Direito da gestante: cesariana ou parto normal
O médico ajusta-se como advogado do paciente, no verdadeiro sentido etimológico da palavra, isto é, aquele que é chamado para comparecer e ficar ao seu lado para assisti-lo (ad+vocare).
domingo, 26 de junho de 2016
Atualizado em 24 de junho de 2016 12:29
A Organização Mundial da Saúde (OMS), de forma constante e reiterada, vem há muitos anos recomendando e incentivando a prática do parto normal, proposta encampada pela Agência de Saúde Suplementar (ANS) que, recentemente, promulgou a resolução normativa 398, de 11/2/2016 em cujo documento o médico, durante o acompanhamento da gestação, deverá entregar à beneficiária a Nota de Orientação à Gestante, com o objetivo de esclarecer os riscos e benefícios tanto da cesariana como do parto normal. Tal medida foi adotada em razão do alarmante índice de cirurgias cesarianas consideradas desnecessárias e realizadas no Brasil.
O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, editou a resolução 2144/2016, que permite a realização de parto cesário somente a partir de 39 semanas, antes permitido com 37 semanas, desde que a gestante tenha feito tal opção, tendo como parâmetros balizadores os princípios da autonomia da vontade da paciente, da beneficência, da não maleficência e da Justiça, que se apresentam como pilares da Bioética.
É inquestionável que os avanços da biotecnologia provocaram a consagração de novos direitos e um deles, de referência para o estudo proposto, é a liberdade de agir do cidadão para que possa deliberar de acordo com sua volição na área da saúde. Assim, dentre as opções oferecidas pelo profissional, o paciente passa a ser titular da autonomia de definição de sua vontade.
Busca-se neste princípio a realização de um ato compartilhado entre as partes. O médico ajusta-se como advogado do paciente, no verdadeiro sentido etimológico da palavra, isto é, aquele que é chamado para comparecer e ficar ao seu lado para assisti-lo (ad+vocare). O paciente é a pessoa detentora de uma gama enorme de direitos e que necessita de cuidados para aliviar sua dor, sofrimento, moléstia e tomar as decisões adequadas para o caso, tudo com o respeito merecido em razão da dignidade da pessoa humana.
Na relação médico-paciente, após ter sido diagnosticada determinada moléstia, nasce o conflitante dilema que se estabelece entre o profissional da saúde, preparado tecnicamente para o exercício de seu mister e o paciente, que integra esta relação como parte interessada em definir os procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. É uma relação linear que procura, de um lado, reconhecer o direito do paciente em determinar-se de acordo com sua vontade no tocante à saúde e vida e, de outro, o profissional da saúde em apontar os procedimentos médicos convenientes, sem, contudo, obrigá-lo a tanto.
Nesta linha de pensamento, ocorrendo a anuência da gestante para a cesariana, deverá ela assinar o documento Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, fazendo ver que tomou conhecimento de forma clara e transparente, reveladora de sua intenção, a respeito da cirurgia, dos riscos e benefícios e, acima de tudo, da proteção do feto. Assim, devidamente acertados, o médico experimenta a segurança necessária na realização do parto em razão do compartilhamento da decisão, dando coloração ética à sua conduta, fazendo prevalecer também sua autonomia, eliminando, desta forma, possíveis questionamentos indesejáveis, enquanto que a gestante, devidamente informada e esclarecida, fez a escolha da cesariana eletiva por entender que é a mais conveniente.
Tal decisão, no entanto, não tem cunho definitivo, pois poderá ser alterada. Se ocorrer discordância ou colidência entre a decisão do médico e a vontade da paciente, aquele poderá valer-se da sua autonomia para deixar de atender a gestante, referenciando a ela outro profissional.
É de se observar, finalmente, que a nova resolução, vem ao encontro do Código de Ética Médica (resolução CFM 1931/2009), que apregoa a autonomia da vontade do paciente como um de seus pilares. Quer isto dizer que o médico não será mais o detentor do poder absoluto de decisão a respeito da modalidade de parto, e sim deverá dividir tal escolha com a gestante, observando que o procedimento só poderá ser realizado a partir de 39 semanas, a não ser, é claro, se a vida dela estiver em iminente perigo, circunstância que possibilita sua decisão unilateral.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp e membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.