Vaquejada: ameaçada, discriminada e incompreendida
A tradicional festa popular nordestina encontra-se em julgamento iminente pelo STF para decidir sobre sua constitucionalidade diante a acusação de ser evento que implica tortura e maus-tratos aos animais.
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
Atualizado em 21 de setembro de 2016 09:46
A tradicional festa popular nordestina da vaquejada encontra-se em julgamento iminente pelo STF, para decidir sobre sua constitucionalidade diante a acusação de ser evento que implica tortura e maus-tratos aos animais, o que acontecia em diversas outras festividades populares com a participação de animais, a exemplo da Rinha de Galo e da Caça ao Boi, hoje corretamente proibidas em todo o Brasil.
Neste sentido, a tradição cultural da vaquejada, como festa popular de grande preferência pela população no Nordeste e que não implica em maus-tratos, tortura ou morte de animais, deve prevalecer como saudável manifestação festiva regional brasileira, e constitui bem cultural popular e histórico já incorporado ao patrimônio cultural do povo nordestino.
A vaquejada é uma modalidade de esporte próprio da vida rural eis que, a exemplo do hipismo e do turfe, envolve a participação conjunta do homem (ou mulher) e do animal, no caso da vaquejada, do cavalo e do boi simultaneamente. Os cavaleiros competem em duplas, cavalgando seus equinos cuidadosamente arriados, correm em uma raia de aproximadamente 100m de comprimento com piso macio, objetivando derrubar o garrote ou touro que parte celeremente da porteira de saída, buscando, de certa forma, fugir de sua prisão e devendo ser derrubado pelo vaqueiro mediante puxada pelo rabo até o limite final da pista. Ao lado dessa pista, acomodam-se os torcedores sentados em camarotes e estruturas sobrepostas, torcendo por seus favoritos e até as festividades de música, comidas e danças após a competição equestre.
Muito diferente é o que se passava com a "Rinha de Galo" e a "Farra do Boi", que expõem os animais apenas a cenas de violência e morte, tradições de culturas bárbaras e que a atual ética da paz e do respeito à vida não comporta. Muito justa e oportuna a proibição desses espetáculos de violência e morte cruel aos animais. Diferente e muito, é o caso da vaquejada.
Na vaquejada não se mata ou se fere o animal. Antes, o garrote é também objeto de admiração dos expectadores, que exigem que sejam animais normalmente machos, jovens, sarados e velozes, capazes de fugir e escapar da destreza do cavalo e do vaqueiro na rinha de corrida de distância limitada, e desaprovando qualquer forma de brutalidade com os animais. A vaquejada restaura também a prática de uma cultura tipicamente nordestina de pastoreio, busca e recolhimento da rês tresmalhada, cuja criação se fazia livremente nos campos sem cercados dos sertões nordestinos, e cujo recolhimento periódico para arraçoamento em cocho ou currais de contenção utilizando palma forrageira e outras plantas xerófilas nas épocas das secas tão comuns nesta região.
Gilberto Freire dizia que os grandes mitos humanos históricos do nordeste brasileiro são dois: o jangadeiro do litoral e o vaqueiro do sertão. O jangadeiro, senhor de sua jangada de madeira leve e que ele mesmo construiu, aberta ao vento, com vela de pano simples que ele maneja, saindo pelas manhãs singrando por mares às vezes revoltos, para a pesca artesanal para venda ao mercado consumidor e sustento de sua família. O vaqueiro, montado a cavalo, penetrando indômito e veloz os campos inóspitos, na busca de bois às vezes bravios e perdidos em áreas desérticas do sertão nordestino, cobertas de vegetação arbórea de pequeno porte, como a catingueira e o umbuzeiro, ou arbustiva e espinhosa, ou ainda de cactáceas e bromeliáceas.
Nesse trabalho, impunha-se ao vaqueiro habilidade na montaria, destreza, coragem, trabalho e, sobretudo, seu dever profissional, que ele encarava como dever moral, de trazer a rês tresmalhada sã e salva para o curral de controle e arraçoamento de salvação. Essa é a origem histórica da vaquejada nordestina, hoje transformada em festa popular, associando a apresentação do espetáculo de pega e derrubada do boi, e a beleza dos cavalos, normalmente da raça Quarto de Milha, possantes, velozes na partida e, também, com a perícia do vaqueiro, a sanidade, beleza e velocidade dos garrotes para a corrida competitiva.
Vaquejada é forma celebração interativa de vivência histórica recente e ainda bem presente na memória e na vida rural nordestina. É, sobretudo, um ato social festivo e socialmente integrativo, um espetáculo de beleza estética e de expressão autêntica da nossa cultura popular, complexo de esporte, música, dança, aproximação humana e comidas típicas regionais.
E, repita-se, nada existe ali de condenável como manifestação de violência e desprezo pelos animais, como ocorre nas Rinhas de Galo, Farra do Boi ou nas famosas "Touradas de Madri", onde os bois são torturados e mortos, gratuitos e covardemente. Nada disso ocorre em nossa vaquejada.
Importante destacar que houve também, um nos últimos anos, um forte e inegável aprimoramento disciplinar e organizacional nessa prática desportiva, como no tocante à sua programação, controle oficial, organização econômica e disciplina regulamentar, principalmente, quanto à proteção da saúde e do bem-estar dos animais envolvidos no desporto.
Impõe-se, licença prévia e autorização da Administração Pública competente, onde são apresentadas e registradas, inclusive, as regras que tratam da escolha, tipificação, alojamento, alimentação e tratamento dos animais, e que todos esses sejam adequadamente preparados, e, ainda, com estipulação da raça, idade, condições de sanidade, bem como as regras, práticas recomendadas e toleradas para a realização do espetáculo, com a proibição de qualquer forma de maus-tratos.
Destarte, como já mencionado, nas competições oficiais, não é jamais permitido qualquer tipo maus-tratos ou agressão despropositada aos animais, tanto aos cavalos quanto nos bois envolvidos na prática desportiva. Qualquer tipo de agressão que possa configurar maus-tratos, como usar esporas afiadas que possam eventualmente causar lesão aos cavalos, ou mesmo açoitar cruelmente o cavalo, enseja imediata desclassificação do desportista da prova.
Assim, a vaquejada é um espetáculo esportivo e uma festa popular que se evidencia também como autêntica expressão da rica diversificação cultural das diversas macrorregiões do Brasil, nada incorrendo em práticas de vilipêndio, tortura ou morte de animais e já incorporada ao admirável patrimônio cultural nordestino e brasileiro.
Finalmente, frisa-se ainda, que esta sadia e alegre manifestação, típica do povo do nordeste brasileiro, é louvada e tem participação da população interiorana regional e é cantada amplamente em prosa e verso em toda a Região. Assim, as aventuras e saga das vaquejadas são louvadas e cantadas pelos conhecidos repentistas e cantadores regionais, como por artistas de projeção midiática nacional, a exemplo de Luis Gonzaga e do famoso grupo musical pernambucano, o Quinteto Violado.
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*Adalberto Arruda Silva Júnior é advogado do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados - filial Recife/PE. Engenheiro florestal, membro da Comissão de Meio Ambinete da OAB/PE. Produtor rural e ex-corredor de vaquejada.