As restrições impostas pelo DREI e pelas Juntas Comerciais à atividade empresarial da EIRELI
Interessados em constituir uma pessoa jurídica nessa modalidade e, até mesmo, os profissionais da área, têm enfrentado inúmeros entraves.
terça-feira, 24 de maio de 2016
Atualizado às 09:00
Desde o advento da lei 12.441/11, que instituiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - Eireli no ordenamento jurídico pátrio, os interessados em constituir uma pessoa jurídica nessa modalidade e, até mesmo, os profissionais da área, têm enfrentado inúmeros entraves em decorrência das lacunas da própria lei e das orientações fornecidas pelas Juntas Comerciais do País.
É sabido que a própria lei 12.441/11 indica, em seu texto, que eventuais omissões sejam supridas com as normas pertinentes às Sociedades Limitadas. Entretanto, as Juntas Comerciais têm se aproveitado de tais omissões para fornecer aos empresários orientações diferentes e, muitas vezes, sem o devido embasamento legal.
Um exemplo disso é a possibilidade de uma Eireli ter como titular uma outra pessoa jurídica, o que foi rechaçado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, substituído pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI, por meio de suas instruções normativas.
É correto dizer que o DREI não tem a autonomia para instituir limitação não prevista por lei, vez que esta, na redação do artigo 980-A dispõe que "a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social(...)". Logo, não há especificação quanto à pessoa, inferindo-se, consequentemente, que ela possa ser física ou jurídica.
Esse assunto já se encontra relativamente pacificado por ter sido objeto de mandados de segurança objetivando o arquivamento de atos constitutivos. A postura da Juntas Comerciais, no entanto, quando se deparam com uma situação dessas é sempre uma incógnita.
Outra questão que inspira debates são as operações societárias que podem ser intentadas pela Eireli, especialmente no que tange à possibilidade de que ocupe a posição de incorporadora.
É cediço que as operações societárias - quais sejam: transformação, incorporação, fusão e cisão - são comuns às pessoas jurídicas como um todo, porquanto fazem parte do exercício da atividade empresária. Sendo a Eireli uma pessoa jurídica, é de se presumir que a ela seja permitido realizar tais operações, a exemplo do que ocorre com as demais. Entretanto, devido à ausência de regulamentação legal, ou mesmo que por meio de instruções normativas, o titular de uma Eireli somente toma conhecimento do que é ou não permitido pelos órgãos competentes quando intenta realizar estes atos.
Em decisão recente, a Junta Comercial do Estado de São Paulo - JUCESP negou o arquivamento de atos de incorporação de uma Sociedade Limitada por uma Eireli, com base em pareceres proferidos por sua Procuradoria, alegando, em apertada síntese, que em o fazendo, a Eireli traria para si os sócios da incorporada e que isto implicaria em descaracterização da unipessoalidade a ela inerente, o que não procede e não se pode aceitar, uma vez que, na maioria das vezes, a intenção dos sócios de uma pessoa jurídica incorporada é de, justamente, não mais exercer a atividade empresária.
Em vista da negativa, o assunto agora é objeto de mandado de segurança em trâmite perante a Justiça Federal de São Paulo, tendo como argumento basilar o fato de que o ato de incorporação não acarreta a absorção de sócios da incorporada pela incorporadora, como tenta levar a crer a Procuradoria da JUCESP.
Além disso, o parecer utilizado pela JUCESP para o indeferimento se vale de doutrinas relacionadas à legislação que regulamenta a atividade das Sociedades Anônimas (que em muito diferem da EIRELI), além de parca jurisprudência muito anterior à edição da lei 12.441/11.
Não existe disposição legal no sentido de que, quando uma pessoa jurídica é incorporada por outra, esta passa a ser composta pelos sócios da incorporada. Admitimos que isso possa ocorrer em casos isolados, por mera liberalidade das partes, não refletindo a prática comum, muito menos podendo ser tratado como regra.
Além de todo o quanto já exposto, a instrução normativa 10, de 5 de dezembro de 2013 do DREI, que aprovou os manuais de registro de diversas pessoas jurídicas, entre elas, a Eireli, consubstanciada no Anexo V da Instrução, nos traz o item 3.4 "Incorporação", onde descreve com detalhes o procedimento a ser adotado para registro dessa operação.
Em sendo o DREI o órgão responsável por nortear e regulamentar a atuação das Juntas Comerciais de todo o País, por que incluiria em seu manual algo que não pretende permitir? Assim, não se encontra qualquer óbice para a incorporação por parte da Eireli, seja pela legislação, seja pelas instruções normativas do DREI, logo, não se sustenta a negativa apresentada pela JUCESP.
É inegável que o intuito do legislador com a criação da Eireli foi facilitar as relações empresariais, sendo incoerente a limitação imposta pela a JUCESP sem qualquer previsão legal para tanto. Assim, defende-se que o ato de incorporação não implica no ingresso dos sócios da incorporada na incorporadora, pois trata-se de uma simples "absorção" do patrimônio, ativo e passivo, de determinada pessoa jurídica por outra, culminando na extinção da que foi incorporada.
De mais a mais, a atitude das Juntas Comerciais prejudica a atividade empresarial, ao passo que entrava negociações e estratégias comerciais cuidadosamente arquitetadas pelos empresários.
Em que pese o referido mandado de segurança ainda se encontrar em trâmite, defende-se que a Eireli pode ser incorporadora de quaisquer outros tipos jurídicos, pela natureza da operação de incorporação e pela inexistência de impedimento legal.
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*Camila Godoy é sócia do escritório Barbero Advogados.