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Sobrevivendo por aparelhos e em estado vegetativo

Além de cominações de penalidades sem limites claros e objetivos, revelando um emaranhado de regras dissociadas de princípios, com uma única saída: a edição de um Código Tributário Nacional.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Atualizado em 24 de outubro de 2016 09:38

Nos próximos dias o Código Tributário Brasileiro completa 50 anos de vigência. A lei 5.172/66, tida à época como uma das legislações mais modernas, ao regulamentar a Emenda Constitucional 18/65, instituiu o sistema tributário nacional, contendo normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

Era imperioso que a legislação cuidasse de modo sistemático das espécies tributárias, antes inseridas num contexto esparso e complexo, cujas taxas usurpavam competências de impostos, no qual fatos geradores de contribuições eram comumente confundidos com os de impostos, além de cominações de penalidades sem limites claros e objetivos, revelando um emaranhado de regras dissociadas de princípios, com uma única saída: a edição de um Código Tributário Nacional.

Rubens Gomes de Sousa capitaneou o anteprojeto, objeto de revisão pelos juristas Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende e Carlos Rocha Guimarães, contando com as valiosas lições de Amílcar de Araújo Falcão, e especialmente numa interface institucional com o Congresso Nacional, do mestre Aliomar Baleeiro. Vários especialistas fizeram parte deste projeto, não somente com textos escritos, mas sobretudo por participarem ativamente da subcomissão de tributos, vinculada à Comissão de Orçamento, Sistema Financeiro e Tributos, que fomentou a CF/88.

Sem dúvida o sistema tributário brasileiro vinha ganhando maturidade, especialmente pela natureza principiológica traçada pela CF editada em 1988, quando recepcionou o arcabouço normativo tributário. A leitura do momento histórico nos conta que aquele diploma legislativo teria conseguido apresentar os alicerces da construção de uma teoria do tributo e das novas bases para a relação entre fisco e contribuinte.

Ao longo de sua trajetória, contudo, o CTN foi sendo esquartejado e legislações esparsas foram sendo editadas em suplementação e complementação ao sistema em vigor. Já em 1989, o conhecido tributarista Alfredo Augusto Becker cunhou a famosa expressão "Carnaval Tributário", assustado com a quantidade e variedade de tributos, na maioria dos casos silenciosos, ao contrário dos foliões carnavalescos.

Esses tributos entram tão na surdina de nossos bolsos que as pessoas não conhecem nem de longe todos eles, hoje classificados em variadas espécies e "cobradores". No bloco carnavalesco o abre-alas cabe à União, que desfila na avenida travestida de inúmeras fantasias assombrosas (IRPF, IRPJ, CSLL, IPI, II, IE, INSS, entre outros). Pode-se imaginar também uma espécie de mestre-sala e porta-bandeira, com a União e suas estatais na figura do casal que executa um bailado especial com graciosidade, trajado com a mais fina estampa típica do século XVIII, porém "carnalizados", com uma quantidade exagerada de cores e enfeites, também rotulados de hipóteses de incidência, alíquotas e bases de cálculo, das mais variantes castas.

Na passarela temos a ala de passistas, ala das baianas e a galeria da velha guarda. Aí vem os estados e os municípios com o imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores, o imposto sobre transmissão inter vivos de bens e imóveis e de direitos reais a eles relativos, além claro do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o imposto sobre serviços de qualquer natureza e por aí vai, no compasso de um samba-enredo desritmado e desorquestrado. Tem uns que sequer foram regulamentados mas continuam lá assombrando alguns, é o caso do imposto sobre grandes fortunas, como numa fantasia de saci-pererê, ou numa versão mais jovem de pokémon.

Estima-se que no Brasil haja mais de duzentas variedades de tributos, desde os já mencionados até as mais variadas taxas como de coleta de lixo, de combate a incêndios, conservação e limpeza pública, controle e fiscalização ambiental, de marinha, de serviços metrológicos e tantos incansáveis outros que o artifício humano puder criar para aumentar a arrecadação em troca da manutenção da ineficiência, da corrupção, da inoperância do sistema burocrático-administrativo brasileiro.

Não há o que comemorar. Infelizmente nosso Código Tributário Brasileiro celebra seus cinquenta anos de vida, dando de presente aos contribuintes um sistema obsoleto, desestimulante ao empresariado e contributivo à formação de uma guerra fiscal, e, mais do que nunca, regressivo, cuja parcela mais pobre da sociedade compromete mais da metade de sua renda com tributos, aumentando o fosso da desigualdade social no país. Vamos apagar as velinhas silenciosamente, sem parabéns, porque o paciente encontra-se em estado vegetativo e no leito de uma UTI.
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*Eduardo Muniz M. Cavalcanti é advogado e procurador do DF, sócio do escritório Bento, Muniz & Monteiro Advocacia.

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