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Alguém conhece alguém que...

O homem se resume no próprio contexto de suas relações sociais e, em razão do compromisso de convivência assumido, é o construtor do próprio mundo e de sua história individualizada.

domingo, 15 de maio de 2016

Atualizado às 07:34

 

Circulou no noticiário que uma advogada aguardava sua vez na fila do caixa eletrônico, no interior de um shopping, quando outra correntista a sua frente, acionou a máquina para fazer o saque e, em seguida, deu por encerrada a operação, esquecendo-se, no entanto, de retirar o dinheiro solicitado. Mais do que depressa a advogada, percebendo o dinheiro disponibilizado a sua frente, saiu à procura da pessoa, porém não obteve êxito. Além de comunicar à administração do shopping, postou o caso na rede social, no grupo do Facebook "Alguém conhece alguém que...", solicitando auxílio para localizar a proprietária do dinheiro, acentuando que o valor se encontrava em seu poder. O objetivo, no entanto, foi atingido pelas diligências realizadas pela administração do estabelecimento.

De quando em quando se publica notícia neste sentido, com a intenção de enobrecer a conduta da pessoa que encontra determinada soma em dinheiro e providencia a restituição ao proprietário, justamente por não ser um fato corriqueiro. Exemplos retirados da ocorrência popular, relatando uma conduta exemplar, cria uma imagem consistente e digna de imitação, pela simples capacidade de distinguir o certo e o errado. Fornece estabilidade e durabilidade de conceitos positivos, abrindo espaços para os mais jovens modelarem um caráter compatível com os princípios éticos e morais. Pode-se dizer que o homem se resume no próprio contexto de suas relações sociais e, em razão do compromisso de convivência assumido, é o construtor do próprio mundo e de sua história individualizada.

"O indivíduo torna-se justo, corajoso, prudente, sentencia Oliveira, à proporção que, agindo, ele se "habitua" (adquire o hábito) ao que, na cidade, é eticamente justo, corajoso, prudente. A ação do indivíduo deita raízes no costume e no uso."1

Daí, que a sociedade trilha ou o caminho da excelência ou da própria estupidez humana, dependendo de seus valores e de suas virtudes morais. Não acredito que a lei, somente a lei, seja o caminho mais credenciado para levar o homem a ter uma vida inteligente, regrada pela honestidade e sabedoria. A lei é cogente e os princípios éticos coletivos apresentam-se como a melhor opção. Realizam-se espontaneamente, sem qualquer reserva ou restrição, com aplicação imediata e eficaz.

A honestidade da diligente advogada, na realidade, está contida na essência da ética, como sendo um dos braços de sua atuação. Assim, a ética, na sua análise estrutural, nada mais é do que o costume, a tradição, ambos voltados para a moral. Seria, num linguajar mais liberal, a regularização moral e correta da conduta humana, passada de geração em geração, sempre procurando atingir os pontos harmônicos da convivência humana, facilitando a realização espontânea dos bons valores que permanecem como ideal de compartilhamento. A ética não é acabada, é um pensamento em constante evolução, que, com o passar do tempo, vai se aperfeiçoando. Não é, por outro lado, o resultado de condutas codificadas, não se revoga, nem é derrogada. É resultado do próprio pensamento evolutivo do homem.

Já do ponto de vista jurídico, a conduta da zelosa advogada, apesar de todo esforço para localizar a proprietária do dinheiro, teria outra recomendação. Deveria, dentre as hipóteses nomeadas pelo legislador no artigo 169, parágrafo único, II, do Código Penal, entregar o dinheiro à autoridade competente, no prazo de 15 dias. Ora, percebe-se, até com certa facilidade, que o procedimento adotado por ela, consistente em divulgar pela rede social, que comumente atende com sobras pedido desta natureza, além da comunicação à gerência do estabelecimento, foi mais eficaz e atingiu o resultado pretendido, sendo desnecessário qualquer providência policial.

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1 Oliveira, Manfredo Araujo de. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993, p. 57

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp.



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