda e compra entre concessionárias de serviço público de geração e de distribuição, além daquelas entabuladas pelos PIEs que optarem pela comercialização de energia por intermédio do ACEE, desde que precedida de licitação. Externamente ao pool, no ambiente de livre contratação, será comercializada a energia entre consumidores livres, PIEs, comercializadores de energia e autoprodutores.
Os contratos de venda e compra entre concessionárias de serviço público de geração e de distribuição serão celebrados diretamente entre as partes, sem a ingerência do ACEE, cujo papel estará restrito à administração da contratação e liquidação. A tarifa de suprimento resultante da contratação administrada pelo ACEE será, salvo exceções passíveis de justificação, única para todo o país. Referidos contratos bilaterais serão de longo prazo, padronizados e firmados a partir de procedimento licitatório, já que integrantes dos editais de licitação para a prestação do serviço público de geração de energia. O montante global inserido pelos geradores nos contratos de comercialização de energia deverá manter correspondência com a energia assegurada total que lhes foi estabelecida pela ANEEL, assegurando um lastro físico para as operações. A esse respeito, até dezembro de 2004 deverá a ANEEL rever e atualizar o montante de energia assegurada de cada uma das usinas existentes no país.
As concessionárias de serviço público de distribuição deverão obrigatoriamente celebrar contratos de uso do sistema de geração ("CUSG") com a universalidade dos geradores de serviço público e com aqueles ditos independentes (PIEs e autoprodutores) que aderirem ao pool. Esses contratos deverão abranger 100% (cem por cento) do mercado atendido pelo distribuidor em situações normais (excluídos racionamento e desequilíbrios macroeconômicos). Também o ACEE deverá firmá-los, na qualidade de representante dos geradores que aderirem ao pool. Como requisito para a celebração desses instrumentos contratuais, deverá a concessionária de distribuição constituir garantia representada por fiança bancária ou a celebração de contrato de constituição de garantias ("CCG"), segundo o qual estará acordando o bloqueio de contas correntes bancárias nas quais serão depositados os recursos depositados pelos consumidores cativos (recebíveis) em montante suficiente à liquidação integral de eventuais débitos.
Serão vedados aos concessionários de serviço público de distribuição a comercialização de energia com consumidores livres, bem como a detenção de ativos de geração para atendimento próprio (self dealing). Conseqüentemente, findos os contratos de concessão ora existentes, as usinas de geração detidas pelos distribuidores serão novamente licitadas na modalidade de serviço público.
Também as usinas hidrelétricas já amortizadas cujos contratos de concessão venham a expirar somente poderão ser licitadas com destinação ao serviço público, ficando reservada sua produção à comercialização com distribuidores (ou seja, para os consumidores cativos) segundo contratação administrada pelo ACEE.
Comercializadores
Deverão os comercializadores adquirir energia a ser gerada por PIEs para subseqüente revenda a consumidores livres e a outros PIEs, de sorte a criar condições favoráveis para todos os agentes que não tiverem aderido ao pool.
Caberá adicionalmente aos comercializadores a importante tarefa de viabilizar a migração de consumidores cativos para a condição de livres em prazo inferior a 5 (cinco) anos, sempre que as negociações entre distribuidores e consumidores resultarem infrutíferas. Nessa hipótese, bastará que o comercializador assuma, junto ao distribuidor, o montante de energia correspondente ao contrato liberado, pelo prazo remanescente dos citados 5 (cinco) anos. Poderão ainda os comercializadores representar geradores de menor porte nos leilões de mercado do pool, desde que as ofertas de compra estejam lastreadas em empreendimentos específicos, visando com isto assegurar a garantia física da energia (lastro).
Energias Renováveis
Pretende-se que, em prazo curto de tempo, cerca de 10% (dez por cento) do consumo anual de energia elétrica no país seja proveniente de fontes tais como a eólica, solar, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas - PCHs. Nesse contexto, o modelo pretende que o impacto da contratação de fontes renováveis na formação da tarifa de suprimento do pool não seja superior a 0,5% (cinco décimos por cento) em qualquer ano, devendo os acréscimos não superar 5% (cinco por cento) quando comparados ao crescimento baseado exclusivamente em fontes convencionais.
Deverão ser realizados leilões exclusivos tendentes à contratação, pelo ACEE, de montantes de energia pré-definidos para cada uma das fontes acima, ficando ressalvado que a partir de janeiro de 2005 somente as empresas que comprovem um grau de nacionalização de serviços e equipamentos superior a 90% (noventa por cento), em cada empreendimento, poderão aderir aos referidos certames licitatórios.
Disposições Genéricas
O modelo é lacônico a respeito das figuras dos cogeradores e dos autoprodutores, tendo sido incluída breve menção ao fato de que estariam sendo equiparados aos PIEs para fins de enquadramento nas propostas ali contidas. Não haverá qualquer alteração na contratação relativa aos serviços de transmissão, razão pela qual o modelo é igualmente silente a esse respeito. As perdas no sistema de transmissão também obedecerão à metodologia atual, sendo contratadas pela totalidade dos agentes de geração e consumo. Especificamente no caso dos agentes do pool, as perdas serão somadas e consideradas na tarifa média de suprimento aos distribuidores.
O Mecanismo de Realocação de Energia, o qual assegura que a disponibilidade do sistema seja maior do que a soma aritmética das disponibilidades de cada um dos geradores individualmente considerados, permanecerá sendo aplicado, em sua formulação original, a todos os geradores hidrelétricos participantes do despacho centralizado.
À Eletrobrás será assegurado um papel de destaque, pois permanecerá responsável por comercializar a energia de ITAIPU e de fontes alternativas contempladas no PROINFA, além de financiar, em caráter suplementar, a expansão do setor elétrico.
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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
**Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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