A questão da divulgação de fotos íntimas na internet e o caso de estupro coletivo no RJ
A prisão do autor não restaura a mente desta vítima. Se ela conseguir um julgamento perante a justiça, já terá passado por julgamentos da sociedade.
domingo, 19 de junho de 2016
Atualizado em 16 de junho de 2016 08:42
Independentemente de qual é a temática em alta, os dias têm sido marcados por uma enxurrada de informação que nos é despejada por meio de diversas mídias. Somos quase que obrigados a adotar uma das faces da moeda... Não raras vezes, enquanto ainda refletimos sobre um tema, outro nos é lançado, cobrando-nos posicionamentos e posturas, sob pena de sermos julgados isentos demais, silentes demais, coniventes demais ou alheios demais.
O estupro coletivo ocorrido recentemente no Rio de Janeiro foi um desses assuntos. Um vídeo em que uma adolescente nua, dopada, ensanguentada, rodeada por 30. Compartilhado por 90. Assistido por 180. Comentado por 360. E os números progressivamente aumentam à medida que mais verbos são adicionados às condutas relacionadas a tal ato.
Acordamos num desses dias com uma avalanche de comentários, compartilhamentos, notícias nos jornais, fotos, vídeos, argumentos, opiniões. Feminismo, machismo, racismo, sexismo e tantos outros "ismos" foram abordados. As redes sociais, em polvorosa, mostraram sua força. E vieram, então, mais vídeos, mais notícias, mais textos, mais comunidades, mais grupos, uns contra os outros, vomitando ideologias e agressões. E diga-se: o verbo vomitar, aqui, não está sendo utilizado no sentido pejorativo. Mas pressão. Porque você deve escolher um lado. Ainda que a princípio não tenha uma opinião formada, ainda que não tenha se informado devidamente, ainda que nem saiba o que realmente aconteceu.
Sem adentrar nos detalhes na barbárie ocorrida (até porque, como mulher e feminista, não tenho mais estômago para procurar palavras que possam expressar o meu real ponto de vista sobre tudo isso), o que talvez eu ainda possa fazer é comentar é a forma como toda essa citada avalanche de notícias é repassada.
Basta um clique. Compartilhamentos sem critério, sem nenhuma reflexão, e, mais ainda, sem nenhuma investigação. Por que averiguar se o que se noticia é real? Em tempos de avalanches, enxurradas e vômitos, não há tempo.
Já existem projetos de lei em tramitação que visam à tipificação da conduta de divulgação de fotos ou vídeos com cenas de nudez ou ato sexual sem consentimento da vítima. A ausência de um crime específico, contudo, não deixa, em tese, o(s) autor(es) impune(s). Em tese.
A conduta se enquadra nos crimes de difamação (imputação à alguém de fato ofensivo à sua reputação) ou injúria (ofensa à dignidade ou decoro de alguém). As penas são irrisórias (para não dizer ridículas): de um mês a um ano de detenção. Se a vítima for criança ou adolescente, o crime está definido no ECA: "art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente". Neste caso, a pena é mais significativa: reclusão de 4 a 8 anos.
A vítima poderá, também, processar civilmente os autores do fato, pleiteando indenização em dinheiro. Os processos penais correm em segredo de justiça, e aqui podemos encontrar uma ironia: qual é o segredo da justiça num caso de divulgação de fatos que já se tornaram tão públicos a ponto de literalmente devastar a vida de uma pessoa?
Qual é a justiça em se decretar um mês de detenção a quem comente tal crime? Qual é a justiça nos danos psicológicos inimagináveis que tal situação gera em uma criança? E quanto vale, em dinheiro, o que foi perdido com tamanha violação?
A prisão do autor não restaura a mente desta vítima. Até porque, se eventualmente ela conseguir um julgamento justo perante a justiça, já terá passado por milhões de julgamentos injustos perante a sociedade.
O crime ocorrido contra a garota carioca demonstrou duas realidades. A primeira é que, infelizmente, não estamos suficientemente maduros para viver numa sociedade tão avançada tecnologicamente. A segunda é que, felizmente, as redes sociais estão começando a servir para um papel digno: unir forças.
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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.