Ser romântico é ser eterno
Esse tipo de romantismo não se confunde com a relação entre duas pessoas, mas com o comprometimento com uma causa, onde se abdica do próprio ter razão para levar esta causa a uma transformação social.
sábado, 20 de agosto de 2016
Atualizado em 17 de agosto de 2016 08:43
No mês de agosto morreu um admirado advogado, o elogiável e combativo Vicente Gonçalves. Para muitos, o Vicentão. Com grande história de lutas pelos pobres, ele com certeza me ensinou a humildade como técnica de trabalho. Na mesma semana morreu Vander Lee, o poeta romântico.
Havia um júri a ser realizado em Santa Luzia, MG, onde a bancada de defesa seria compartilhada por três advogados: eu, Vicente Gonçalves e um bom amigo que ele sempre chamou de "Quas, quas, quas" carinhosamente. Aguardávamos o início dos debates e eu, ansiosamente, quase como um aluno no primeiro dia de aula, perguntava ao colega Vicente sobre a tese defensiva que estava preparada para ser legítima defesa e o dr. Vicente, humildemente, mas com uma segurança apaixonante disse: "é preciso esperar para ver o que o promotor vai falar". Esse momento foi há cerca de 10 anos.
Ao longo do exercício da atividade profissional, ter aprendido a esperar o MP antes de me armar mostrou-se extremamente importante. Muitas vezes me deparei com situações onde o promotor de Justiça, mesmo sendo parte acusadora e tendo levado o processo até o plenário do júri no momento de falar, pediu a absolvição do acusado e em outras tantas vezes pediu uma condenação abdicando de circunstâncias qualificadoras o que já atendia a principal tese defensiva.
Em outras oportunidades, após ver o promotor de justiça concluir a exposição de suas razões, muitas coisas que ele disse puderam ser usadas contra ele mesmo ou puderam ser invocadas na fala defensiva sem a necessidade de releitura de peças processuais, o que por vezes, prejudica a concentração em explicar aos jurados a tese central de defesa. Conviver com Vicente foi aprendizado que permanecerá.
Na mesma semana morreu o cantor e compositor Vander Lee. A obra dele me ganhou com a música "Românticos". Nela, ele diz que "românticos são uma espécie em extinção" e que romântico é aquele que pede perdão mesmo quando tem razão.
O romantismo foi um movimento que afetou a arquitetura, a literatura, a música e a arte em geral de uma época. Tendo no Brasil elevado nomes, como o do poeta Castro Alves, reconhecido por sua obra poética comprometida com transformações na sociedade da época, notadamente pela extinção da escravatura. Esse tipo de romantismo não se confunde com a relação entre duas pessoas, mas com o comprometimento com uma causa, onde se abdica do próprio ter razão para levar esta causa a uma transformação social. Lembrando que toda transformação social é uma transformação jurídica.
Assim, o romantismo de Vander Lee, que militou para o MST, o aproxima de Vicente Gonçalves. Ambos são românticos no sentido de que o compromisso social e político com transformações da sociedade os tornam dignos de serem lembrados e reverenciados, como Grandes Homens Brasileiros e que produziram por seu simples existir efeitos permanentes no universo.
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*Wagner Dias Ferreira é advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.