Análise crítica - Lei 13.352/16
O texto constitucional estabelece a premissa de que a proteção ao trabalho-emprego não acontece em qualquer modelo de contratação, mas em relação à dogmática trabalhista e aos direitos estabelecidos no rol do artigo 7º da CF.
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
Atualizado em 10 de novembro de 2016 08:02
"Um homem se humilha, se castram seu sonho.
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata" ( Gonzaguinha)
Foi sancionada no dia 27 de outubro de 2016 as alterações na lei 12.592/12 para dispor sobre o contrato de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza.
Logo no artigo 1º V, vem o seguinte dispositivo: "Art. 1o- A Os salões de beleza poderão celebrar contratos de parceria, por escrito, nos termos definidos nesta lei, com os profissionais que desempenham as atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador."
As alterações constantes do texto legal além da flagrante inconstitucionalidade representam precarização nas relações de trabalho, facilitando que a CLT e Constituições sejam burladas.
Na dicção do art. 3º da CLT - "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
"Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual."
Por outro lado vem o artigo 2º que estabelece a conceituação da Pessoa jurídica: "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."
Pela própria conceituação de empregado e empregador, observa-se que a redação da lei que trata de parceria, se revela contrária ao texto da legislação do trabalho, instituindo e regulamentando a chamada "pejotização", que fortalece a obtenção de lucro sem que tenha a necessidade de atender a função social, pois atinge seus objetivos, sem empregados.
Não bastasse a infringência à lei Ordinária, verifica-se afronta ao texto constitucional
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;"
O texto constitucional estabelece a premissa de que a proteção ao trabalho-emprego não acontece em qualquer modelo de contratação, mas em relação à dogmática trabalhista e aos direitos estabelecidos no rol do artigo 7º da CF, que não se coadunam com o modelo implementado pela desacertada legislação que trata do profissional-parceiro.
O rigor constante na Carta Constitucional dos direitos e garantias fundamentais vem coroado com um sistema de proteção jurídica das relações de trabalho, que vão na contramão das alterações constantes na legislação, que está desprovido de quaisquer direitos ou garantidas oriundos do trabalho prestado.
Além do rol taxativo previsto no artigo 7º da Constituição Cidadã, que estabelece direitos dos trabalhadores que visem a melhoria da condição social, o inciso IV do art. 1º propositadamente, em primeiro lugar, coloca como fundamentos do Estado Democrático de Direito o valor social do trabalho, pra depois falar sobre a livre iniciativa.
Quando se olha para os meandros da nova legislação que se pretende aplicar, o que se observa é o controle exclusivo do salão-parceiro, inclusive sobre a centralização dos pagamentos e recebimentos (§ 2o O salão-parceiro será responsável pela centralização dos pagamentos e recebimentos decorrentes das atividades de prestação de serviços de beleza realizadas pelo profissional-parceiro na forma da parceria prevista no caput).
Nesta toada, resta evidenciado o desequilíbrio contratual, uma vez que o prestador de serviços se torna desigual em seu poder econômico, não podendo se valer sequer do controle de sua força de trabalho e dos preços estipulados nesta equivocada parceria, dando margem à existência de um grupo de trabalhadores vulneráveis e com parca capacidade representativa e de reação.
Além dos aspectos relacionados, a regulamentação das alterações previstas no texto legal, introduz um modelo de empresas sem empregados, totalmente esvaziado de real efetividade, no desenvolvimento da atividade-fim da empresa.
É importante lembrar que o trabalho é um meio de afirmação social da dignidade do empregado e deve garantir condições reais de subsistência, que não se observa na forma de contratação proposta pela lei, que busca potencialização de lucros e resultados financeiros.(sob o controle exclusivo do salão-parceiro-empregador)
Não se pode ignorar o Princípio da Primazia da Realidade, norteador das relações de trabalho, que estabelece a realidade dos fatos, imperante no direito laboral.
O risco de desvirtuamento é premente e atinge a honra e a segurança jurídica do prestador de serviços, sem vínculo de emprego, compelidos a aceitar em nome da empregabilidade as condições estabelecidas pelo empregador.
Partir do pressuposto que a realidade é única cria uma modalidade de contratação com evidentes caracteres de relação de emprego, sem qualquer garantia constitucional e trabalhista, revelando-se necessário estabelecer que o conceito de empregado extraído no artigo 3º da CLT, estabelece o registro de pessoa física e não jurídica para a prestação de serviços, além do fato de que o contrato de trabalho é personalíssimo, não podendo ser realizado por parte diferente daquela da contratação.
É a verdadeira "coisificação" da mão de obra.
O precedente é perigoso e banaliza as relações trabalhistas, criando modalidades de prestadores de serviço alijados da proteção constitucional, gerando insegurança e desproteção, que ferem a dignidade da pessoa humana.
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*Alessandra Camarano Martins é vice presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas - ABRAT.