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Desafios da Anatel em comunicar ao público: a regulação setorial de telecomunicações e internet

Ericson M. Scorsim

Segundo a OAB, a regulamentação da franquia de dados nos serviços de conexão à internet fixa deve ser atualizada à luz do Marco Civil da Internet.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Atualizado em 21 de junho de 2016 12:23

A Anatel realizará consulta pública sobre a questão da franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet fixa.

Em destaque, o voto do Conselheiro Relator da Medida Cautelar1, Otavio Luiz Rodrigues Junior, que suspendeu a cobrança da franquia do consumo de dados na internet fixa, até a adoção pelas empressa de medidas transparência e esclarecimento dos consumidores, registra o seguinte:

"Ao estilo da literalidade dos regulamentos em vigor da Agência, em princípio, existe previsão para que as empresas prestadoras do SCM (banda larga fixa), estabelecessem cláusula de franquia em seus contratos. Ressalta-se, contudo, conforme informou a área técnica no Informe 3/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, que 'a previsão de franquia somente é admitida se prévia e expressamente informada ao usuário do serviço".

Também, o Conselheiro Relator da Anatel destaca a essencialidade do acesso à internet para o exercício da cidadania, nos termos do art. 7º, do Marco Civil da Internet.

Daí ele registra a formação de duas correntes a respeito da interpretação do Marco Civil da Internet em relação aos efeitos sobre as práticas comerciais e os direitos dos consumidores.

De um lado, a interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet no sentido de que o direito de acesso à internet admite limitação para seu exercício, como é o caso da franquia ou de valores excedentes.

De outro lado, a interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet para reconhecer o suporte fático amplo do direito de acesso à internet, sem possibilidade de restrição ou limitação por empresas ou atos normativos do poder regulador.

Ademais, o Conselheiro Relator da Anatel registra a manifestação do Conselho Federal da OAB no sentido da mudança do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, sob fundamento da contrariedade à legislação em vigor em relação aos contratos vigentes.

Segundo a OAB, a regulamentação da franquia de dados nos serviços de conexão à internet fixa deve ser atualizada à luz do Marco Civil da Internet. De fato, esta questão regulatória afeta sobremaneira os advogados que dependem dos serviços de conexão à internet para atuarem perante a Justiça, mediante o peticionamento em processo eletrônico.

Além disto, ele sugere a realização da análise de impacto regulatório - AIR, com a análise da medição dos possíveis benefícios, custos e efeitos de ações regulatórias referentes à franquia de dados da internet por banda larga fixa, para auxiliar a decisão futura do Conselho Diretor da Anatel.

Daí o chamamento pela Anatel da participação da sociedade civil, na análise do impacto regulatório da medida da franquia de consumo de dados na internet fixa. Também, a consideração no estudo de impacto regulatório dos aspectos concorrenciais e de infraestrutura de rede de comunicação referentes à prestação da banda larga fixa.

De modo interessante, o Conselheiro Relator da Anatel registra o problema de comunicação da própria agência reguladora do setor de telecomunicações: "à pouca habilidade em comunicar ao povo tais complexidades ínsitas à atuação regulatória, soma-se uma percepção social generalizada, independentemente de classes sociais, quanto à qualidade dos serviços fruídos pelos usuários".

E, segue ainda o raciocínio do Conselheiro da Anatel:

"Verdadeira ou não, agravada pelo fato de serem as telecomunicações mais presentes na vida do brasileiro do que o saneamento básico ou a saúde, tal percepção criou uma enorme dificuldade de se legitimar políticas regulatórias que, mesmo em nome de respeitáveis argumentos de sustentabilidade dos investimentos ou da natureza escassa dos recursos empregados, possa ser compreendidas como uma forma de restringir direitos. Em paralelo demonstra a riqueza do debate sobre o tema, há os que admitem haver equidade na diferenciação de perfis e consumo e de fruição de serviços de telecomunicações, de modo a onerar que deles mais se utiliza e reduzir o custo para os que os fruem de maneira não intensiva".

Por fim, o Conselheiro Relator revela: "Para além disso, mesmo na esfera estritamente jurídica, há de se permanentemente resolver conflitos de qualificação, como saber se incidem regras de Direito Administrativo Regulador, Direito Econômico, Direito Civil e Direito do Consumidor sobre uma dada relação jurídica".

A partir destas importantes considerações no relatório do Conselheiro da Anatel Otavio Luiz Rodrigues Junior, para organizar consulta pública a respeito do impacto regulatório da adoção da franquia de consumo de dados nos serviços de internet fixa, segue breve reflexão.

Primeiro, quanto ao mérito da questão, entendo que a legislação setorial em vigor permite a adoção do regime de franquia de dados nos serviços de internet por banda larga fixa.

A lei não proíbe a decisão empresarial no sentido de se adotar a franquia de consumo de dados no serviço de acesso à internet fixa. Para ser mais preciso, a Lei Geral de Telecomunicações e o Marco Civil da Internet não proíbem a adoção do regime de franquia de consumo de dados nos serviços de conexão à internet, por banda larga fixa.

Por sua vez, eventual proposta de mudança pela própria Anatel na regulação setorial, no caso o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, deve ser suficientemente debatida, com as partes impactadas pelo ato regulatório. Isto porque esta mudança regulatória, sem dúvida alguma, afeta os consumidores. Mas, também repercute nos investimentos pelas empresas que prestam os serviços de acesso à internet fixa.

Aqui, cumpre lembrar que os serviços de acesso à internet por banda larga fixa encontram-se sob regime privado, daí a vigência da liberdade na fixação de preços. Esta é uma premissa fundamental que não pode ser ignorada na regulação setorial. O modelo regulatório dos serviços de acesso à internet parte do pressuposto do regime de liberdade do negócio. Este modelo diferente radicalmente do regime clássico de serviço público. Daí a cautela na interferência estatal sobre o regime dos contratos de acesso aos serviços de internet.

Nesta perspectiva, a duvidosa constitucionalidade dos projetos de lei que pretendem proibir a adoção do regime de franquia nos serviços de acesso à internet fixa. Ao que parece, a tendência regulatória é no sentido da diferenciação do perfil do consumo de dados nos serviços de internet fixa, distinção esta favorável ao tratamento equitativo no consumo dos respectivos serviços de conexão à internet.

Segundo, o Marco Civil da Internet inovou no ordenamento jurídico ao reconhecer o acesso à internet como essencial ao exercício da cidadania. Porém, da interpretação do art. 7º do Marco Civil da Internet não é possível a conclusão no sentido da ilimitabilidade do consumo de dados nos serviços de conexão à internet fixa.

Terceiro, o desafio da Anatel é portar-se como o ponto de equilíbrio do sistema regulatório, considerando todos os pontos de vista: dos consumidores e das empresas prestadoras de serviços de acesso à internet. A função da Anatel é garantir o equilíbrio do funcionamento sistêmico do mercado de telecomunicações, corrigindo suas eventuais distorções, e impedir a formação de abusos empresariais contra os direitos dos consumidores.

Quarto, outro desafio da Anatel é comunicar e esclarecer à sociedade e aos usuários dos serviços de telecomunicações e de acesso à internet, a regulação setorial, com os direitos e obrigações das empresas que prestam os serviços de conexão à internet fixa. Daí a necessidade de esclarecimento das regras jurídicas inerentes à regulação setorial de telecomunicações e internet, para facilitar a compreensão pelos consumidores. Também, é de sua responsabilidade ouvir os usuários destes respectivos serviços de comunicação pessoal.

Quinto, existem medidas regulatórias adequadas, tais como as metas de qualidade dos serviços de telefonia e acesso à internet, previstas na regulamentação setorial da Anatel. A questão é a fiscalização eficiente sobre a qualidade da prestação dos serviços de telecomunicações e internet. As multas às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações são impostas pela agência reguladora. Mas, surgem as dificuldades na cobrança dos valores, em processo administrativo ou judicial. Recentemente, a Anatel realizou termo de ajustamento de conduta com prestadora do serviço de telecomunicações, para converter multas em investimentos na ampliação da cobertura da rede de telecomunicações.

De fato, a legitimidade social da aplicação da regulação setorial pela Anatel somente será melhorada, mediante a comunicação eficiente, com precisão e clareza, aos destinatários das normas jurídicas. Compete à referida agência reguladora simplificar e sintetizar a comunicação com os usuários dos serviços de telecomunicações e internet, explicando, de modo acessível, os direitos e as obrigações setoriais. Destaque-se que a Anatel já avançou muito na comunicação ao público em seu site. Porém, ele pode ser melhorado para ajudar o entendimento das regras pelo público leigo.

Uma das missões da Anatel é a simplificação da complexidade da regulação setorial das telecomunicações e internet, mediante ações de comunicação com os destinatários das regras. Certamente, a eficiência da ação regulatória ganhará com a participação social dos usuários dos serviços de telecomunicações e internet.

A Anatel pode ser protagonista em relação à educação dos consumidores, bem como para na criação do ambiente para a difusão da cultura regulatória no País, com a disseminação dos direitos e das obrigações inerentes ao setor. Se a Anatel cumprir esta tarefa regulatória, então haverá melhor calibragem das expectativas dos destinatários das normas jurídicas, com a diminuição das tensões setoriais entre consumidores e empresas.

Além disto, de nada adianta responsabilizar unicamente a Anatel se a mesma não tem condições materiais, para cumprir com suas responsabilidades regulatórias. Daí a urgente necessidade de se preservar a autonomia orçamentária-financeira da Anatel, no que se referente à dotação de recursos públicos suficientes à altura de suas responsabilidades institucionais.

Enfim, os temas abordados encontram-se dentro do Direito das Comunicações. Estas questões regulatórias são abordadas no Ebook que escrevi sobre Direito das Comunicações: regime jurídico de telecomunicações, internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura, disponível para download gratuito na internet, para compartilhar o conhecimento jurídico especializado a respeito da regulação setorial, com os profissionais do direito.

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1 Processo n. 53500.008501/2016-35, interessado Superintendência de Relações com Consumidores. Análise n. 40/2016/SEI/OR.

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*Ericson M. Scorsim é advogado e Consultor em Direito Público, especializado no Direito das Comunicações. Sócio fundador do escritório Meister Scorsim Advocacia. Autor do Ebook Direito das Comunicações: regime jurídico de telecomunicações, internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura.


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