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O novo entendimento do STF acerca do direito do contribuinte à restituição do ICMS-ST pago a maior

Na referida sistemática, a lei atribui ao responsável tributário por substituição a obrigatoriedade de recolher o ICMS cujo fato gerador ocorrerá posteriormente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Atualizado em 4 de novembro de 2016 07:52

Foi disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico do STF de 26/10/16 a Ata de Julgamento do RE 593.849/MG, no qual o Pleno do Pretório Excelso entendeu que os contribuintes têm o direito de restituir os valores de ICMS pago a maior na sistemática da substituição tributária "para frente". Tal celeuma há muito vem sendo debatida no âmbito do STF e seu cerne gira em torno da interpretação a ser dada ao § 7º do artigo 150 da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional 3/93 para inserir no ordenamento jurídico pátrio a denominada substituição tributária "para frente".

Na referida sistemática, a lei atribui ao responsável tributário por substituição (substituto) a obrigatoriedade de recolher o ICMS cujo fato gerador ocorrerá posteriormente. Esse recolhimento antecipado do imposto se dá com base numa presunção do valor que será comercializada a mercadoria pelo contribuinte (substituído) ao consumidor final. Exemplo clássico dessa forma de tributação é o da comercialização de cervejas. A despeito de não praticar o fato gerador, a indústria produtora da cerveja deve recolher, antecipadamente e por substituição, o ICMS que será devido pelo bar em razão da venda daquela cerveja, com base no seu valor de venda previamente fixado pela Fazenda Estadual (presumido).

Nesse contexto, o aludido § 7º do artigo 150 da Carta Magna prevê, no entanto, "a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido". Aqui, questão que se coloca é a seguinte: como deve se interpretar a expressão "caso não se realize o fato gerador presumido"? O contribuinte tem o direito a restituir o ICMS-ST recolhido antecipadamente apenas na situação em que, por algum motivo, não dê saída à mercadoria ou também faz jus ao montante relativo ao imposto pago a maior devido à venda da mercadoria ao consumidor final por um valor menor do que aquele previsto na base de cálculo presumida pelo Fisco Estadual?

Num primeiro momento, quando do julgamento da ADI 1851/AL no ano de 2002, prevaleceu no STF o entendimento de que o ICMS-ST deveria ser restituído apenas nos casos em que o fato gerador presumido não se realizasse. O raciocínio empregado foi o de que permitir a restituição do imposto recolhido antecipadamente para toda e qualquer situação em que fosse dada saída à mercadoria ao consumidor num valor menor do que aquele presumido significaria esvaziar ontologicamente o instituto da substituição tributária, que surgiu exatamente para simplificar a tributação, tornando-a mais prática, eficiente e viável nos setores de difícil fiscalização e arrecadação.

Aproximadamente 14 anos depois, contudo, o Supremo, ao se deparar novamente com o tema em sede de repercussão geral, fixou a tese de que os Estados devem restituir o ICMS-ST "para frente" pago a maior quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. Ainda, modulou os efeitos do julgamento do RE 593.849/MG, de maneira que tal decisão passe a produzir efeitos a partir do julgamento finalizado em 19/10/16, resguardando, porém, o direito daqueles contribuintes que já possuem processos em andamento.

Alguns podem argumentar que esse novo entendimento do STF acabou inviabilizando a própria substituição tributária no ICMS, na medida em que soterra suas principais características: praticabilidade e eficiência na arrecadação, bem como maior comodidade, economia e celeridade na atividade estatal ligada à imposição tributária.Com efeito, não há dúvidas de que tal sistemática de tributação, além de ter surgido com o intuito de combater a sonegação fiscal, constituindo medida assecuratória da livre concorrência, originou-se no ventre do princípio da praticabilidade, que tem por escopo tornar a tributação mais prática e eficiente, notadamente em setores específicos nos quais a fiscalização e a arrecadação são mais difíceis.

Nada obstante, é preciso lembrar que o princípio da praticabilidade, embora efetivamente seja necessário para viabilizar a tributação de determinadas situações, deve conviver harmonicamente com os direitos e garantias individuais dos contribuintes, sobretudo no sistema tributário nacional, em que há inúmeras balizas, contenções e limitações constitucionais ao poder de tributar. Nessa premissa, não temos dúvidas de que o novo entendimento do STF acerca do direito do contribuinte à restituição do ICMS-ST pago a maior é aquele que mais se compagina com as normas constitucionais em matéria tributária.

Primeiro, porque a substituição tributária, que surgiu tendo como um de seus objetivos combater a sonegação e resguardar a livre concorrência, acabou trazendo nocivas distorções a essa mesma livre concorrência. Ora, como fica evidente, mantendo uma mesma margem de lucro para determinado produto, o empresário mais eficiente, que o oferecesse a um preço menor, seria prejudicado em face do empresário ineficiente, já que ambos repassariam no valor do produto o mesmo custo fixo do ICMS, calculado sobre a base de cálculo presumida pelo Fisco para tal produto. Ou seja, a eficiência do comerciante não representa uma redução da carga tributária e, portanto, não há benefícios para o consumidor final. Aliás, em termos proporcionais, quanto menor o preço final, maior o peso percentual do tributo, violando não só a livre concorrência, como também os princípios da capacidade contributiva e da isonomia.

Segundo, porque o Direito Tributário, pautado no princípio da legalidade estrita em matéria tributária, não convive com presunções absolutas impostas de maneira obrigatória, isto é, que não decorrem de uma opção do contribuinte. Assim, numa situação em que o preço efetivo da operação final não representa aquele presumido pela Fazenda Estadual, o contribuinte tem todo o direito de provar que o fato gerador, tal como presumido, não ocorreu na prática, razão pela qual lhe deve ser restituído o ICMS-ST pago a maior, sob pena, inclusive, de enriquecimento ilícito do Estado, que estará cobrando tributo à margem do fato gerador.

Como ensinou o professor Geraldo Ataliba, a base de cálculo dimensiona materialmente o fato gerador, ou seja, traduz a sua expressão valorativa. Assim, se o valor da operação final é menor do que aquele delineado na base de cálculo presumida, por consequência, o fato gerador não se realizou nos termos da sua dimensão material presumida e, portanto, nessa situação, consoante previu o § 7º do artigo 150 da CF/88, fica assegurada ao contribuinte a imediata e preferencial restituição da quantia paga.

Terceiro, porque o princípio da praticabilidade deve ser interpretado conjuntamente com os direitos fundamentais das contribuintes. Assim, num sistema tributário estruturado em inúmeras garantias e direitos constitucionais dos contribuintes em face do poder impositivo dos entes tributantes, vedar a restituição do montante de ICMS-ST pago a maior significar privilegiar uma tributação totalmente desbordada do próprio figurino constitucional do tributo e na direção oposta do que predicam os princípios da legalidade, da capacidade contributiva, da isonomia e da livre concorrência.

Daí que, no nosso sentir, caminhou bem o Supremo ao estatuir o direito do contribuinte de restituir os valores pagos a mais na sistemática da substituição tributária "para frente". Com tal interpretação, o STF, a um só tempo, respeitou direitos e garantias do contribuinte constitucionalmente consagradas, sem deixar de lado a possibilidade de se instituir a técnica da substituição tributária para combater a sonegação, bem como para auxiliar a Administração Pública na fiscalização de determinadas atividades.

Aproveitando-se disso, os contribuintes que se sentirem lesados porque no seu Estado há legislação vedando a restituição do ICMS-ST pago a maior ou, ainda, porque por outros motivos lhes está sendo negado esse direito, devem propor ações perante o Poder Judiciário, a fim de aproveitar os efeitos favoráveis desse novo entendimento do STF.
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*Rômulo Cristiano Coutinho da Silva é mestre em Direito Tributário pela USP e advogado associado do escritório Demarest Advogados.


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