Não somos todas Marcelas!
As mulheres brasileiras, é bom que o "novo" governo saiba desde já, jamais fogem do campo de luta.
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Atualizado em 17 de maio de 2016 15:17
Quando surgiram nas redes sociais aqueles "memes" a respeito da primeira-dama interina Marcela Temer, que foi definida por uma revista semanal como "bela, recatada e do lar", não imaginei que esta condição tivesse tanta importância ao seu marido, o presidente interino Michel Temer. Pode até ser que não, mas é esta a conclusão que me resta após conhecer a lista completa de seu ministério, inteiramente carente de representantes do sexo feminino. Será que o "novo" presidente nos quer "belas, recatadas e somente do lar?" Respeitamos as mulheres que optam por esse caminho! Que isso fique muito claro! Mas a sociedade exige continuação.
Do último governo militar até o da presidente afastada Dilma Rousseff, trinta e três mulheres passaram pelos ministérios da República. Embora possa parecer expressivo para alguns, aquela realidade já não expressava a importância do papel da mulher na sociedade e nem considerava o fato de sermos a maioria da população do País. Assim, temos que reconhecer, embora não fosse a situação ideal, nossa participação política no âmbito ministerial desenhava uma linha crescente. Já o governo Temer, não entendo a razão, nos joga de volta, como se quisesse nos devolver a invisibilidade. É, indiscutivelmente, um retrocesso.
Isso sem entrar no mérito, ao menos neste momento, de que além da ausência de mulheres, também inexistem representantes negros na lista de ministros do presidente interino. Mas lá estão, aparentemente firmes e seguros, sete ministros investigados na Operação Lava-Jato. Qual será o critério das escolhas do presidente Temer?
O governo foi questionado a respeito na figura do "novo" ministro do Planejamento, Romero Jucá, que ofereceu uma resposta evasiva, visando isentar Temer de responsabilidade e da pecha de machista. De acordo com o ministro, a questão tem que ser discutida com os partidos políticos, que indicaram os nomes. Ora, ora... mas o presidente interino da República não foi, até outro dia, o presidente eterno do PMDB, o maior partido do Congresso? Por que então não fez um esforço para, ao menos o seu partido, indicar mulheres para o ministério? As mulheres, vale informar ao novo ministro do Planejamento para que repasse ao "novo" presidente, não nasceram para ser coadjuvantes, aceitando como consolo cargos no segundo escalão. Nós, mulheres brasileiras, temos capacidade e competência, por inúmeras vezes já demonstradas, para sermos protagonistas, para ocuparmos o primeiro escalão.
A exclusão feminina do primeiro escalão do executivo brasileiro coloca o País na contramão de um movimento cada vez mais forte e amplo no mundo, que coloca a mulher em postos de comando e decisórios. Por essa razão, é certo que a ausência de mulheres no governo também afetará a imagem do Brasil no Exterior, onde continuará sendo visto como um País machista e desigual no que tange o respeito aos direitos das mulheres em relação aos homens. A composição do ministério do "novo" presidente tende a reforçar esta desigualdade.
Não pense o governo que as mulheres brasileiras aceitarão passivamente este retrocesso jurássico, que tenta nos levar de volta ao recato das cavernas. As mulheres não cederão um milímetro dos avanços que conquistaram nos últimos anos, sempre com luta renhida. Não vamos aceitar também como justificativa o surrado "blábláblá" de que o momento é excepcional, que o País precisa de união e que temos que ser compreensivas. Tanto na excepcionalidade do momento quanto na necessidade de união do País, a visão crítica, a voz decidida e o gesto firme das mulheres não podem faltar.
As mulheres brasileiras, é bom que o "novo" governo saiba desde já, jamais fogem do campo de luta. Seguiremos lutando pela manutenção dos nossos direitos, ampliação de nossas conquistas e contra aqueles que, independentemente das razões, ousarem querer subtrair ou mitigá-las. A mulher brasileira de hoje, talvez para lamento do "novo" presidente, jamais voltará à condição de ser apenas "bela, recatada e do lar". Nem por decreto!
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*Rosana Chiavassa é advogada (Chiavassa Advogadas Associadas) e presidente da ASAS - Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas do Direito do Estado de São Paulo.