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A doença tem pressa da cura, mas o "remédio" pode matar

A fosfoetanolamina ainda não é medicamento, infelizmente, um mero experimento cuja eficácia ainda não foi cientificamente confirmada.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Atualizado em 18 de abril de 2016 14:45

A fosfoetanolamina, a tal pílula da "cura" do câncer, ganhou o centro de uma discussão que deveria, ao menos nesta fase, ser apenas cientifica e restrita ao interior dos laboratórios de pesquisa. No entanto, por uma precipitação do "seu criador" e dono da patente, o professor aposentado da USP de São Carlos Gilberto Chierice, vozes dissonantes a este universo foram incorporadas, como a dos advogados, juízes, jornalistas e parlamentares, todos eles pressionados por enfermos que acreditaram na promessa do medicamento, ou seja, a "cura" do câncer. Medicamento não, até agora, infelizmente, um mero experimento cuja eficácia ainda não foi cientificamente confirmada.

Para entender melhor este processo, faz-se necessário um ligeiro recuo no tempo, até 1990, quando a droga começou a ser fabricada no laboratório da Universidade de São Carlos e inadvertidamente distribuída aos pacientes, o que aconteceu até 2014, ano da aposentadoria do professor Chierice. A partir de então, começaram os protestos de pacientes e familiares na imprensa, ações de advogados, decisões judiciais que ainda pipocam aqui, ali e acolá, e até da Comissão Parlamentar de Assuntos Sociais do Senado, todos obrigando o laboratório a seguir com a sua produção e distribuição. Estas decisões, movidas pela emoção, não consideram o caráter científico da situação, que exige de qualquer experimento, logicamente que visando a segurança do consumo humano, a realização de inúmeros testes aos quais a tal "pílula do câncer" não foi submetida. Um absurdo!

A fosfoetanolamina não tem, é claro, registro na Anvisa porque ainda não cumpriu todas as fases de testes necessárias e, como consequência, a sua eficácia para o que se propõe e a segurança para o consumo humano ainda não foram asseguradas. No entanto, pressionada, a Anvisa chegou a admitir que o experimento poderia ser usado como complemento. Uma irresponsabilidade! Afinal, como pode a Vigilância Sanitária aceitar como seguro para o consumo humano um experimento que ainda não foi devidamente testado?

Esta história, como se percebe, começou errada e seguiu boa parte do percurso nesse leito até que o Tribunal de Justiça de São Paulo se reunisse com médicos para conhecer melhor o tema. Resultado da conversa: liminares concedidas foram cassadas. Não bastasse, o imbróglio ficou ainda maior: a USP fechou o laboratório de São Carlos e está processando o professor aposentado por charlatanismo. O governo de São Paulo pediu ao Hospital do Câncer a realização de testes controlados em alguns pacientes. No entanto, já sabe, por outras pesquisas realizadas por entidades de credibilidade inquestionável, que a tal "pílula" do câncer não cumpre o que promete. Médicos especialistas já alertavam para este resultado há um bom tempo.

Impressiona, neste caso, a irresponsabilidade, o oportunismo e a falta de ética de alguns dos personagens envolvidos. É verdade que a emoção e a solidariedade eram elementos importantes a considerar, porém, as decisões devem ser pautadas única e exclusivamente pela razão, sob pena de causar um mal ainda maior. A Justiça, estimulada pelos advogados, deveria, desde o princípio, buscar parecer médico para pautar suas decisões. Os parlamentares deveriam estar cuidando de outros temas, ainda que de igual relevância.

Agora, o 'milagre" é aprovado pela Presidenta, numa mera tentativa popularesca.

Casos como estes devem ser tratados com muito cuidado e responsabilidade, pois estamos lidando com seres humanos já fragilizados pela doença. Dar-lhes uma esperança sem o mínimo de segurança, de um experimento sobre o qual pouco se conhece, é correr o risco desnecessário de gerar uma frustração que pode resultar num mal ainda maior. Espero que os danos gerados pelos erros cometidos sejam pequenos e que o caso nos sirva de lição.

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*Rosana Chiavassa é advogada especializada no Direito a Saúde do escritório Chiavassa Advogadas Associadas.


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