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Plano de Recuperação Judicial - Assembleia Geral de Credores - Supressão de garantias

A insurgência que levou o recurso ao tribunal superior teve origem, como diz o acórdão, na particularidade de que a assembleia geral de credores aprovou, sem qualquer ressalva, a supressão das garantias reais e fidejussórias.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Atualizado em 17 de outubro de 2016 10:10

Quer parecer que redobrada atenção deve ser dada ao julgamento do REsp 1.532.943 - MT (2015/0116344-4), de 13 de setembro de 2016, oriundo da 3ª turma do STJ, cuja ementa assim reza:

"RECURSO ESPECIAL. CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. POSSIBILIDADE, EM TESE. PREVISÃO DE SUPRESSÃO DAS GARANTIAS FIDEIJUSSÓRIAS E REAIS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DEVIDAMENTE APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VINCULAÇÃO, POR CONSEGUINTE, DA DEVEDORA E DE TODOS OS CREDORES, INDISTINTAMENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO."

A insurgência que levou o recurso ao tribunal superior teve origem, como diz o acórdão, na particularidade de que a assembleia geral de credores aprovou, sem qualquer ressalva, a supressão das garantias reais e fidejussórias, nos seguintes termos de "premissa", de número 4, constante do plano de recuperação:

"Uma vez aprovado o presente plano, ocorrerá a supressão de todas as garantias fideijussórias e reais existentes atualmente em nome dos credores a fim de que possa a recuperanda se reestruturar e exercer suas atividades com o nome limpo, tanto da sociedade quanto de seus sócios, tendo em vista a NOVAÇÃO pela aprovação do plano".

O recurso especial, provido por maioria (relator ministro Marco Aurélio Bellizze, acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino, vencido o ministro João Otávio de Noronha e impedido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva), acabou por reconhecer "que a 'premissa 4', inserta no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral, deve ser observada pelas devedoras e todos os credores, indistintamente" (sublinhou-se).

São substanciosos os votos ali proferidos, no sentido de discutir o alcance da submissão da decisão assemblear que votou pela supressão daquelas garantias: todos os credores da devedora, indistintamente, ou os credores da devedora, excepcionados os credores ausentes à assembleia geral de credores, os credores presentes que se abstiveram de votar e os credores presentes que votaram contra a aprovação do plano.

O voto condutor, majoritário, é pela submissão de todos os credores, indistintamente, por representar a vontade soberana, e lícita, dos credores reunidos em assembleia geral, inobstante ou justamente por conta do quanto disposto nos artigos 49, 50 e 59, em seus diversos parágrafos, da lei 11.101/05.

Da mesma forma, o voto dissidente, ambos corpulentos de dezenas de páginas e cujas leituras recomendam-se, assim como os votos que acompanharam a relatoria.

Mas, nestas poucas linhas, sem entrar no mérito da decisão propriamente dita e dos demais tópicos que a compõem, igualmente relevantes e a também ensejar reflexão, permito-me analisar, apenas, o que significaria tomar ao pé da letra (ou, pelo menos, desavisadamente) a ementa de um acórdão que, em princípio, sufraga a redação de uma 'premissa' (ou de uma cláusula ou de um artigo) de um plano de recuperação com a amplitude do que se lê acima, naquela Premissa 4.

De sua simples leitura, tal como resulta da ementa, poderia parecer que todas as garantias reais e fideijussórias, independentemente de quem as concedeu, em nome de todos os credores, indistintamente, ficam suprimidas a partir da aprovação do plano de recuperação judicial (e por conta de novação), de modo a permitir que a sociedade devedora possa se reerguer e voltar a exercer suas atividades de nome limpo, assim como seus sócios (interessante a menção aos sócios nessa 'premissa', como se também destinatários da supressão).

Deixando de lado a aparente falta de coerência entre uma coisa e outra (supressão de garantias - reerguimento da sociedade - sócios - nomes limpos), salta aos olhos o quão vaga e, portanto, o quão ampla é, ou pode vir a ser, essa supressão de garantias.

Ao dizer que são todas as garantias reais e fideijussórias em nome dos credores, essa premissa não está querendo abarcar garantias outorgadas pela devedora e por terceiros (desde que estejam "em nome dos credores")?

Tal presunção não se reforça ao dizer, essa mesma premissa, que a supressão pretende "limpar" o nome dos sócios da devedora (presumivelmente, ao suprimirem-se as garantias que deram)?

Seria possível, então, admitir-se que o STJ permite que credores, reunidos em assembleia geral, decidam, indistintamente e por maioria indistinta de votos, se garantias detidas por uma minoria desses credores, porém outorgadas por terceiros possam, ou devam, ser suprimidas pela vontade da maioria dos credores?

Ou seja, seria lícito, legal (teria ela legitimidade), que a maioria de credores sem garantias outorgadas por terceiros decidisse que a minoria com garantias outorgadas por terceiros tenha que a elas renunciar (?), para viabilizar o reerguimento da devedora (?), para limpar o seu nome (?) e de seus sócios (?), simplesmente porque estariam fazendo prevalecer o interesse da maioria (sem garantias de terceiros) sobre o interesse da minoria (com garantias de terceiros)?

Não, não é possível, nem lícito e nem legal (e tal maioria não tem legitimidade para tanto), e, simplesmente, a ementa não reflete tal conclusão com a clareza que deveria, muito mais por se tratar de assunto de tal importância (novamente, sem entrar no mérito dos outros temas envolvidos naquele julgamento, de igual relevância).

A rigor, o voto condutor, inicialmente, refletia entendimento claudicante sobre o tema, com o devido respeito, bastando que se veja o quanto dito às fls. 13/54 do mencionado acórdão.

Entretanto, após exarado o voto divergente, houve ratificação de voto do ministro Relator, que, às fls. 37/54, procura deixar claro algo que, como dito, parecia titubeante na manifestação original (assim como na ementa que circula mundo jurídico afora), fazendo-o, então, da seguinte forma:

"Portanto, nesse ponto, ressalte-se que 'o prosseguimento das execuções e ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia, cambial, real ou fideijussória', de modo algum é comprometido pela aprovação do plano de recuperação judicial que venha a suprimir, deliberadamente, as garantias reais e fideijussórias, pois, como assinalado, vincula apenas às partes envolvidas (devedor em recuperação e credores)".(sublinhou-se)

Espera-se, dessa forma, e sem que se entre no mérito da decisão desse REsp como um todo, até mesmo pela existência de voto dissidente e de Ministro impedido que não pode externar sua opinião - o que deixa entrever que esse debate pode não estar encerrado - que não se dê à ementa, com a devida vênia e acatamento, uma interpretação apressada ou demasiada ousada, sem que se atente, com a cautela necessária, para a integralidade do acórdão.

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*Domingos Fernando Refinetti é advogado, sócio de Stocche Forbes Padis Filizzola Clápis Passaro Meyer e Refinetti - Sociedade de Advogados.


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