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WhatsApp e a Caixa de Pandora

Há a necessidade de conjugarmos o combate à criminalidade com a proteção aos dados dos usuários, essenciais para a própria segurança pública.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Atualizado em 17 de agosto de 2016 09:19

Nos últimos meses, estamos presenciando disputas jurídicas entre grandes empresas de tecnologia, como a Apple e o Facebook, e o poder judiciário, seja no Brasil ou nos EUA, em virtude de decisões que determinam que essas empresas forneçam informações de usuários de aplicativos como o WhatsApp. A análise superficial pode levar à conclusão de que essas empresas estão apenas buscando descumprir decisões judiciais com o objetivo de promover suas atividades empresariais.

A primeira impressão, entretanto, não apreende a totalidade do problema. O que é debatido nesses casos é o equilíbrio entre a proteção à privacidade e a proteção à segurança pública em tempos de insegurança generalizada e ameaças à privacidade. Os juízes, com o objetivo de combater o crime organizado e o terrorismo, emanam ordens determinando que empresas detentoras de aplicativos forneçam informações, mensagens, entre outros dados de seus usuários, através da criação de mecanismos alternativos (backdoors) para burlar os sistemas de segurança, sob pena de bloqueio dos aplicativos.

Uma vez criado o mecanismo para burlar um sistema de segurança, especialistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) garantem, não há como evitar que essas backdoors possam ser usadas por governos autoritários ou outros hackers mal-intencionados que desejem acessar informações sigilosas. Assim, ao alcançar as informações ao judiciário através de backdoors, as empresas estariam gerando possivelmente externalidade em relação a privacidade, segurança pública e liberdade de expressão.

O caso americano mais famoso é o da disputa entre a Apple e o FBI (Federal Bureau of Investigation) relativo às informações de um iphone utilizado por um dos dois terroristas acusados de assassinar 14 pessoas na localidade de San Bernardino/EUA. O FBI requisitou que a Apple criasse um mecanismo para evitar o funcionamento de uma solução de segurança que apaga todas as informações do aparelho caso a senha seja inserida 10 vezes de forma equivocada. A solução de segurança, se ativada, inviabilizaria a utilização de softwares de quebra de senha e, consequentemente, o acesso às informações relevantes para a investigação do atentado. O caso perdeu sua utilidade quando uma empresa de segurança ofereceu o serviço para criar o mecanismo desejado pelo FBI.

No mês passado, o Diretor da NSA (National Secutiry Agency) informou que a agência não conseguiu encontrar um mecanismo para burlar a solução de segurança da Apple, pois, apesar do iphone ser o celular mais popular nos EUA, não é objeto de análises detalhadas da agência por não ser um dos smartphones mais utilizados pelos criminosos. O caso ficou famoso, também, pois os EUA não têm uma legislação específica tratando do dever das empresas de fornecer mecanismos para acesso aos dados protegidos de seus aplicativos.

No Brasil, o caso mais recente é o do bloqueio do WhatsApp. Uma juíza de da Comarca de Duque de Caxias/RJ notificou em três oportunidades o Facebook, empresa titular do aplicativo WhatsApp, para interceptar mensagens a fim de instruir uma investigação policial. A empresa teria se limitado a responder através de um e-mail em inglês dizendo que não poderia cumprir a decisão por impossibilidades técnicas.

Devido ao não cumprimento da decisão, a juíza, então, ordenou o bloqueio do aplicativo em todo Brasil. O bloqueio, posteriormente, foi suspenso por decisão do Ministro Ricardo Lewandowiski, Presidente do Supremo Tribunal Federal, em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) ajuizada pelo PPS (Partido Popular Socialista) que visa declarar a ilegalidade dessas medidas de bloqueio em decorrência de violação ao princípio da liberdade de expressão previsto no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal.

A decisão do Ministro Lewandowisk foi acertada ao fundamentar a suspensão da decisão da juíza da de Duque de Caxias/RJ na desproporcionalidade da medida de bloqueio geral do aplicativo que afeta a liberdade de expressão e comunicação de toda a população. A medida não passa pelos exames da proporcionalidade, pois não é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, já que existem opiniões contundentes de especialista da área de TI que garantem que essas medidas poderão acarretar uma série de externalidades em relação a privacidade, segurança pública e liberdade de expressão, tais como a utilização dessas backdoors por hackers ou por governos autoritários.

A solução para esse dilema não é simples. Há a necessidade de conjugarmos o combate à criminalidade com a proteção aos dados dos usuários, essenciais para a própria segurança pública, caso contrário, com o belo objetivo de combater a criminalidade, poderemos estar abrindo a Caixa de Pandora de uma internet sem privacidade, segurança e liberdade, impedindo de forma desproporcional o uso das principais ferramentas de comunicação da atualidade.

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*Rafael de Freitas Valle Dresch é sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados e professor Doutor da UFRGS.

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