O trato dos honorários no novo Código de Ética
A novel disciplina rompeu, do ponto de vista formal, com o rigor que se exigia na contratação do advogado.
sexta-feira, 3 de junho de 2016
Atualizado em 2 de junho de 2016 11:28
Sumário
1. Da consideração dos honorários de advogado no novo Código de Ética
2. Dos elementos a serem considerados para a definição dos honorários contratuais
3. Da antecipação de custas e despesas pelo advogado
4. Do contrato de prestação de serviços e de honorários
5. Dos honorários de sucumbência
Bibliografia
1. Da consideração dos honorários de advogado no novo Código de Ética
Vem de ser aprovado o novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)1 que, embora esteja cuidando de um ente constitucionalmente visto como indispensável à administração da Justiça, com deveres que transbordam aos elementares de um prestador de serviços, se preocupa também, por ser ele um profissional, com a questão de sua remuneração.2
Assim, delineia o Código, de um lado, os aspectos relevantes à definição contratual da remuneração, impondo também limites à liberdade de contratar. De outro lado, considerando os honorários decorrentes de demanda judicial, reafirma a concepção que se inaugurou com o Estatuto da Advocacia, em 1994, no sentido de os honorários, mesmo aqueles advindos da sucumbência, serem verba remuneratória, destinada, pois, exclusivamente ao advogado.
2. Dos elementos a serem considerados para a definição dos honorários contratuais
Que o advogado precisa ser remunerado não se questiona, daí o direito de ajustar com o cliente o seu estipêndio, que se impõe seja marcado pela moderação, à qual se chega mercê da adequação do valor da paga a elementos da questão que lhe está sendo submetida e da condição da própria pessoa que o contrata (art. 49 do novo Código de Ética). Nessa linha, além de tomar em consideração "a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas" (inciso I), "o trabalho e o tempo a ser empregados" (inciso II), deve também atentar para "a condição econômica do cliente" (inciso IV) e a circunstância de ser um "cliente eventual, frequente ou constante" (inciso V), entre outros aspectos.
Os elementos a se atender, porém, ficaram vinculados, por imposição do novo Código, ao respeito do valor mínimo de honorários previsto na tabela que deve ser aprovada pelo Conselho Seccional do local da prestação dos serviços. Já havia previsão ética neste sentido, dizendo que o advogado deveria evitar o aviltamento dos valores, "não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários". Agora, todavia, essa imposição encontra-se no rol dos "deveres do advogado" (art. 2º, parágrafo único, inciso VIII, letra f), facilitando, portanto, a constatação da falta ética, já que sua inobservância, objetivamente considerada, marca-se como aviltamento de honorários.
Diante desse enquadramento, vinculando o advogado à tabela, dois pontos precisam ser realçados: 1º) a imposição é quanto à observância do mínimo previsto na tabela, o que não é nada alentador, de vez que os valores mínimos, segundo notas de orientação constantes da Tabela da Associação dos Advogados de São Paulo, pioneira na matéria, "só devem ser aplicados nas causas de valor inestimável ou naquelas em que, através da aplicação do percentual específico, resultar honorário inferior ao mencionado limite mínimo";3 2º) a regra ética diz respeito ao relacionamento entre os advogados e destes com a Ordem, não vinculando o Judiciário, embora muitas decisões tenham abrigado a tabela, mas fazendo-o somente em relação ao mínimo,4 desprezando, pois, as suas regras quanto à fixação de honorários em percentuais sobre o bem da vida em disputa como por ela estabelecido.
Assim, o enfoque que há de ser conferido à previsão em tela é de caráter exclusivamente ético-disciplinar, de modo que o advogado poderá ser punido pela Ordem, caso contrate não respeitando a tabela, nada além disso, ou seja, não é este o critério de definição de honorários em eventual pedido de arbitramento, a não ser para se conceder o mínimo nela previsto.
3. Da antecipação de custas e despesas pelo advogado
Inovação maior, no entanto, se verifica com a permissão de contratação prevendo que o advogado assuma e, portanto, antecipe custas e emolumentos devidos pelo cliente ao Estado ou terceiros (art. 48, § 3º). A pretexto de enfatizar existir uma presunção de que as despesas do processo correm por conta do contratante, o parágrafo enseja esta oportunidade ao definir como lícita a retenção pelo advogado, no momento de prestar contas ao cliente, do valor atualizado das antecipações que realizou.
Sem querer fazer um juízo de valor sobre a previsão, o que não seria logicamente pertinente, cumpre sobre ela se meditar, até para que não se veja o advogado como alguém com capacidade financeira de fornecer à parte um complemento de atividade, além da advocacia.
Muito embora houvesse entendimento no sentido de o contrato quota litis abranger também o pagamento das despesas do processo,5 o certo é que tanto não se permitia, uma vez que essa possibilidade leva a que o cliente opte por um profissional igualmente em razão da vantagem econômica que ele fornece, o que não é o quanto deveria ser valorizado na escolha do advogado. Ademais, o contratado poderá desinteressar-se de buscar a justiça gratuita para o cliente, que a ela poderia ter direito, onerando, ao final e quiçá sem necessidade, alguém que poderia ter obtido no processo o direito de demandar sem ônus financeiro, nem no início, nem no final da demanda.
De outro lado, o contratante, com o adiantamento de custas e despesas pelo advogado, fica a ele devendo algo além de honorários pelo serviço, o que poderá representar um entrave à substituição do profissional que, certamente, colocará cláusula no contrato, prevendo que, em caso de revogação da procuração, o valor dos adiantamentos deverá ser restituído de pronto, atualizado e com juros. Desse modo, tal circunstância pode levar a parte, principalmente se necessitada, a ficar vinculada a um profissional em quem já não mais confia, quando a confiança deveria ser o único liame eficiente para a manutenção do vínculo.
4. Do contrato de prestação de serviços e de honorários
A novel disciplina rompeu, do ponto de vista formal, com o rigor que se exigia na contratação do advogado. A regra anterior impunha o contrato escrito (art. 35); a atual, além de firmar que não se exige forma especial, colocou que a prestação de serviços será contratada, "preferentemente, por escrito" (art. 48). Com isso, torna-se possível provar, nos limites da legislação civil, não a prestação de serviço, que se demonstra pela outorga de procuração e também pelo que veio efetivamente a ser produzido pelo profissional, mas cláusulas outras, como o próprio valor dos honorários, que poderá ser demonstrado por meio de testemunhas.6
Atenuou-se também a vedação à emissão e protesto de título de crédito. Permite-se, além do uso do cartão de crédito, um instrumento com feições inegavelmente mercantilistas, a nota promissória, de vez que não seria um título mercantil e se autoriza também o seu protesto, bem como o do cheque, "depois de frustrada a tentativa de recebimento amigável" (art. 52).
5. Dos honorários de sucumbência
A confirmação do direito do advogado aos honorários de sucumbência vem com a previsão de execução pelo advogado do capítulo da sentença que a eles condenou o demandado vencido (art. 51).
Desse modo, mais longe se fica da justificativa que ensejou a condenação do vencido ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que se prendia ao fato objetivo da derrota. Chiovenda (1969, n. 381, p. 207) bem ensinou que "a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva", de modo que haveria na condenação um sentido indenizatório ou ressarcitório, pois a parte vencida reporia, na integralidade ou conforme padrões legais, o quanto teve que despender o vencedor para obter aquilo que, houvesse a obrigação sido cumprida naturalmente, não precisaria ter gasto.
O caráter indenizatório, na linha, pois, de Chiovenda, ficou claro no Código de Processo Civil (CPC) de 1973, quando se previu que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios", de modo que os honorários se destinariam à parte (ao vencedor) com o objetivo de recompor o pagamento que fizera ao seu advogado para que o representasse na busca da restauração de seus interesses lesados.
Tanto prevaleceu até o Estatuto da Advocacia, quando se concedeu ao advogado o direito autônomo aos honorários de sucumbência (art. 23) e, na mesma linha, o novo CPC firmando que "a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor" (art. 85). Transformaram- se, desta forma, os honorários em remuneração paga ao profissional, paradoxalmente não por quem o contratou e a quem ele prestou serviços, mas sim pela parte em desfavor de quem ele atuou.
Evidente que a moderação, que o art. 49 impõe na definição dos honorários contratuais e que importa em justeza e adequação ao caso concreto, deve necessariamente considerar, a fim de que os honorários não se convertam em vantagem exagerada e desproporcional,7 que as verbas de sucumbência também caberão ao advogado, de modo a se levar em conta essa realidade no acerto final entre parte e advogado, como, aliás, previa, expressamente, o Código de Ética anterior,8 mas que o silêncio do novo Código não dispensou como regra ética de inegável alcance.
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1. Resolução 2/2015 do Conselho Federal da OAB, aprovada em 19 de outubro de 2015, para vigorar depois de 180 dias.
2. A matéria vem disciplinada no Capítulo IX do Código, a partir de seu art. 48 até o 54, em que pese existam outros dispositivos que são relevantes para o tema, como aqueles do art. 2º, principalmente a letra f do inciso VIII do parágrafo único, e dos arts. 12 e 17, que tratam da repercussão nos honorários dos casos de revogação da procuração, renúncia a ela e desistência da ação.
3. Item 2 das Normas Gerais da Tabela aprovada pelo Conselho Diretor da AASP em 13 de abril de 1977, livreto editado em 1989, p. 3.
4. "O arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo, nomeado para oficiar em processos criminais, deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB, considerados o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa como parâmetros norteadores do quantum" (REsp nº 1.377.798, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 19/8/14; AgRg no REsp nº 1.312.990, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 3/12/15; AgRg no REsp nº 1.550.706, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 5/11/15; AgRg no REsp nº 1.543.243, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 5/11/15).
5. Considerações a latere em parecer de Elias Farah, abordando honorários, moderação, custeio da causa, no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, em 18 de maio de 1989, reproduzido, posteriormente, em seu livro Ética Profissional do Advogado (2003, n. 12, p. 17).
6. O Código Civil admite a prova exclusivamente testemunhal para os negócios jurídicos "cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados" (art. 227).
5. Considerações a latere em parecer de Elias Farah, abordando honorários, moderação, custeio da causa, no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, em 18 de maio de 1989, reproduzido, posteriormente, em seu livro Ética Profissional do Advogado (2003, n. 12, p. 17).
6. O Código Civil admite a prova exclusivamente testemunhal para os negócios jurídicos "cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados" (art. 227).
7. Cf. LOBO, 1996, p. 115.
8. É a previsão do § 1º do art. 35 do Código de Ética pretérito, no qual constava: "os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o que foi ajustado na aceitação da causa".
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Bibliografia
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 3. ed. Tradução da 2ª edição italiana. São Paulo: Saraiva, 1969. FARAH, Elias. Ética Profissional do Advogado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. LOBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.
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*O artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, Ano XXXVI, de Abril de 2016, nº 129.
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*Clito Fornaciari Júnior é sócio responsável do escritório Clito Fornaciari Júnior - Advocacia. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Advogado. Ex-presidente da AASP.