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Banco Central Multi-Task - Uma tarefa para o Chapolin Colorado

O BC deve ficar como está com função única cuidar da moeda e a necessária autonomia.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Atualizado em 31 de maio de 2016 13:04

Nunca dantes na história deste país foi vista uma crise tão complexa e grave. E o pior é que ela apresenta as três dimensões clássicas (profundidade, extensão e largura), além do tempo. E, talvez, seja portadora também de alguma outra ainda desconhecida da ciência. O fundo do poço está em lugar incerto e não sabido (afinal de contas, qual é o verdadeiro tamanho da dívida pública, somada, envolvendo União, Estados Municípios e Distrito Federal?). Ela pegou todos os brasileiros do Oiapoque ao Chuí e do Cabo de Santo Agostinho até a fronteira do Acre com o Peru, que correspondem aos nossos limites extremos do norte/sul e leste/oeste. Ninguém escapou dessa crise. Se as medidas adequadas forem tomadas (Bom dia, D. Velhinha de Taubaté!), em que dia de que ano teremos "terra à vista"?

Outro aspecto negativo é a falta de firmeza dos nossos governantes e políticos. Pelo contrário, o que historicamente se nota neles é puro oportunismo, sem falar da corrupção endêmica. Se o governo pode ser visto como um tipo de jogo, cada participante tem de fazer com que o outro acredite que ele confia no seu ataque e que não ficará somente na defesa. A credibilidade é fundamental. Nada de lances do tipo "Waldir Maranhão", que faz de manhã e desfaz à noite. Ora, o episódio relativo ao Ministério da Cultura, a cargo do Presidente interino Michel Temer não representou outra coisa senão virar a bombordo diante do primeiro ventinho desfavorável, deflagrado pela opinião de certo grupo de interesses. O lema deste momento critico somente pode ser "para a frente e para adiante", como diria alguém e não "um passo para a frente e dois para trás", desde que quem assim faz fique de bem com aquele que o enfrenta, segundo uma visão cínica.

E o que o Banco Central do Brasil - BCB tem a ver com toda essa parafernália? Tem muito a ver, pois a inflação encontra-se em níveis altíssimos e o papel primordial daquele é cuidar da moeda nas suas três funções (meio de troca, reserva de valor e denominador comum de valores). Tais funções são essenciais e interdependentes. Digamos que exista um nível de inflação tolerável (acredite quem quiser). No Brasil esse nível foi entendido como o tal centro da meta, cujo conceito foi muito bem explicado em famosa entrevista dada pela ex-presidente interina (especialmente no tocante ao "dobro da meta") e ele corresponde a 4,5% ao ano. Isto significa dizer que, com essa inflação, se você tinha dez reais no dia primeiro de janeiro, em 31 de dezembro, descontada a desvalorização do real, você terá nas mãos uma nota de dez reais (valor nominal), mas que vale apenas R$6,5 (valor real). Ora se os preços continuaram estáveis no período, é claro que você com aquela nota de R$10 comprará muito menos do que no começo do ano. Elementar, meu caro Watson!

Em artigo neste mesmo "Migalhas", de 05.11.15 ("O que o Banco Central do Brasil pode fazer na crise atual"), eu já modestamente dizia que, em termos de política monetária ele não podia fazer mais nada, pois havia chegado ao seu limite. Vale a pena ler de novo, com licença da expressão.

Passados poucos meses daquela data, revisitando o BCB e suas funções, vemos que as coisas ficaram ainda mais complicadas. Isto porque, diante da crise, entre as diversas ideias inteligentes que têm surgido por aí para o seu enfrentamento, algumas delas têm se voltado para a velha discussão sobre a autonomia daquela Autoridade Monetária e outras (incluindo ou não a anterior) objetivando ampliação das suas funções. Esta última visão tem a ver, creio, com o fato de que, ao lado da Policia Federal, do juiz Sérgio Moro e do STF, o BCB tem se mantido no plano das raras instituições nacionais dotadas de credibilidade, ainda que um tanto arranhada porque a bicicleta do PT e suas pedaladas atingiram aquele Órgão, que teria se deixado seduzir pela nova matriz econômica inventada no governo Dilma, tendo à frente seu ministro Mantega. Disto resultou que o BCB teria entrado na onda de mexer indevidamente na taxa SELIC, que teria passado a ser manipulada para fins políticos. Observo que o uso dos verbos no condicional aqui feito é uma figura de retórica defensiva.

O que o governo Dilma fez na economia foi uma tremenda gambiarra (termo nacional que já mereceu um verbete na Wikipedia) e a gambiarra se já é um perigo por si mesma, imagine na economia. Você, caro leitor, sabe muito bem disto, se alguma vez se encontrou enrolado com seus cheques pré-datados, sua avalanche de dívidas de cartões de crédito e seus muitos carnês de lojas de departamentos. Se você se deu mal, imagine o governo (e nós, que pagamos o pato no final das contas carregando nas costas o peso de uma das maiores tributações do planeta) que gastou o que já não tinha (pois existe uma divida pública muito elevada e muito antiga), o que viria a ter em anos futuros; e ainda se endividou por todos os lados. Deu no que deu. Dizem que o rombo é de 120 bilhões. Troco de banca de jornal, como se sabe. Acho, a propósito, que a conta final se revelará muito mais elevada.

Leitor, você tem ideia do que sejam R$120 bilhões, de que se fala como se fosse uma ninharia? Vamos lá. Se você ganha mil reais por mês, precisará de 120 milhões de meses para ganhar aquele valor ou de dez milhões de anos. É o dobro do tempo dentro do qual o sol deverá explodir e nos levar junto. Mas, quem sabe a nossa expectativa de vida não melhorará significativamente?

Voltando ao BCB. Ele tem por função única, como foi dito, cuidar da moeda. É o mesmo modelo da Alemanha. Já o FED norte-americano tem a responsabilidade agregada de cuidar do nível de emprego. Então, a política monetária do FED deve buscar estabelecer uma taxa de juros que ao mesmo tempo preserve a moeda nas suas funções e ajude a manter (ou a restabelecer) um nível adequado de empregos. Isto porque quando a moeda está cara, o preço do crédito a acompanha, os juros sobem, os empresários não investem e os empregos diminuem. Trata-se da ilustração do cobertor curto: se o dono cobre os pés, descobre a cabeça e vice-versa.

Nesse cenário de crise tem se pensado em atribuir ao BCB novas tarefas, entre as quais a da preocupação com o nível do emprego e outras, onde quer que se encontre um rombo financeiro e outros desequilíbrios, que ele ajudaria a recuperar. Tais rombos estão no déficit fiscal, no Tesouro, na previdência, nas estatais, na saúde, na educação e na segurança pública, para resumir. É claro que não há louco que cogite em colocar essas três últimas responsabilidades nas mãos do BCB. Aliás, fazendo-se aqui uma observação oportuna, muitos dos nossos problemas atuais decorrem do fato de que a nossa constituição federal (que foi chamada de "constituição cidadã"), atribui aos cidadãos muito mais direitos do que obrigações. E o resultado está em que a conta não fecha.

Não existe no mundo inteiro a mínima condição de se reunir em um único órgão essas múltiplas tarefas, tanto do ponto de vista da capacidade gerencial, quando do reconhecimento da existência de conflitos de interesse na sua realização individual plena, dentro de um quadro geral. Na situação atual brasileira, a solução ideal para cada um daqueles rombos representa uma tarefa inalcançável, a não ser que fechássemos as portas para balanço.

O equilíbrio fiscal, que se coloca em primeiríssimo plano, depende de um vastíssimo corte de gastos, que implica na extinção da maioria dos ministérios e na demissão de milhares de funcionários desnecessários, nomeados politicamente sem concurso; e na venda de ativos públicos em todas as esferas. E isto depende do Congresso, onde adotar tais medidas seria pior do que falar de corda em casa de enforcado. E o fator tempo não ajuda nada. Só atrapalha. Quanto mais os dias correm, mais o déficit aumenta.

A previdência, por sua vez, é um saco sem fundo e bota sem fundo nisto. Os problemas são muito velhos e jamais se deu às suas causas a devida atenção. Em resumo, trata-se de muita gente se aposentando geralmente muito cedo, com pouca gente nova pagando as aposentadorias, já que o mercado de trabalho formal não absorve pessoas em número suficiente para gerar um fluxo de caixa equilibrado entre as entradas e as saídas. E o fator agravante é o do envelhecimento da população, que vive mais tempo depois de aposentada, já que a expectativa de vida subiu significativamente nas décadas recentes. E como cada pessoa (ou seja, um eleitor) quer puxar a brasa para a sua sardinha (fator que, evidentemente, influencia os políticos), mexer nesse vespeiro é coisa de suicida. E logo neste momento em que eleições estão à nossa porta.

As estatais são outro grande foco de dificuldades. Sua utilização política, a corrupção sem limites que tem operado dentro delas, o desvio do seu foco original e até mesmo a sua necessidade no Estado moderno, precisam de uma revisão igualmente drástica e urgente. Tem se falado em privatizar até mesmo o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Ontologicamente não há qualquer problema que impeça tal orientação. Em outros países não existem órgãos semelhantes e o governo, quando necessita, usa a rede bancária privada mediante convênios devidamente fiscalizados. O (des)governo há pouco ainda interinamente deposto usou tais bancos para forçar uma baixa artificial na taxa de juros, de maneira a forçar os bancos privados a fazerem o mesmo. Deu tudo errado em função daquilo que se chama em economia de seleção adversa.

O conceito de seleção adversa tem origem no famoso texto Makets for Lemons, de Akerlof, 1970, como um fenômeno ligado à assimetria de informações entre partes em determinadas operações. Quem tem a melhor informação e a maior qualidade delas leva vantagem diante da outra parte. Ora, os clientes que migraram dos bancos privados para os bancos públicos (limões, na acepção de Akerlof) na busca de melhores condições operacionais foram precisamente aqueles que estavam em situação pior do que a dos que ficaram. Cientes de quais eram os seus bons clientes, os bancos negociaram com estes melhores condições e os outros foram embora para os bancos públicos, carregando consigo a sua inadimplência costumeira, que causou grandes prejuízos àqueles, ainda não mensurados e divulgados para o mercado.

Como se sabe (na verdade, nunca se saberá com precisão), a quantidade de estatais no Brasil é extremamente demasiada e torna-se necessário por um paradeiro nisto, deixando à iniciativa privada atuar nas áreas correspondentes, assumindo o risco do negócio e deixando nós outros, contribuintes, livres dos encargos que elas nos têm custado.

Foi por motivos puramente eleitorais que a esquerda brasileira tem defendido as estatais, fonte inesgotável (até que a corda quebrou) de lucros e de votos. A ameaça de que a oposição iria fechar as estatais (principalmente a Petrobrás) sempre esteve presente na boca do PT, especialmente do ex-presidente Lula. Como se sabe, os seus empregados sempre tiveram salários melhores do que os do mercado em geral, aposentadoria integral e uma infinidade de benesses. Seu custo naturalmente sempre passou para o produto final, encarecendo-o, já que outro fundamento da economia ("Não existe almoço de graça") não pode ser impunemente descartado. Depois que os últimos três governos desgovernaram as estatais e as quebraram juntamente com os seus fundos de previdência, é bem certo que os eleitores de cabresto que ali residiam tenham mudado radicalmente de lado.

O BNDES que hoje é uma caixa preta, também poderá ser extinto ou deverá ter a sua atuação estritamente fiscalizada na concessão de crédito para o interesse nacional. Nacional do Brasil e não da Venezuela, da Bolívia, de Cuba ou de outros bolivarianos espertos. Aliás, Cuba está voltando realisticamente a contar com os dólares dos turistas imperialistas americanos e não precisará mais do nosso pobre dinheirinho.

E que papel caberia, portanto ao BCB para nos ajudar a sair desta crise? Muito simples, ficar como está, apenas dando-se a ele a necessária autonomia. Esta é representada pela escolha de técnicos de alto conhecimento na área; na atribuição de mandatos fixos ao seu presidente e diretores; e em um status especial de ministros, para que a cada momento não sofram a ameaça de serem presos por determinação de um juiz de primeira instância, lotado em qualquer comarca deste imenso Brasil. Os administradores do BCB somente poderiam ser demitidos por justa causa, dentro de medida que atendesse o princípio do devido processo legal. Claro que o BCB continuaria com as obrigações de transparência e de responsabilidade pelo cumprimento de suas funções, a serem realizadas perante o Congresso.

De posse dessa autonomia (que até hoje existiu limitadamente apenas de fato, inclusive nos dois governos do ex-presidente Lula), o BCB cuidará da preservação da moeda. Isto feito, os demais órgãos do Governo além do Legislativo e do Judiciário, saberão em que limites legais e políticos poderão exercer as suas funções para o saneamento dos demais problemas acima apontados. Já que diante de um BCB autônomo, não haveria a fabricação artificial de moeda ou permissão para tanto, os cuidadores dos problemas situados nos demais campos em crise conhecerão muito bem o chão em que estarão pisando. É claro que isto não será nada fácil. Mas não há outra saída.

Depois de tantas décadas perdidas e de tantas promessas frustradas de que as gerações anteriores estavam pagando um preço alto para que as futuras tivessem uma vida melhor, estamos jogando a nossa última cartada. Se não der certo, amanhã seremos a Venezuela de hoje e depois de amanhã o caos perfeito.

Para finalizar. Deve ter me enganado quanto à saúde pública, pois o nosso inefável ex-presidente declarou uma vez que naquela altura ela estava no plano da quase perfeição. Hoje em dia, portanto, certamente estamos muito acima do dobro da meta. Falando em educação, o problema será resolvido facilmente, bastando para isto um dar um abracadabra nos professores (que se tornarão imediatamente mais bem preparados), triplicar os seus salários, melhorar merenda e encher as classes com alunos. No tocante à segurança pública, a solução é a mais fácil de todas: basta despedir a polícia e contratar os bandidos. O preparo deles e a sua capacidade de fogo são muito melhores do que os dos nossos policiais em serviço.

Este texto já estava terminado quando foi divulgada a informação de que o rombo nas contas públicas havia passado para R$170 bilhões. Maior preocupação ainda para o leitor, pois esse montante é quase 50% mais elevado dos os R$120 bihões referidos no artigo.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados e professor Sênior do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.


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