A nova lei sobre direito de resposta e a liberdade de imprensa
De todo modo, há variadas questões na mencionada lei federal que suscitam algumas preocupações.
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Atualizado em 12 de maio de 2016 15:10
A partir do reconhecimento da incompatibilidade da Lei de Imprensa (lei federal 5.250/67) com a Constituição da República, no julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal, diversas questões relativas à atividade jornalística ficaram desprovidas de previsão normativa. Uma delas consiste justamente no direito de resposta.
Quando do exame da mencionada arguição de descumprimento de preceito fundamental, a Suprema Corte brasileira reconheceu a extrema relevância do direito de resposta e a necessidade de seu tratamento legislativo. Houve, inclusive, uma relativa controvérsia a respeito da possibilidade de manutenção da Lei de Imprensa nesse ponto específico, dada a clara necessidade de regulamentação da temática em nível infraconstitucional. E nem poderia ser outra a orientação do Supremo, considerada a circunstância de que o direito de resposta possui estatura constitucional, nos termos do art. 5º, V, da Carta da República.
Daí a razão pela qual deve ser reconhecida a importância da lei 13.188/15, que foi recentemente sancionada e regulamenta o direito de resposta. Aliás, não apenas a referida iniciativa legislativa deve ser saudada nesse caso, impondo-se, também, o reconhecimento de que alguns aspectos da mencionada norma efetivamente atendem à dimensão jurídico constitucional do direito de resposta, prestigiam o direito fundamental à honra e não importam em cerceamento à liberdade de imprensa.
Nesse sentido, louve-se a tentativa de conferir-se velocidade aos procedimentos relativos à verificação do direito de resposta. A contemporaneidade da retificação permite a adequada proteção do direito de personalidade do ofendido, além de garantir a prestação de informações precisas ao público. A própria pormenorição do rito processual aplicável procura conferir certo grau de segurança jurídica às partes envolvidas, tão necessária nesses tempos de exacerbação principiológica e imprevisibilidade jurisdicional. Com a norma aprovada, conhecem-se de antemão as regras do jogo e afastam-se eventuais açodamentos judiciais.
De todo modo, há variadas questões na mencionada lei federal que suscitam algumas preocupações. Já existem, inclusive, três ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF tratando exatamente da lei 13.188/15 que muito possivelmente resultarão na alteração do estatuto jurídico constitucional do direito de resposta.1
Nesse ponto, é preciso relembrar que a previsão constitucional do direito de resposta não confere carta branca ao legislador para proceder da maneira que bem entender, ampliando indevidamente o escopo e o alcance dessa garantia. Tal cuidado legislativo, de resto, mostra-se necessário quando da densificação de qualquer das cláusulas inscritas no Texto Constitucional.
De todo modo, no que se refere ao direito de resposta, ao seu substrato valorativo e à sua exata dimensão normativa, o trabalho do intérprete do direito e do próprio legislador foram facilitados pela atuação jurisdicional do Supremo. Aquela Corte judiciária, primeiramente por intermédio da ADPF 130 e depois por algumas decisões que a seguiram, fixou, em ampla medida, as balizas essenciais da referida garantia. Nesse sentido, o Tribunal construiu, no estrito espaço de atuação jurisdicional que lhe compete, um verdadeiro estatuto constitucional do direito de resposta, que pode e deve pautar a atuação dos aplicadores do direito e dos próprios parlamentares brasileiros. Em outras palavras: facilitou-se a vida do legislador, que não precisou começar do zero, interpretando solitariamente uma abstrata previsão da Constituição Federal.
Nesse sentido, consideradas as sucessivas manifestações jurisdicionais emanadas do Supremo, e de resto o próprio conteúdo que emana de forma sistêmica do acórdão da ADPF 130, pode-se concluir que aquele Tribunal firmou o seguinte posicionamento a respeito do direito de resposta:
(a) trata-se de uma garantia que se encontra em plena conformidade com os balizamentos normativos e axiológicos da liberdade de imprensa;
(b) ele independe de regulamentação infraconstitucional, constituindo norma de eficácia plena e aplicação imediata, muito embora o seu tratamento em sede normativa ordinária seja permitido e até mesmo recomendado;
(c) juntamente com as reparações civis e possível persecução penal, constitui o mais importante mecanismo à disposição do cidadão frente ao exercício abusivo da liberdade de imprensa;
(d) possui uma natureza transindividual, na medida em que, além de proteger a honra objetiva do ofendido, potencializa o direito à informação, aprimorando o próprio conteúdo da liberdade de imprensa;
(e) pressupõe a ocorrência de informação inverídica ou errônea, não bastando a mera crítica ou ofensa genérica, ou seja, não está associado ao simples aprimoramento da notícia, à insatisfação com manifestações duras e contundentes ou ao desejo de apresentação de outra versão, impondo-se que de fato haja imprecisão na reportagem; e
(f) pressupõe ampla produção de provas, para que se constate a incorreção da veiculação jornalística e a necessidade do direito de resposta.
Assentadas essas premissas jurídico-constitucionais, de que não se pode afastar o intérprete ou o legislador, cumpre reconhecer-se que variados aspectos da lei 13.188/15 envolvem um claro desvirtuamento do sentido normativo e axiológico do direito de resposta e, por consequência, importam no indevido cerceamento da liberdade de imprensa.
Em primeiro lugar, o art. 2º, § 1º, da mencionada lei amplia excessivamente as hipóteses autorizadoras da outorga do direito de reposta. Para além da violação à honra do ofendido, incluem-se, também, o desrespeito à intimidade, ao conceito, reputação, nome, marca ou imagem de pessoa física ou jurídica. Nesse contexto, autoriza-se o direito de resposta diante de qualquer atividade de imprensa que prejudique uma determinada pessoa, ainda que não haja um ato de calúnia, injúria ou difamação. Mesmo a crítica severa, absolutamente admitida pelo ordenamento constitucional brasileiro e chancelada pelo STF no exame da ADPF 130, estaria proibida, sob pena de contra ela ser conferido o direito de resposta.
O próprio desrespeito à intimidade somente deveria admitir o direito de resposta em situações muito especiais. Ainda que haja a violação da privacidade, é bastante possível que determinada reportagem não contenha fato inverídico, de modo que a retificação, em tal contexto, mostra-se desnecessária. Imagine-se a situação de uma personalidade pública fotografada em cenas íntimas, com violação de sua intimidade. Que tipo de direito de resposta teria ela? Esclarecer o contexto em que se deu o ato amoroso? Desmentir as fotos? Não parece o caso de direito de retificação, sem prejuízo, evidentemente, de eventual indenização por danos morais e/ou materiais.
Outro ponto que causa preocupação na lei 13.188/15 consiste na manutenção do direito de resposta ainda que haja a retificação espontânea da reportagem, com idêntico destaque, pelo próprio órgão de imprensa. Nesse sentido, observe-se o art. 2º, § 3º, da mencionada norma legal. Pergunta-se: qual a razão do direito de resposta em uma situação dessas? Relembre-se que essa garantia tem por escopo proteger a honra do ofendido e permitir a prestação de informações verídicas e precisas ao público. Caso haja a retificação espontânea e eficaz pelo órgão de imprensa, ambas as finalidades terão sido atendidas, servindo o direito de resposta, nesse caso, como uma indevida redundância, que garantirá simples publicidade ao interessado e não terá qualquer resultado prático no sentido de melhor informar a coletividade. Claro está, em tal contexto, um inaceitável cerceamento à liberdade de imprensa.
Um terceiro aspecto da mencionada norma legal que merece comentário consiste no rito processual por ela estabelecido para a outorga do direito de resposta em sede judicial, nos termos do art. 5º e seguintes. Nesse ponto, o legislador mostrou-se compreensivelmente preocupado com a velocidade. Evidentemente, trata-se de uma garantia cuja efetividade depende de uma relação de mínima contemporaneidade com a veiculação da notícia ofensiva. Daí a necessidade de que de fato o seu reconhecimento ocorra de maneira rápida.
Contudo, a forma como foi construído o caminho processual para o acolhimento do direito de refuta traz graves questionamentos em torno de sua conveniência e da sua própria validade constitucional. Como já alertado, há uma faceta transindividual no direito de resposta consistente na necessidade de apresentarem-se, ao público, informações corretas e precisas. Desse modo, a garantia em questão, caso acolhida de forma açodada, sem que se tenha verificado conclusivamente a inexatidão da reportagem jornalística, viola justamente esse direito fundamental à informação. Satisfaz-se a pretensão do ofendido, mas, ao mesmo tempo, prejudica-se o público, que se vê diante da "retificação" de uma notícia potencialmente verdadeira. Daí a razão pela qual o Supremo teve o cuidado de fixar, no julgamento da ADPF 130 e em pronunciamentos posteriores, a premissa de que o direito de resposta pressupõe, necessariamente, a comprovação cabal de que a reportagem supostamente ofensiva efetivamente continha equívocos. Do contrário, não se reconhece tal direito, sob pena de indevido cerceamento à liberdade de imprensa.
Em tal sentido, a lei 13.188/15 deixa margem para que o direito de resposta seja concedido sem que se tenha decidido, de forma categórica, a respeito da incorreção da reportagem. Aliás, a velocidade com que o processo correlato se desenvolve lembra muito o próprio rito previsto pela Lei de Imprensa, trazendo graves suspeitas a respeito de sua validade constitucional.
Como se não bastasse essa circunstância, assume particular gravidade a possibilidade de outorga do direito de resposta em sede de tutela antecipada, mediante o mero exame da verossimilhança das alegações deduzidas pelo ofendido, nos termos do art. 7º, caput, da lei 13.188/15. Essa decisão pode ser proferida em até 24 horas da citação do réu. Trata-se de uma previsão normativa absolutamente incompatível com a necessidade de acurada e conclusiva verificação a respeito do caráter ofensivo e inverídico da reportagem a respeito da qual se postula o direito de resposta. E se, ao final do processo, ficar comprovada a legitimidade da notícia, como será corrigida a situação? Nesse caso, o art. 11, par. único, da lei ora em análise prevê a singela consequência do ressarcimento dos custos incorridos com a veiculação da refuta. E a credibilidade do órgão de imprensa, como fica? E o direito fundamental à informação, como será protegido nesse contexto? A veiculação indevida de um direito de resposta, resultante de uma decisão antecipatória, revela uma situação de evidente desrespeito à liberdade de imprensa e ao direito de informação. Desse modo, constitui uma medida que não extrai legitimidade do Texto Constitucional. Menos mal que o min. Dias Toffoli reconheceu a inconstitucionalidade e suspendeu a eficácia do art. 10 da lei 13.188/15, que impedia a sustação dos efeitos da decisão de primeiro grau por ato decisório monocrático em segundo grau de jurisdição.2 Com isso, o controle de eventuais abusos ocorridos em primeira instância poderá ser feito de forma mais célere e eficiente.
Finalmente, é preciso que se reveja a questão da competência judicial para exame do pedido de resposta, estabelecida no art. 5º, § 1º. Trata-se de um regramento excessivamente fluido e demasiadamente incerto. O ofendido pode propor a demanda correlata no foro de seu domicílio ou no foro do local onde o agravo teve maior repercussão. Ao excepcionar os regramentos previstos no Código de Processo Civil a tal respeito, a mencionada norma, nesse ponto, atribui uma liberdade de escolha muito excessiva, prestigiando indevidamente o autor da demanda, que poderá eleger entre múltiplos locais, optando por aquele onde possa haver um resultado mais efetivo. A própria ideia abstrata de maior repercussão do agravo é de tamanha subjetividade que abre caminho para enorme confusão processual e inúmeros conflitos de competência. Em nome da clareza, da previsibilidade e da segurança jurídica, melhor seria a definição de um juízo específico para esse fim.
Esses são, em linhas gerais, os principais aspectos da nova lei do direito de resposta que merecem comentário. Trata-se de saudável iniciativa do Congresso Nacional, que busca regulamentar uma garantia fundamental da mais alta relevância. Há, contudo, alguns problemas de inconstitucionalidade material com a referida norma. É de todo recomendável, portanto, que se acompanhe atentamente o exame do tema pelo STF nas ações diretas que já foram propostas perante aquela Corte judiciária. Ao menos parte dos questionamentos aqui formulados poderão ser resolvidos no âmbito das mencionadas demandas constitucionais.
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1 ADIs 5.415, 5.418 e 5.436, de relatoria do min. Dias Toffoli.
2 ADI 5.415, rel. min. Dias Toffoli.
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*Marcelo Cama Proença Fernandes é advogado do escritório Proença Fernandes Advogados.
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