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A tributação pelo ISS das Operadoras de Planos de Saúde - Uma análise equivocada do STF

Considerando o direcionamento da questão que se avista pelo posicionamento do STF, a operadora de saúde deverá ser sempre tributada pelo ISS, o que é incompatível com a natureza securitária da própria atividade.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Atualizado em 22 de julho de 2016 15:03

Em 15/6/16, o plenário do STF deu início ao julgamento do RE 651.703, de relatoria do ministro Luiz Fux, que questiona a incidência de ISSQN - Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza sobre as atividades de planos de saúde. Em seu voto, o ministro negou provimento ao recurso, por entender que as operadoras de planos de saúde e de seguro saúde realizam prestação de serviço sujeita ao ISSQN, previsto no artigo 156, inciso III, da CF. A análise da matéria foi suspensa por pedido de vista formulado pelo ministro Marco Aurélio.

Essa diretriz, no entanto, ao nosso ver, não se coaduna com o próprio conceito de prestação de serviços, já que esse tributo traduz típica obrigação de fazer, que não se confunde com a obrigação de dar; enquanto esta última consiste na entrega de uma coisa, naquela outra tem-se que o objeto da prestação, o serviço, é um ato do devedor (facere). Sendo assim, as duas espécies são inconfundíveis.

O ISSQN encontra respaldo constitucional no artigo 156, inciso III, da CF:

Compete aos Municípios instituir impostos sobre: serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar e no artigo 1º da Lei Complementar 116/03, que dispõe sobre o tributo em âmbito nacional: O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

Na
LC 116/03, o fundamento legal para cobrança do Imposto Sobre Serviço sobre as Atividades das Operadoras de Planos de Saúde e de Seguro Saúde vem descrito nos itens 4.22 e 4.23 da lista anexa à referida lei:

"4.22. Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.

4.23. Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário."


A
lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, conceitua as Operadoras de Plano de Assistência à Saúde, em seu artigo 1º: "Pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere com plano privado de assistência à saúde".

Analisando a definição prevista no inciso I do artigo em comento para Plano Privado de Assistência à Saúde, verifica-se: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor. (Grifamos e sublinhamos)

A atividade das Operadoras é fiscalizada e regulamentada pela ANS, instituída pela
lei 9.961/00, tendo, nos termos da lei, por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Vemos, portanto, uma conceituação distorcida e iminente a se concretizar no STF, ao caracterizar a atividade das Operadoras de Saúde como típica prestação de serviço, já que indiscutível a natureza securitária destas, conceito esse que se enquadra nas disposições do artigo 757 do Código Civil: Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

E, sob este enfoque, não haveria que falar-se em tributação pelo imposto municipal, já que a competência para tributar a atividade seria da União Federal, pelo IOF - Imposto Sobre Operações Financeiras, conforme artigo 153, V, da CF.

No caso, enquanto Seguradora, ela deve cobrir os eventos contratados pelo segurado titular do plano, que deve honrar com o pagamento dos prêmios ou as prestações acordadas, figurando apenas como garantidora da futura obrigação de pagar despesas ocorrentes no tratamento da saúde dos usuários, nos limites da lei e dos respectivos contratos.

É importante frisar que, em nosso entendimento, não poderia haver qualquer contributividade das operadoras de planos de saúde ao ISS, até mesmo quando estamos nos reportando às operadoras de planos de saúde que atuam com rede própria (operadora e prestadora de serviço hospitalar, por exemplo), pois, ainda assim, essa situação não seria suficiente para alterar a natureza securitária destas.

A obrigação continua traduzida em um dar e não em um fazer, pois a finalidade é garantir a assistência à saúde, independentemente de qualquer condição, ou seja, dessa assistência ocorrer por atendimento médico próprio ou credenciado.

O escopo de sua atuação será sempre prestar a assistência à saúde e garantir o atendimento médico, odontológico etc., nos limites das obrigações avençadas, aos beneficiários da contratante na rede de serviços credenciados ou próprios.

Por se tratar de cobertura de eventos futuros e incertos, a receita decorrente dos valores recebidos do segurado não se destina à contraprestação por serviço médico ou hospitalar prestado pela operadora, já que o real prestador do serviço é o médico que o realiza sob sua inteira responsabilidade.

Considerando o direcionamento da questão que se avista pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a operadora de saúde deverá ser sempre tributada pelo ISS, o que é incompatível com a natureza securitária da própria atividade. De qualquer forma, essa interpretação adquire contornos muito mais relevantes, quando estamos diante das operadoras que atuam com rede própria, pois essas empresas seriam tributadas pela atividade de operadora e pelas tantas que realizarem (ex. exames laboratoriais prestados por ela própria, serviço de medicina, hospitais, enfermagem, etc.).

Nessa hipótese, as atividades seriam tributadas na sua individualidade para cada tipo de serviço realizado pela rede própria e pelo total da receita bruta, sem qualquer dedução de base de cálculo (tal como vem admitindo alguns julgados do STJ1, quando se trata de rede credenciada) na diferença do repasse ao médico, laboratório e enfermeiro (reais prestadores de serviço do atendimento médico).

Lembramos que não há previsão constitucional da não cumulatividade do ISS no ciclo operacional da prestação. Nesse sentido, como os citados serviços médicos, hospitalares, individualmente considerados, já são tributados pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), conforme especificados na lista de serviços (ex. itens 4.01, 4.02 e 4.03) anexa à LC 116/03, estar-se-á admitindo a possibilidade de configuração de uma dupla incidência, ou de tantas quantas forem as atividades tributáveis, que esperamos, não seja chancelada pelo STF nesse julgado.

Portanto, sem a pretensão de esgotar o tema, consideramos que esses fundamentos são suficientes para desnaturar a atividade das Operadoras de Plano de Saúde como típica prestação de serviço.

Ficamos no aguardo que o STF, como guardião da CF, não incorra nesse equívoco, sob pena de tributar-se, indevidamente, como serviço, aquilo que não pode ser caracterizado como tal.

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1 RECURSO ESPECIAL Nº 1.137.234 - RS

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*Fabíola Paes de Almeida Ragazzo é advogada e consultora tributária do escritório Ronaldo Martins & Advogados.





 

**Ronaldo Corrêa Martins é advogado e sócio fundador do escritório Ronaldo Martins & Advogados.



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