Hepatite C: a cura passou de sonho para realidade
Não restam dúvidas acerca da obrigatoriedade das operadoras de saúde em custear o tratamento integral indicado pelos médicos e que os números de processos judiciais tendem a aumentar se o beneficiário não obter a contemplação dos seus direitos.
quinta-feira, 28 de julho de 2016
Atualizado às 14:48
No dia Mundial de Luta contra as Hepatites Virais, comemora-se a descoberta das drogas capazes de erradicar o vírus da hepatite C, contudo, o grande desafio é garantir o pleno acesso da população brasileira ao tratamento com os medicamentos novos.
Até o final do ano de 2012, poucos pacientes obtinham a cura por meio da droga disponível no mercado, o Interferon, agravado pelos conhecidos e catastróficos efeitos colaterais. A esperança se renovou com a aprovação da comercialização dos medicamentos orais Olysio (Simeprevir) e Sovaldi (Sofosbuvir), pelo FDA Food and Drug Administration, no ano de 2013.
De acordo com a revista Forbes, o trabalho da empresa de biotecnologia Gilead Sciences, responsável pela pesquisa e desenvolvimento da droga Sovaldi, merece o título honorário da droga mais importante daquele ano.
Finalmente, no ano de 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) concedeu o registro de novos fármacos para tratamento da Hepatite C, quais sejam, Daklinza (daclatasvir), Olysio (simeprevir sódico) e Sovaldi (sofosbuvir). Já o medicamento Harvoni, combinação de ledipasvir e sofosbuvir, ainda aguarda a respectiva aprovação da ANVISA.
Atualmente, a terapêutica contra a infecção pelo vírus da Hepatite C custa em torno de 84 mil dólares, o que inviabiliza o acesso de grande parte da população brasileira às drogas novas.
É de conhecimento notório o alto custo desse tratamento e do elevado impacto na saúde pública, no entanto, as negociações efetuadas pelo Ministério da Saúde com a empresa farmacêutica reduziram o gasto de US$ 84 mil para US$ 7,5 mil.
As distribuições dos medicamentos Sofosbuvir, Simeprevir, Daclatasvir, pelo Sistema Único de Saúde, iniciaram somente na segunda quinzena de outubro de 2015 e atingiram uma parcela mínima dos brasileiros.
Desde então, o SUS disponibilizou em torno de 26.800 tratamentos para pacientes com fibrose hepática avançada (METAVIR F4 e F3), conforme informações obtidas pelo Departamento de Assistência farmacêutica da Secretaria da Ciência, tecnologia e insumos estratégicos e divulgada pelo grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite.
Ocorre que, muitos pacientes foram excluídos dessa lista, pois não são elegíveis à terapêutica distribuída gratuitamente pelo SUS, principalmente, em razão do grau de progressão da infecção, obtida através da fibrose hepática, considerada mínima ou moderada (METAVIR F1 ou F2).
Considerando que, de acordo com dados obtidos no sítio eletrônico do Ministério da Saúde, em torno de 1,4% a 1,7% da população do Brasil contraíram o vírus C (HCV), sendo que entre 1999 e 2011, foram registrados 82.041 novos casos, inúmeros pacientes permanecem sem tratamento e sem previsão para começar.
A questão recorrente dos portadores do vírus da hepatite C, com fibrose hepática grau 1 a 2 ou em estágio inicial da doença, permanece: até quando deverão aguardar até a disponibilização dos novos medicamentos?
Vale mencionar que a distribuição das novas drogas orais para a sociedade, com o vírus da hepatite C, reduzirá consideravelmente a probabilidade de agravamento dos efeitos da doença, tais como, a fibrose hepática, a cirrose e o câncer hepático, bem como os gastos do Sistema Público.
Todavia, o real acesso universal ao tratamento é um sonho distante de muitos brasileiros.
Em razão dos entraves burocráticos, consequentemente, a famigerada demora na obtenção dos remédios na rede pública no Brasil, os pacientes passaram a buscar auxilio junto aos convênios médicos particulares para realizarem o tratamento mais moderno.
Apesar dos benefícios amplamente divulgados, os planos de saúde negam fornecimento das drogas novas utilizadas no tratamento contra o vírus da hepatite C, sob a alegação de serem de uso oral.
Cumpre destacar que as operadoras devem colocar à disposição dos beneficiários todas as técnicas disponíveis, inclusive o uso das drogas orais prescritas pelo médico, principalmente, o medicamento reconhecido mundialmente por garantir uma taxa de cura que ultrapassa 90% (noventa por cento).
O STJ já consolidou o referido entendimento: "Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. Tratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva. 1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. 2. Recurso especial conhecido e provido." (RESP n° 668.216 - SP, Relator: Carlos Alberto Menezes Direito, julgado 15 de março de 2007)
Nessa mesma linha de raciocínio, o TJ/SP editou a súmula 102, nos seguintes termos: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".
Diante disso, não restam dúvidas acerca da obrigatoriedade das operadoras de saúde em custear o tratamento integral indicado pelos médicos e que os números de processos judiciais tendem a aumentar se o beneficiário não obter a contemplação dos seus direitos.
Com o intuito de coibir as práticas abusivas, o Judiciário vem repelindo as negativas de fornecimento dos medicamentos modernos em combate ao vírus da hepatite C, sendo uma esperança para os pacientes desamparados pelo sistema público brasileiro.
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*Tatiana Harumi Kota é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa - UFV, pós-graduada em Direito Contratual pela Pontífica Universidade Católica - PUC/SP e advogada, especialista em direito à saúde, no Vilhena Silva Sociedade de Advogados.