Federalismo e Tributação
Uma análise da evolução de nosso sistema tributário nos últimos quinze anos mostra ter havido forte concentração das rendas tributárias nas mãos da União, em detrimento dos Estados e dos Municípios, com o desmonte quase total da partilha das receitas formulada pelo constituinte de 1988.
segunda-feira, 4 de agosto de 2003
Atualizado em 1 de agosto de 2003 14:12
Federalismo e Tributação
Hugo de Brito Machado*
Entende-se por federalismo a corrente de pensamento que, no âmbito da Ciência Política, preconiza a organização do Estado na forma federativa, isto é, com divisões do poder político entre unidades que se agregam formando o denominado uma unidade maior que as coordena e as representa no plano internacional.
Financistas e juristas de todo o mundo afirmam a necessidade da distribuição das rendas tributárias como elemento essencial das federações. A discriminação de rendas constitui um dos aspectos nucleares da disciplina jurídica do Estado federal, escreveu Amílcar de Araújo Falcão em livro publicado em 1965.
Para que exista uma federação é necessário que seja preservada a autonomia dos governos locais, e esta depende essencialmente da atribuição de rendas tributárias aos Estados-membros, porque discriminação de rendas e autonomia dos governos locais são problemas que se integram num só contexto. (Amílcar de Araújo Falcão, Sistema Tributário Brasileiro, Edições Financeiras, Rio de Janeiro, 1965, págs. 9 e 12).
A questão que se pode colocar é a de saber qual seria a forma de organização estatal mais adequada para realização do bem estar do povo. Não nos parece, porém, que alguém possa por em dúvida as vantagens da forma federativa, pois esta, precisamente porque implica divisão do poder político, constitui a melhor forma de garantia das liberdades dos cidadãos. Tanto isto é verdade que nos Estados submetidos ao arbítrio dos governantes, nos Estados dominados pelas ditaduras, em regra verifica-se a supressão das autonomias locais, com a concentração do poder político.
Nossa história recente, aliás, o demonstra. Instalada a ditadura militar de sessenta e quatro os governadores passaram a ser nomeados pelo Presidente da República, suprimindo-se quase totalmente a autonomia dos Estados membros.
Agora, a pretexto de combater a guerra fiscal entre os Estados, a reforma tributária proposta pelo Presidente Lula suprime a autonomia estadual no que concerne ao ICMS, o principal tributo dos Estados. E diante da reivindicação dos governadores, indiscutivelmente justa e oportuna, de que nessa reforma seja incluída norma na Constituição atribuindo aos Estados parte da arrecadação de contribuições hoje arrecadas pela União o governo central reage fortemente, com o argumento de que não pode perder receita.
Uma análise da evolução de nosso sistema tributário nos últimos quinze anos mostra ter havido forte concentração das rendas tributárias nas mãos da União, em detrimento dos Estados e dos Municípios, com o desmonte quase total da partilha das receitas formulada pelo constituinte de 1988. Vários são os instrumentos que produziram essa concentração.
A propósito, há poucos dias, ao comentarem a reivindicação dos governadores, apresentadores de noticiários na televisão diziam, rindo, que os Estados perderam receitas porque basta mudar o nome de imposto para contribuição para que o dinheiro deixe de ser distribuído com os Estados. Foi assim com a contribuição sobre o lucro das empresas, verdadeiro imposto de renda com o nome de contribuição, e outras contribuições têm sido instituídas pela União a demonstrar uma tendência preocupante com o centralismo fiscal.
É hora, pois, de se unirem os governadores no sentido de obterem do Congresso Nacional uma partilha de rendas tributárias que possa resistir às forças centralizadoras. Partilha que garanta a participação dos Estados na arrecadação de todos os impostos e contribuições arrecadados pela União, independentemente do nome que tenham. Só assim será edificada no Brasil uma autêntica Federação.
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* Juiz aposentado do TRF da 5ª Região, Professor Titular de Direito Tributário da UFC, Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários e autor de diversas obras, entre elas o Curso de Direito Tributário editado pela Malheiros Editores.
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