Código Tributário Nacional - 50 anos de referência normativa
Passados 50 anos o CTN continua atual e pronto para enfrentar e se adaptar aos desafios do século XXI., onde o direito tributário caminha para a normatividade globalizada.
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Atualizado em 27 de outubro de 2016 11:28
O Código Tributário Nacional completa seu cinquentenário neste ano. Diversos têm sido os simpósios, seminários, congressos, artigos e livros para marcar esta data que não poderia passar despercebida por qualquer operador do Direito.
Um dos pontos que merecem reflexão por parte de todos é o entender como um diploma oriundo do início da década de sessenta (tendo seus estudos e redação do primeiro projeto se iniciado no início da década de 50) conseguiu não só criar pela primeira vez um sistema tributário nacional em nosso ordenamento jurídico mas ter permanecido atual com o passar de três ordens constitucionais e uma infindável produção normativa de quase 6.000 entes federativos neste que talvez seja dos ramos do Direito o que mais se modifica em termos de regras legais, com inúmeras alterações diárias nas três esferas federativas. Um pequeno exemplo pode ser verificado ao nos debruçarmos sobre o PIS/COFINS. Desde as alterações promovidas para que referidas contribuições tornassem não-cumulativas (lei 10.637/02 - PIS e lei 10.833/03 - COFINS), mais de 5.000 normas foram editadas apenas visando regulamentar tais tributos.
O CTN sobreviveu em seus 218 artigos (incluindo as disposições transitórias) às mudanças de sistemática de alguns tributos, como foram o antigo ICM, o ISS, entre outros, mas continuou a regrá-los na essência de suas linhas gerais, cumprindo seu papel precípuo de lei complementar. Sobreviveu, com a promulgação da CF 88, à entrada em vigor do maior sistema tributário constitucional do mundo.
A clareza do Codex era de tanta mestria que até novas figuras tributárias então criadas foram afastadas do mundo jurídico pois a tecnicidade do CTN diversas vezes não deixava dúvidas quanto à incongruência dos novos "modelos" tributários que surgiram. Assim foi o caso do Adicional de Imposto de Renda Estadual (AIRE), o IVV, cuja base de cálculo instituída pelos Municípios foi rechaçada pelo STF o que levou à extinção do mesmo pela EC 03/93, a própria introdução da progressividade antes da EC 29/00 para o IPTU, entre tantos outros.
A completude da definição de fato gerador protegeu o contribuinte diversas vezes durante décadas de intentos do Fisco como foi o caso da contribuição previdenciária incidente sobre autônomos e avulsos, o conceito de receita bruta e faturamento sem previsão constitucional quando da promulgação da lei 9.718/98, a ausência de acréscimo patrimonial para fins de inúmeras tentativas de tributação através do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, o conceito de circulação de mercadoria, do fato gerador do imposto de importação, e um sem número de questões que bateram às portas do Judiciário e este, para resolvê-las, debruçava-se nas linhas do CTN, de onde achava a linha condutora de sua decisão.
O que faz deste Código, que teve sua gênese no início da década de 1950 através dos estudos capitaneados pelo mais que notável Rubens Gomes de Souza, manter-se como porto seguro diante do tsunami normativo tributário nacional, a ponto do Secretário da Receita Federal do Brasil reconhecer que "apesar das discussões atuais sobre reforma tributária, o CTN é ainda a diretriz exemplar que confere segurança jurídica ao sistema tributário brasileiro?"1
Talvez o elemento que mais salta aos olhos quando se analisa a evolução histórica dos trabalhos que culminaram com e promulgação da lei 5.172/66, seja a obstinação pela perfeição jurídica, pela tecnicidade de seu corpo de normas, pelo debate científico que tirava a capa da vaidade e fazia ciência com a verdade. Por um documento redigido, debatido e construído ao longo de anos por estudiosos da matéria, idealistas que possuíam uma só intenção: conferir ao Brasil um verdadeiro sistema tributário normativo, antes mesmo do direito tributário ter nascido nas cadeiras acadêmicas!!!
Desde a instituição em 1953, pelo então Ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, de uma Comissão de notáveis, composta pelo prof. Rubens Gomes de Sousa e pelos funcionários técnicos do Ministério, Afonso Almiro Ribeiro da Costa, Pedro Teixeira Soares Júnior, Gerson Augusto da Silva e Romeu Gibson, conferindo-lhes a tarefa de criar um projeto de CTN, os trabalhos não cessaram. A intenção de que a tarefa atribuída lograsse êxito era tão grande que o próprio Ministro Aranha, na própria Resolução que criava a Comissão, já determinava que a mesma tomaria por base o anteprojeto de Rubens Gomes, conferindo ao jurista a atribuição de dar a maior divulgação possível de seu trabalho a toda Administração Pública e entidades da sociedade.
Juan Carlo Luqui, em seu artigo "PROJETO DE CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL DO BRASIL"2 ilustra bem o esmero dos trabalhos da Comissão:
"Em 70 reuniões durante oito meses de trabalho, de setembro de 1953 a maio de 1954, a comissão procedeu da seguinte maneira: em uma primeira etapa, coincidindo com o prazo de 90 dias estabelecido para o oferecimento de sugestões, o anteprojeto Gomes de Sousa foi analisado artigo por artigo e confrontado com a legislação vigente, com a doutrina e com o direito comparado. Em uma segunda etapa, de janeiro a abril de 1954, a comissão procedeu a um novo exame do anteprojeto, desta vez levando em conta as 1.152 sugestões recebidas, classificadas segundo os dispositivos a que se referiam. Concluído o trabalho designou o prof. Gomes de Sousa para seu relator geral e durante o mês de maio foi discutido e votado o texto definitivo, que foi em seguida submetido pelo Ministro da Fazenda, em julho de 1954, ao Presidente da República, e por este ao Congresso no decurso do mês seguinte. Dessa forma, dentro de um ano o Poder Executivo preparou de maneira orgânica o exercício da faculdade constitucional atribuída à União para legislar sobre "Normas Gerais de Direito Financeiro".
Vale ainda ressaltar as palavras de Luqui3 sobre o ambiente da Comissão:
"É de se sublinhar que os membros da comissão agiram com unidade de critério, sem embargo de que um deles fosse o autor do anteprojeto que servira de base aos trabalhos, anteprojeto esse que não foi integralmente aceito pela comissão. Tal atitude demonstra o elevado espírito dos autores do projeto, os quais, longe de se obstinarem por fazer preponderar seus pontos de vista individuais, evidenciaram o firme propósito de encontrar soluções admissíveis por todos".
Do projeto resultante da Comissão, passando pela análise do IBDF, hoje ABDF, contribuição de numerosos juristas do mais alto escol, pelo trâmite legislativo que teve na figura de Aliomar Baleeiro seu principal condutor, fazendo-o com sua excepcional "mestria e maestria", vem ao mundo jurídico a lei 5.172/66 documento que traz com excelência as normas gerais de Direito Tributário.
Passados 50 anos o CTN continua atual e pronto para enfrentar e se adaptar aos desafios do século XXI., onde o direito tributário caminha para a normatividade globalizada. Mas qual o "por quê" de tamanha magnitude deste Codex? Difícil enumerar todas as razões, mas definitivamente, alguns dos principais motivos sejam os que estão faltando aos agentes normativos da atualidade: tecnicidade jungida à eficiência, visão multidisciplinar do direito tributário, reflexão, debate científico e acima de tudo um idealismo pela ciência do Direito como instrumento para uma sociedade melhor e mais justa!
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1 VINICIUS, Christian. Código Tributário Nacional completa 50 anos. Disponível em https://sesconfloripa.org.br/sescon-informa/codigo-tributario-nacional-completa-50-anos/ (último acesso 26/10/16).
2 LUQUI, Juan Carlo. O projeto de Código Tributário Nacional do Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 44, p. 540-547, jan. 1956. ISSN 2238-5177. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/15916>. Acesso em: 26 Out. 2016. doi:https://dx.doi.org/10.12660/rda.v44.1956.15916.
3 Idem
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*Rogério Vidal Gandra da Silva Martins é advogado do escritório Advocacia Gandra Martins.