As penalidades administrativas de acordo com a lei de licitações
As penalidades em âmbito administrativo reflete também na possibilidade de o Poder Judiciário rever o mérito do ato sancionador.
domingo, 26 de junho de 2016
Atualizado em 24 de junho de 2016 08:56
De acordo com o artigo 54 da lei 8.666/93 (lei de Licitações e Contratos Administrativos), os Contratos Administrativos são regidos por suas cláusulas, pelos preceitos de Direito Público e, supletivamente, pela teoria geral dos contratos e pelas disposições de direito privado.
Os efeitos do descumprimento dos Contratos Administrativos diferem-se, em muitos aspectos, do descumprimento dos contratos privados.
De fato, se no âmbito dos contratos privados o não cumprimento das obrigações avençadas, seja ele voluntário ou não, com ou sem culpa, conduz à resolução do pacto, o descumprimento de obrigações no âmbito dos Contratos Administrativos pode ensejar, além da rescisão da avença, a aplicação de penalidades pelo ente público contratante.
O presente artigo tem por finalidade analisar os aspectos gerais que devem ser observados na aplicação das penalidades decorrentes do descumprimento dos Contratos Administrativos, bem como os efeitos de tais sanções, notadamente a suspensão do direito de licitar e a declaração de inidoneidade.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
De início, cabe ponderar que, em se tratando da aplicação de sanções pela Administração Pública, não há que se falar em discricionariedade por parte do agente público que, diante do descumprimento contratual, possui o dever de penalizar o particular infrator ante o risco de ser responsabilizado pessoalmente.
Por outro lado, a lei de Licitações afigura-se imprecisa no tocante às hipóteses que atraem a aplicação das penalidades previstas em seu artigo 87, o que acaba conferindo ao administrador público certa liberdade na escolha da sanção cabível no caso concreto.
A análise acerca da existência, ou não, de discricionariedade na aplicação de penalidades em âmbito administrativo reflete também na possibilidade de o Poder Judiciário rever o mérito do ato sancionador.
Isso porque, a existência de discricionariedade na penalização do particular infrator impediria que o Poder Judiciário realizasse qualquer juízo acerca da conveniência e oportunidade do ato.
Todavia, na aplicação de penalidades não se pode invocar a discricionariedade para afastar a possibilidade de o Poder Judiciário rever o ato sancionador.
Assim é que, caso o ato sancionador tenha sido praticado em inobservância dos princípios ínsitos à Administração Pública, ou não se mostre proporcional à infração praticada, poderá ser revisto, ou mesmo ter sua nulidade declarada pelo Poder Judiciário.
Sobre a questão, cabe colacionar entendimento há muito consolidado no âmbito do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 87 DA lei 8.666/93.
1. Acolhimento, em sede de recurso especial, do acórdão de segundo grau assim ementado (fl. 186): DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 87, LEI 8.666/93. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE.
(...)
2. O art. 87, da lei 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo legal.
3. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual.
4. Assim deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da lei 8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando, entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade.
(...)"
(REsp 914.087/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 29/10/2007, p. 190)
No mesmo sentido, confira-se ementa de recente julgado do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ:
"MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAR EM LICITAÇÕES E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PELO PRAZO DE 02 (DOIS) ANOS POR IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - LACUNA CONTRATUAL INTERPRETADA DE FORMA PREJUDICIAL À IMPETRANTE - CONTROLE AMPLO DE LEGALIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO - DESPROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO IMPOSTA - SEGURANÇA CONCEDIDA."
(TJPR - Órgão Especial - MSOE - 1294807-7 - Curitiba - Rel.: D'artagnan Serpa Sa - Unânime - - J. 07.03.2016)
Na aplicação de penalidades, além dos princípios que regem a Administração Pública, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição da República de 1988, e de outros previstos na lei 8.666/93, alguns princípios fundamentais do Direito Penal devem ser observados, notadamente:
(i) Princípios da legalidade e da anterioridade, segundo o qual nenhuma penalidade poderá ser imposta ao contratado sem que haja lei prévia que estabeleça a infração e a sanção correspondente;
(ii) Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que impõem a adequação da penalidade à infração praticada, considerando-se a gravidade desta, as suas consequências e os prejuízos eventualmente advindos; e
(iii) Princípio da culpabilidade, que demanda a comprovação, no caso concreto, da existência de elemento subjetivo (dolo ou culpa) na conduta que ensejou o descumprimento contratual, o qual deverá ser levado em consideração na aplicação da penalidade.
Ademais, é imperiosa a instauração do processo administrativo pertinente, em que se garanta o exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive mediante a produção de provas, em observância ao disposto no art. 5º, inciso LV, da CR/1988.
E mais: é também garantido o direito ao duplo grau de jurisdição em âmbito administrativo, de modo que as decisões que aplicam penalidades, acaso mantidas, sejam submetidas à apreciação da autoridade superior àquela que as proferiu.
Cabe destacar que o ato administrativo sancionador deverá conter os fundamentos de fato e de direito que motivaram a aplicação da pena, sob pena de nulidade, a fim de evitar-se a influência de subjetivismos do agente público, assegurando o controle de legalidade do ato.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO1 explica que:
"Assim, os atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiram ou foram aqueles que embasaram a providência contestada."
Como se percebe, além da necessidade de se comprovar o descumprimento contratual em processo administrativo próprio que permita o exercício do contraditório e da ampla defesa, observado o direito ao duplo grau e à produção de provas, deverão ser observados os princípios que norteiam a Administração Pública e a imposição de penalidades, sob pena de nulidade, a qual poderá ser reconhecida pelo Poder Judiciário.
PENALIDADES PREVISTAS NA LEI Nº 8.666/93
O artigo 78 da lei 8.666/93 contém um rol exemplificativo dos motivos que podem levar a Administração a rescindir unilateralmente os Contratos Administrativos.
No entanto, como dito linhas acima, a rescisão do pacto não é a única consequência para o descumprimento contratual perpetrado pelo particular, que pode ensejar a aplicação das sanções previstas no art. 86 da lei de Licitações.
E mais: a aplicação de penalidades não se restringe às hipóteses de inexecução total ou parcial do contrato, podendo abarcar também todo e qualquer ilícito que venha a ser perpetrado durante o procedimento licitatório e a execução da avença.
De acordo com os artigos 86 e seguintes do diploma legal sob análise, podem ser aplicadas aos particulares as seguintes penalidades:
(i) Advertência;
(ii) Multa;
(iii) Suspensão temporária do direito de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 02 (dois) anos; e
(iv) Declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Nota-se que a lei de Licitações contempla um rol taxativo das penalidades aplicáveis aos contratados que violarem as obrigações assumidas perante a Administração Pública.
Ademais, é evidente a existência de uma gradação entre as penalidades previstas na lei de Licitações, que partem da mais leve - advertência - até a mais grave - declaração de inidoneidade.
Nesse contexto, o princípio da proporcionalidade avulta-se como meio de garantir que a penalidade aplicada pelo gestor público seja condizente com a severidade da violação contratual praticada, de modo que as sanções mais graves sejam aplicadas apenas às condutas mais reprováveis.
Embora não alcance o patrimônio do contratado infrator, ou mesmo imponha restrições em seu direito de firmar avenças com o Poder Público, a advertência lhe retira a condição de "infrator primário", de modo que, em caso de reincidência, poderão ser aplicadas punições mais severas.
Além disso, a aplicação de advertência, assim como de quaisquer outras penalidades, constará no Sistema de Cadastro Unificado de Fornecedores - SICAF do contratado.
O efeito da multa, a seu turno, é a cobrança do montante respectivo, que poderá ser compensado com os créditos que o contratado tenha a receber ou descontado da garantia contratual por ele oferecida.
Imperioso ressaltar que a multa somente poderá ser aplicada se devidamente prevista no edital e no contrato, observados os termos neles contidos, podendo também ser aplicada cumulativamente com as demais sanções previstas no artigo 87 da lei de Licitações.
Já os efeitos da suspensão do direito de licitar e da declaração de inidoneidade merecem maiores considerações, em razão da sua gravidade. Senão veja-se.
DOS EFEITOS DA SUSPENSÃO DO DIREITO DE LICITAR E DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE
Em primeiro lugar, cabe chamar a atenção para o fato de que a lei de Licitações não definiu os pressupostos para a aplicação da suspensão do direito de licitar e da declaração de inidoneidade, conferindo ao administrador público certa discricionariedade para aplica-las diante do caso concreto.
Sobre a questão, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO preleciona que:
"Como a lei não efetuou prévia descrição das hipóteses em que cabem a suspensão do direito de licitar e o impedimento de contratar, nem aquelas em que caberia a declaração de inidoneidade, entendemos que tais sanções só poderão ser aplicadas no caso de comportamentos tipificados como crimes." (fl.594)
Apesar de ambas as penalidades restringirem o direito do particular de participar de licitações e contratar com o Poder Público, é evidente que a intenção do legislador foi instituir penalidades diversas, com características igualmente distintas.
Nesse contexto, tem-se que interpretação literal dos incisos III e IV do artigo 87 da lei de Licitações conduz ao entendimento de que a suspensão do direito de licitar produziria efeitos somente perante a "Administração", assim entendida como sendo o ente administrativo que a aplicou, enquanto que a declaração de inidoneidade se estenderia a toda "Administração Pública".
Ora, considerando-se a existência de uma gradação entre as penalidades de suspensão do direito de licitar e declaração de inidoneidade, sendo esta última a mais grave, e que a própria lei de Licitações as definiu de maneira diversa, não haveria de cogitar-se que ambas surtam efeitos perante toda a Administração Pública, que compreende a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR2 discorre sobre o tema explicando que:
"Logo, se a suspensão ocorre perante a Administração, a empresa penalizada somente estará impedida de licitar e contratar perante o órgão que lhe aplicou a suspensão. Se a penalidade fosse a declaração de inidoneidade, de que cuida o art. 87, IV, os efeitos seriam mais amplos, porque devem ser observados perante a Administração Pública. Esta, inclusive, a evidente distinção entre as penalidades de suspensão e de inidoneidade."
Nesse sentido, é também o entendimento do TRIBUNAL DA CONTAS DA UNIÃO - TCU, que em diversas oportunidades consignou que:
"9.3.2. a jurisprudência deste Tribunal tem se sedimentado no sentido de que a penalidade de suspensão temporária e de impedimento de contratar prevista no artigo 87, inciso III, da lei 8.666/1993 incide somente em relação ao órgão ou à entidade contratante, a exemplo dos Acórdãos 3.243/2012, 3.439/2012 e 1.064/2013, todos do Plenário;"
(Acórdão nº 2.962/2015 - TCU/Plenário; Processo nº 019.168/2015-2; Ministro Relator Benjamim Zymler)
Contudo, parte da doutrina, aqui representada por MARÇAL JUSTEN FILHO, rechaça este entendimento, explicando que:
"Se o agente apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com determinado sujeito administrativo, os efeitos dessa ilicitude teriam de se estender a toda a Administração Pública. Assim se passa porque a prática de ato reprovável, que fundamentou a imposição da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar, evidencia que o infrator não é merecedor de confiança." (fl. 1020)
Nesse mesmo sentido, se posicionaram majoritariamente os Tribunais Pátrios, na esteira do entendimento consolidado no STJ:
"ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - SUSPENSÃO TEMPORÁRIA - DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA - LEGALIDADE - LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.
- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
- A limitação dos efeitos da "suspensão de participação de licitação" não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.
- Recurso especial não conhecido."
(REsp 151.567/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2003, DJ 14/04/2003, p. 208)
Outra diferença entre as penalidades em apreço refere-se ao prazo de duração de cada uma.
Enquanto a suspensão do direito de licitar poderá ser aplicada pelo prazo máximo de 02 (dois) anos, a declaração de inidoneidade impedirá o particular de contratar com o Poder Público "enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade", após o decurso do prazo de 02 (dois) anos, e desde que haja o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da conduta praticada.
Ademais, a aplicação da declaração de inidoneidade cabe somente ao Ministro de Estado, ao Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, sendo também garantido prazo de 10 (dez) dias para a apresentação de defesa administrativa, enquanto na suspensão o prazo para apresentação de defesa é de 05 (cinco) dias, assim como nas demais sanções
Por outro lado, considerando-se que a CR/88 veda penalidades de caráter perpétuo, a reabilitação não pode ser condicionada ao ressarcimento dos prejuízos. Até mesmo porque a aplicação da declaração de inidoneidade não se restringe a infrações que causem prejuízos de caráter econômico à Administração Pública.
Cabe mencionar também a competência do TCU para aplicar a pena de inidoneidade, prevista no artigo 46 da lei 8.443/92, a qual não se confunde com o dispositivo da lei de Licitações (art. 87, IV)
Quanto aos efeitos sobre os contratos vigentes, existe controvérsia na doutrina e na jurisprudência.
Considerando-se que o artigo 55, inciso XIII, da lei de Licitações impõe ao contratado a obrigação de manter as condições de habilitação durante a execução do contrato, tem-se que a eventual aplicação de penalidade que restrinja seu direito de contratar com a Administração Pública conduziria à rescisão das avenças vigentes.
MARÇAL JUSTEN FILHO, perfilhando este entendimento, explica que "Essa disciplina é compatível com o entendimento de que o preenchimento dos requisitos de habilitação envolvem não propriamente uma formalidade a ser cumprida somente por ocasião da licitação, mas evidenciam a capacitação do sujeito para executar a contratação."
No entanto, o STJ acolheu entendimento diverso, conforme mostra o precedente abaixo:
"ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VÍCIOS FORMAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO.
(...)
2. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de "licitar ou contratar com a Administração Pública" (lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da lei 8.666/93.
3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante.
4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental."
(MS 13.964/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009)
Ou seja, segundo o entendimento do STJ (perfilhado majoritariamente pelos tribunais pátrios), a declaração de inidoneidade e a suspensão do direito de licitar produzem efeitos para o futuro, sem alcançar avenças já firmadas e em execução.
Diante do exposto, nota-se que o laconismo da lei de Licitações, que não estabelece as hipóteses em que serão aplicáveis as penalidades arroladas em seu artigo 87, e ainda as divergências doutrinárias e jurisprudências existentes acerca da abrangência e dos efeitos das penas de suspensão e inidoneidade, faz com que os contratados fiquem vulneráveis, suscetíveis a arbitrariedades e indevidas restrições de seu direito de contratar com o Poder Público.
CONCLUSÃO
Como se percebe, a aplicação das penalidades previstas na lei de Licitações comporta particularidades próprias e deve guardar estrita consonância com os princípios regedores da Administração Pública e demais garantias consignadas na CR/88.
Não se concebe, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a possibilidade de serem aplicadas penalidades sem a estrita observância do contraditório e da ampla defesa, e do devido processo legal.
Assim é que a não observância dos princípios e garantias pertinentes ensejam a revisão do ato sancionador pelo Poder Judiciário, que poderá até mesmo apreciar sua conveniência e oportunidade.
Finalmente, no tocante à suspensão do direito de licitar e à declaração de inidoneidade, que são as penalidades mais graves contidas na lei de Licitações, percebe-se que não há unanimidade quanto aos seus efeitos e abrangência, o que certamente deixa os contratados em posição de vulnerabilidade.
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1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
2 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da Administração Pública. 5 ed. Ver. Atual. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
*Pollyanne Pinto Motta Roque é advogada especialista em Direito Administrativo no Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.