A ilegal responsabilização solidária dos contribuintes investidores no FINOR/FINAM
Os valores destinados ao FINOR e ao FINAM, frise-se, eram aplicados pelo próprio fundo, via de regra, sob a forma de subscrição de debêntures conversíveis em ações ordinárias ou preferenciais, de emissão das empresas beneficiárias.
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Atualizado em 26 de outubro de 2016 08:36
Tem se tornado recorrente nos últimos tempos a ilegal tentativa das autoridades fazendárias federais em responsabilizar solidariamente contribuintes investidores por dívidas advindas de alegado desvio de recursos de Fundos Regionais por empresas investidas/beneficiárias nas regiões Norte e Nordeste, muito embora tal responsabilização deva obedecer procedimentos específicos e se limite a hipóteses restritas e expressamente previstas na legislação.
A esse respeito, é importante lembrar que a lei 8.167/91, reestabeleceu a faculdade da pessoa jurídica optar pela aplicação de parcelas do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica ("IRPJ") devido ao Fundo de Investimento do Nordeste ("FINOR") ou ao Fundo de Investimentos da Amazônia ("FINAM"), fundos estabelecidos com a missão fundamental de assegurar os recursos necessários à implementação de projetos considerados pelas autoridades administrativas como de interesse para o desenvolvimento daquelas regiões.
De acordo com a legislação que rege a matéria, posteriormente à confirmação pela Receita Federal do Brasil ("RFB") de que os investidores preenchiam todos os requisitos para optar pela destinação de parte do seu IRPJ ao FINOR ou ao FINAM, era emitido um "Certificado de Investimento", representativo de quotas do Fundo, em favor dos contribuintes optantes.
Os valores destinados ao FINOR e ao FINAM, frise-se, eram aplicados pelo próprio fundo, via de regra, sob a forma de subscrição de debêntures conversíveis em ações ordinárias ou preferenciais, de emissão das empresas beneficiárias (i.e., empresas localizadas nas regiões beneficiadas que tinham projetos de interesse regional aprovados pelas autoridades competentes e, pois, recebiam recursos daqueles fundos para a implementação e operação dos respectivos projetos). Relevante destacar, ainda, que salvo hipóteses específicas (como, por exemplo, a possibilidade de aplicação de recursos direcionada à empresa coligada, com base no artigo 9º da lei 8.167/91), as empresas investidoras não tinham qualquer relação prévia com as empresas beneficiárias.
Decorridos muitos anos desde a opção realizada com base naquela legislação (revogada, neste particular, desde a edição da MP 2.165-5/01), diversos contribuintes têm sido surpreendidos agora com a cobrança solidária, via Execução Fiscal, de dívidas advindas do alegado desvio de recursos pelas empresas beneficiárias, mesmo que não tivessem, pela própria sistemática do benefício, qualquer ingerência sobre a destinação efetiva daqueles valores.
Tal cobrança, no entanto, esbarra em ao menos dois óbices legais que não podem ser ignorados. Em primeiro lugar, verifica-se que, no mais das vezes, a cobrança executiva intentada pelas autoridades fazendárias não foi precedida pelo devido procedimento administrativo, no qual tenha sido oportunizada aos contribuintes que destinaram parte do seu IRPJ àqueles fundos o devido contraditório e a ampla defesa, de forma a demonstrar os motivos que possam eventualmente afastar tal responsabilização.
No entanto, é cediça a necessidade de instauração do competente processo administrativo antes da inscrição do débito em dívida ativa, no qual deve ser respeitado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, de forma a garantir a validade do título executivo a ser futuramente constituído pela União Federal, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso IV) e na legislação federal (de forma genérica, nos artigos 26 a 28 da lei 9.784/99 e, especificamente, no artigo 13 da lei 8.167/91) e reconhecido, como não poderia deixar de ser, por nossos Tribunais Superiores.
Assim, a inscrição em dívida ativa embasada em processo administrativo que não tenha oportunizado o pleno direito de defesa aos interessados (inclusive aos supostos devedores solidários) não pode embasar a cobrança desses supostos créditos e é, portanto, nula de pleno direito, sob pena de violação às garantias constitucionalmente asseguradas ao contraditório e à ampla defesa.
Ademais, ainda que inexistisse qualquer ofensa à ampla defesa e contraditório em determinado caso concreto, para a responsabilização dos contribuintes optantes por destinar parte do seu IRPJ àqueles Fundos Regionais seria ainda necessário verificar se tais contribuintes têm qualquer relação com o crédito demandado, sendo inadmissível a sua responsabilização pelo simples fato de ter usufruído de uma faculdade legal com relação a uma parcela de seu imposto de renda devido.
Nesse exato sentido, vale ressaltar que, nos termos do artigo 5º da lei 8.167/91, era o próprio Fundo que aplicava os recursos decorrentes das parcelas de IRPJ, sob a forma de subscrição de debêntures conversíveis em ações, de emissão das empresas beneficiárias. Assim, não há como se falar em utilização indevida dos recursos do FINOR/FINAM por parte dos contribuintes que fizeram tal opção, uma vez que apenas destinaram tais recursos aos Fundos em questão. As reais beneficiárias desses recursos - únicas capazes, por questão lógica, de "utilizar indevidamente estímulos fiscais" ou "desviar tais recursos" - foram as próprias empresas daquelas regiões que receberam tais aportes.
Ademais, não se pode deixar de registrar que nos termos expressos do artigo 17 da lei 8.167/91 "considerar-se-ão solidariamente responsáveis pela aplicação dos recursos dos fundos liberados pelos bancos operadores e recebidos a partir da data da publicação desta lei a empresa titular do projeto e seus acionistas controladores". Em relação a este ponto, é relevante destacar que nos termos do artigo 116 da lei 6.404/76 ("Lei das S.A's"), "entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia".
Desta forma, a não ser que seja possível comprovar que os contribuintes investidores tinham participação relevante no capital social da empresa regional investida e/ou poder de gestão sobre os atos desta empresa, a própria legislação afasta a possibilidade irrestrita de sua responsabilização solidária na forma como tem sido tentada pelas autoridades administrativas. Portanto, caso tais contribuintes sejam alheios a qualquer ato de gestão e, principalmente, ao suposto desvio de recursos que possa ter sido verificado pelas autoridades administrativas competentes, não restam dúvidas que - por qualquer perspectiva que se observe - os reclamados créditos decorrentes desses desvios não lhes poderão ser imputados.
Enfim, em que pese o difícil momento econômico vivido pelo País, não é possível admitir que cobranças como as ora relatadas sejam mantidas. O caminho fácil buscado pelas autoridades fazendárias, querendo responsabilizar contribuintes solventes de boa-fé que apenas optaram por exercer uma faculdade a eles permitida pela legislação - mesmo diante das prováveis dificuldades práticas em localizar bens ou patrimônio das empresas beneficiárias, reais responsáveis pelos alegados desvios de recursos -, esbarra na CF e na legislação aplicável e, portanto, não poderá ser admitida. Caberá, então, a cada contribuinte quando demandado pelas autoridades fazendárias federais, exercer a sua plena defesa na esfera judicial.
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*Mauro Berenholc é advogado e sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Diego Caldas R. de Simone é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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