Sigilo da fonte e garantia constitucional
Não há dúvida de que tal proteção deve ser respeitada por todas as autoridades do Poder Judiciário.
terça-feira, 18 de outubro de 2016
Atualizado em 17 de outubro de 2016 07:44
O que estabelece a CF está acima da esfera de ação das autoridades? Em outros termos, as garantias fundamentais devem ser respeitadas por todos os brasileiros, inclusive pelos que exercem cargos e funções nos mais altos níveis do poder? Ou não?
A resposta é evidentemente positiva. O Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito à lei e à CF, que é a suprema lei do país. A Carta Política, promulgada em nome e pelo povo brasileiro, é o conjunto de mandamentos com princípios e regras a serem cumpridas por todos.
No dia 7 de outubro, foi divulgada a decisão da juíza da 12ª Vara Federal de Brasília, que determinara a quebra do sigilo telefônico de Murilo Ramos, colunista da revista Época. A ordem judicial visava identificar uma das fontes do jornalista, na matéria que revelara contas secretas na Suíça. A juíza acolheu pedido do delegado João Quirino Florio. Segundo a decisão, "verifica-se a razoabilidade e a necessidade da medida investigativa proposta, especialmente porque o jornalista que poderia identificar a pessoa que lhe forneceu as informações sigilosas, recusou-se a fazê-lo, alegando o direito de preservar o sigilo da fonte".
Diante da fundamentação utilizada, cabe a pergunta: o direito de preservar o sigilo da fonte não está previsto no art. 5º, inciso XIV da CF? Não é ele quem estabelece ser assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional? E a recusa do jornalista não está autorizada pelo seu Código de Ética1?
A flagrante inconstitucionalidade causou enorme repercussão. Já no dia seguinte, a ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas), a ABERT (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) afirmaram que "não há jornalismo e nem liberdade de imprensa sem sigilo da fonte, pressuposto para o pleno exercício do direito à informação". De igual forma, a OAB, em nota oficial, considerou inaceitável a violação à garantia constitucional, afirmando que não se combate o crime cometendo outro crime.
De fato, nem mesmo gravidade do crime pode ser justificativa para a violação do sigilo da fonte. Valem aqui as prudentes palavras de Ruy Barbosa: "quanto maior a enormidade do crime, maior a precaução no julgar"2.
Não há dúvida de que tal proteção deve ser respeitada por todas as autoridades do Poder Judiciário. Em recente julgamento, o STF, por seu decano, ministro Celso de Mello, reiterou que a prerrogativa do jornalista de preservar o sigilo da fonte é oponível a qualquer pessoa, inclusive aos agentes e autoridades do Estado (Rcl 21504 AgR/SP, j. 17.11.15).
Diante da flagrante inconstitucionalidade, a ANER impetrou habeas corpus perante o TRF da 1ª Região, o qual deverá se pronunciar nos próximos dias.
O lamentável episódio não pode se repetir e muito menos ganhar jurisprudência. O sigilo da fonte é irmão siamês da liberdade de informação. Tal liberdade pressupõe os direitos de informar, de se informar e de ser informado, sem os quais não há Estado de Direito e muito menos democracia.
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1 Art. 8o - Sempre que considerar correto e necessário, o jornalista resguardará a origem e identidade das suas fontes de informação.
2 MATOS, Miguel. Migalhas de Rui Barbosa. Vol. I, 1ª ed. São Paulo: Migalhas, 2010, 224.
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*René Ariel Dotti é advogado do Escritório Professor René Dotti.
*Rogéria Dotti é advogada do Escritório Professor René Dotti.